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Viagem é deslocamento, não distanciamento: pelo direito ao “logo ali”

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“Tudo que está perto parece não merecer nossa atenção” - Imagem: Brasil de Fato MG
Entendemos os deslocamentos, cada vez mais longos, velozes e individualistas como necessidade

Por Juliana Afonso*

A pandemia obrigou parte considerável da população a parar. Muitos não puderam – e outros tantos não quiseram – mas todos precisaram repensar e reorganizar seus fluxos. Basta olhar para as ruas e observar a diminuição dos deslocamentos. Seguimos trabalhando, estudando, criando nossos filhos, limpando nossos quintais e lavando louça (muita louça), mas reorganizamos nossos horários e agrupamos nossas tarefas a fim de aproveitar ao máximo cada saída, cada viagem. Isso porque paramos, principalmente, de viajar.

Segundo a Organização Mundial do Turismo (OMT), o setor teve uma redução de mais de 900 milhões de turistas entre os meses de janeiro e outubro de 2020. Esse dado carrega uma série de informações e pode ser examinado sob diversos aspectos. Aqui, vamos analisar as tendências.

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As viagens para destinos domésticos cresceram, diminuindo os grandes deslocamentos em meios de transporte como navios e aviões. Aumentaram as buscas por destinos hiperlocais, próximos das cidades de origem dos viajantes. As estadias prolongadas também ganharam mais adeptos, principalmente com o aumento do número de pessoas em trabalho remoto. E quem ainda não se sentiu seguro para viajar, encontrou lazer em espaços dentro da cidade, principalmente praças, parques e centros comunitários.

O que essas tendências reiteram é que a viagem depende do deslocamento, mas não do distanciamento.

O livro "A estrutura de poder do trânsito”, do coletivo sueco Planka.nu, faz uma crítica contundente à automobilidade e em como entendemos os deslocamentos, cada vez mais longos, velozes e individualistas como necessidade.

Uma cidade centralizada é uma cidade excludente

“Tudo que está perto parece não merecer nossa atenção; tudo o que importa é a promessa esperando no horizonte. O culto à automobilidade nos leva a esquecer a floresta atrás de nossa casa, o lago ao qual se chega de bicicleta, ou o bar da vizinhança com apresentações de bandas talentosas. Nós precisamos de uma mudança drástica nas prioridades: a acessibilidade deve valer muito mais do que a mobilidade.”

Nada indica, entretanto, que essas tendências irão se manter. Uma pesquisa da plataforma Booking.com, com 20 mil viajantes em 28 países, mostrou que a maior parte deles pretende viajar ainda mais quando a pandemia acabar como uma forma de correr atrás do tempo perdido – o que seria, por si só, uma metáfora sobre o nosso tempo.

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Não estamos falando sobre o acesso aos meios de transporte ou sobre a necessidade legítima de se deslocar, mas sobre a compreensão de que longos deslocamentos são necessários para obter lazer. Essa é a mesma lógica que autoriza o pensamento de que longos deslocamentos não são um empecilho para o acesso a direitos básicos como saúde e educação.

Uma cidade centralizada é uma cidade excludente, que impede as pessoas, principalmente as mais pobres, de chegar aonde precisam. É por isso que “tudo o que for importante em nossas vidas deve ser acessível localmente”, como diz o livro do Planka.nu, mas enquanto a exclusão for a norma, o que nos resta é lutar por um transporte acessível e de qualidade.

O livro “A estrutura de poder do trânsito” foi traduzido para o português pelo movimento Tarifa Zero BH. A distribuição é gratuita para todo o Brasil, basta clicar neste link.

*Juliana Afonso é jornalista e integrante do Tarifa Zero BH.

Edição: Rafaella Dotta