Minas Gerais

EDUCAÇÃO E SEGURANÇA

Diretores de escolas estaduais questionam o planejamento para a volta às aulas

Coletivo pede por diálogo e reflexão por parte das famílias e comunidade escolar sobre o plano estadual de retomada

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
O documento traz problemáticas e coloca reflexões sobre os processos sugeridos pelo governo - Divulgação

O coletivo Grupo Independente de Gestores Escolares, que reúne Diretores Escolares da Rede Estadual de Ensino de Minas Gerais, divulgou um documento questionando a resolução da Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais (SEE-MG) sobre o checklist de retomada das aulas presenciais.

O documento traz problemáticas e coloca reflexões sobre os processos sugeridos pelo governo.

Na quinta (10), o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) autorizou a volta às aulas no estado. A secretária de Educação Julia Sant’Anna comemorou a decisão, mas professores classificaram medida como “insanidade”. (Leia mais aqui)

Por que agora?

A coordenação do coletivo informou que existe uma dificuldade dos professores se reunirem e produzirem notas pela sobrecarga. O Grupo se reúne de 15 em 15 dias com o propósito de alinhar diretrizes e planejar uma agenda de atuação. Participam diretores de diversas cidades de Minas Gerais, e segundo a coordenação, eles foram surpreendidos no final de maio com as diretrizes para a reabertura das escolas.

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Por um retorno seguro

O documento publicado pelo Grupo afirma haver insegurança para retomada das aulas presenciais e questionam a falta de capacitação por parte das escolas – situação que não há planejamento governamental para reverter.

O Grupo pede que a volta às aulas aconteça com diálogo com os diretores e demais membros da comunidade educacional e que seja segura. Ou seja, que seja iniciada 28 dias após a aplicação da segunda dose da vacina contra a covid-19 em todos os profissionais das escolas e quando os índices de transmissão do coronavírus estiverem baixos.

O coletivo informa, também, que há sim uma pressão da Secretaria de Educação para que os diretores assinem o checklist até essa sexta-feira (10). Os diretores alegam que são muitos itens, que dizem respeito a questões técnicas relativas às escolas, que devem ser responsabilidade de profissionais da saúde e que as escolas não estão capacitadas para arcarem com essas medidas sugeridas agora.

 

Abaixo a nota na íntegra, do Grupo Independente de Gestores Escolares: 

Nota de esclarecimento sobre o checklist e sobre o retorno presencial das aulas na rede estadual de Minas Gerais

Mais uma vez nos encontramos diante dessa pandemia numa situação extremamente delicada e de pressão por parte da SEE-MG para o cumprimento de enormes responsabilidades nas escolas estaduais. A decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), cujo pedido de liminar de suspensão das atividades presenciais nas escolas, impetrado pelo Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute MG) em abril de 2020, apresenta um parecer favorável à sua manutenção ATÉ que os diretores e diretoras de escola assumam as totais condições dessas escolas cumprirem todos os protocolos sanitários e de medidas preventivas estabelecidas pela SES-MG, nos coloca numa situação inédita de poder individual e responsabilidade integral pela segurança sanitária das escolas.

Decisão esta que coloca também todos os gestores diante do risco de ter que assumir potencialmente a culpa pelas eventuais contaminações e até mortes de servidores e alunos que frequentarem as escolas durante a pandemia. Numa abrangência mais ampla, pode-se dizer que envolve toda a comunidade escolar, pais e alunos (ainda não vacinados).

Mediante essa obrigatoriedade abusiva para com os gestores, cabe aqui alguns questionamentos no campo administrativo e pedagógico, considerando a realidade de nossas escolas e pessoas que nela frequentarão dada a iminência do retorno presencial:

A resolução SEE/MG nº 4.506/2021, informa que, haverá flexibilização de entrada, saída e intervalo para lanches. Contudo, não estabelece um parâmetro de qual seria o tempo mínimo considerado ideal de intervalo de entrada e saída entre cada turma. Temos escolas com cinco, dez turmas e outras escolas maiores com trinta, quarenta turmas. Como determinar de forma segura esse tempo e as possibilidades de cumprimento efetivo dentro de um único turno escolar que é de apenas quatro horas e meia?

Para demandas de acompanhamento da entrada e saída de todas as turmas (higienização das mãos e calçados dos alunos, medição de temperatura na entrada do portão etc.) será disponibilizado um servidor Auxiliar de Serviços em Educação Básica (ASB). As escolas sempre tiveram dentro da sua comporta de quadro de pessoal, estabelecido por resolução anual da SEE-MG, número de servidores ASBs proporcional ao número de estudantes totais matriculados (independentemente do tamanho dos prédios escolares e da quantidade de portões de entrada ou de saída). Ademais, tem-se a obrigatoriedade da desinfecção das salas e ambientes como os banheiros de estudantes e professores de forma permanente.

O acompanhamento do fluxo de alunos dentro da escola (para evitar possíveis aglomerações devido interações sociais) é uma preocupação grande além da necessidade do preparo da merenda e entrega do lanche aos estudantes e professores em diferentes horários, dentro de um mesmo turno para cada turma separadamente. Auxiliar estudantes com dificuldades a lavarem adequadamente as mãos também será preciso, especialmente as crianças mais novas. Se para cada troca de professor durante as aulas, a mesa e cadeira do professor deverá ser desinfectada, além de demandar um tempo de prestação deste serviço, também são necessários vários ASBs para tal. Como tornar essa medida viável? Há servidores suficientes nas escolas para realizar todas essas tarefas ao mesmo tempo?

Sobre a organização do quadro de professores por componentes curriculares (matérias):  Seguiremos o quadro oficial de horários que considera as aulas num intervalo de 50 minutos?  Se sim, como fazer o escalonamento de entrada e saída das diferentes turmas em diferentes horários? Vão ficar sem professores dentro de sala? Isso não favoreceria um potencial aumento da contaminação?  Se não, como fazer essa adequação, lembrando que o professor tem um horário já estabelecido na escola e não raramente outro horário em outra escola ainda no mesmo turno? Haverá flexibilização de alteração (redução ou aumento) da carga horária do professor em horas/aulas (módulo 01) até que ponto? Podemos reduzir e/ou aumentar o tempo do horário de cada aula, de acordo com cada turma, de forma diferente?

Nos casos em que o professor estiver em sala presencialmente (1ª e 3ª semanas) com um número reduzido de alunos (considerando como exemplo fictício uma turma de 40 estudantes, sendo que apenas 10 poderão estar presentes): Como os professores farão nessas semanas presenciais o atendimento do ensino remoto? Haverá pagamento de hora extra na carga horária ou contratação de professores adicionais durante essas semanas para atendimento aos estudantes que estiverem em casa?

No caso dos professores regentes de turma (Ensino Fundamental Anos Iniciais), sabendo que os alunos demandam maior atenção tanto em sala como em casa por serem crianças menores: Como ficarão os atendimentos remotos enquanto o professor estiver em todos os horários durante o dia ou durante toda a semana atendendo de forma presencial?

No caso das Especialistas em Educação Básica (EEB): estarão presencialmente todo seu horário de trabalho, acompanhando as demandas presenciais? Como farão para acompanhar também o atendimento virtual, sem extrapolar seus horários de trabalho que geralmente são de apenas um turno em cada escola? Há que considerar aqui que várias escolas, devido comporta por número de alunos matriculados, possui apenas uma única EEB no seu quadro.

Quanto aos pais dos estudantes, mesmo sendo divulgada orientação a respeito da escala e dos protocolos de segurança de retorno, como lidar com estudantes que comparecerem à escola fora do seu dia de escala? Também os estudantes menores de idade que apresentarem sintomas dentro da escola e os pais não atenderem ou não tiverem condições de busca-los imediatamente, como proceder?

No caso de contaminação dos alunos, profissionais e familiares, se ocorrer agravamento, internação ou mesmo óbito, e os pais decidirem processar judicialmente a escola que o estudante frequentou, de quem será a responsabilidade para responder ao processo como réu?

Pesquisas nas comunidades escolares mineiras sobre a adesão ao retorno híbrido trouxeram em média, um retorno de respostas de somente 50% do total nos questionários. O prazo para a conclusão do escalonamento de estudantes é até dia 11/06. Para os alunos que manifestarem interesse após essa data, qual a medida a ser adotada? Ao longo do período de retorno híbrido, as famílias que quiserem ou se adequarem aos critérios para o retorno, poderão aderir a qualquer momento ao ensino híbrido? Serão criados novos grupos para escalonamento?

Como organizar o uso dos banheiros de alunos, professores e servidores, já que não é possível prever a necessidade fisiológica de cada um? Além de não dispor de funcionários o suficiente para acompanhar cada aluno e limpeza após o uso de forma que evite aglomerações?

Quanto ao termo de responsabilidade para adesão do retorno híbrido, a SEE-MG enviará um termo único para todas as escolas?

Se um professor ou professora apresentar suspeita ou confirmação de contaminação de COVID-19, serão suspensas as atividades em todas as suas turmas, no qual ele lecionou? Haverá professor substituto (já contratado) ou será necessário realizar convocação temporária?  Lembremos que após o caótico processo de contratação e convocação de profissionais em educação para trabalhar nas escolas em 2021, cujos efeitos colaterais nos quadros das escolas estaduais e dos candidatos são sentidos até hoje, sabemos que demora em média de uma semana até quinze dias no mínimo para efetuar as contratações temporárias.

Depende dos trâmites burocráticos exigidos nas resoluções, publicação de edital, envio dos documentos por e-mail dos candidatos dentro de um determinado prazo, análise de todos documentos pela escola (processo minucioso e demorado que depende do número total de candidatos para cada cargo), acompanhamento das SREs e anuência dos inspetores escolares analisando, validando e assinando toda a documentação que não raramente, retorna para a escola, sendo necessário passar para o próximo candidato da lista. Nesse caso, ainda cabe o direito de recurso do candidato eliminado. A SEE-MG vai autorizar nesses mesmos moldes a contratação e convocação das vagas de substituição de profissionais?

Mesmo com o anseio do governo do Estado pelo retorno presencial de imediato, os professores e demais servidores da educação, ainda não estão totalmente imunizados. Mesmo aqueles que já tomaram ou estão tomando a vacina (1ª dose), a resposta de imunização geralmente se dá após 22 dias no caso da vacina Astrazeneca (Oxford). Não seria mais um risco também, considerando o potencial aumento das contaminações devido o retorno e encontro presencial dos profissionais dentro das escolas, cozinhas e salas dos professores? Ou as dezenas de professores que cada escola possui num único turno vão ficar isolados, no meio dos corredores, quando não estiverem lecionando nos intervalos?

Sabemos que inúmeras escolas estaduais estão atualmente em reformas. Cozinhas, refeitórios, salas de aulas, banheiros e locais de passagem quebrados ou parcialmente interditados. Banheiros em reformas significam potencial aumento de aglomeração naqueles banheiros em funcionamento. Da mesma forma, temos escolas sem refeitórios ou com outros espaços interditados.  Como implementar de forma segura os mesmos protocolos nessas escolas?

Os inspetores escolares também deverão validar todas as informações dos checklists e relatórios feitos pelos gestores das escolas. Todos serão corresponsáveis em assinar os documentos, mesmo não confirmando presencialmente a real situação das escolas?

Por fim e não menos importante, os aspectos da gestão democrática e autonomia das escolas tem sido sensivelmente ignorados, já que em nenhum momento foi cogitada a possibilidade de consulta à comunidade ou mesmo ao Colegiado Escolar, instância representativa dos mais diversos segmentos da escola e que possui papel legal e fundamental de auxiliar os diretores e diretoras nas suas gestões. Os Colegiados Escolares possuem poder consultivo e deliberativo em vários aspectos da vida escolar, especialmente aqueles de maior relevância para as comunidades, pois nenhum diretor ou diretora de escola administra e/ou toma decisões isoladas.

Aos nossos colegas professores e professoras que estão nas direções das escolas nesse momento tão difícil, deixamos aqui os nossos questionamentos e principalmente um apelo para que reflitam sobre a seriedade do nosso papel profissional e do tratamento que temos tido pela SEE-MG desde o início da pandemia. Viramos meros cumpridores de tarefas de um órgão que nos cobra a todo momento prazos impossíveis de serem cumpridos, exigem a todo momento o cumprimento de todas as responsabilidades desse já tão pesado cargo, sendo que não raramente as ordens superiores acompanham tratativas intimidadoras e de ameaças veladas, punitivas para os gestores que não forem capazes de cumprir todas as excessivas cobranças em tempo hábil.

Num momento de grande necessidade de solidariedade global pelos milhões mortos em decorrência do COVID e pessoas socialmente e emocionalmente abaladas por esse cenário pandêmico, e que assola especialmente o Brasil, a SEE-MG insiste em manter a postura para com seus servidores (de carreira e temporários) lotados nas escolas de uma cobrança burocrática-administrativa de responsabilização unilateral por todas as ações,  previamente monitoradas de forma abusiva, como se se fosse um privilégio estar em casa trabalhando com os nossos computadores e sinal de internet (ferramentas de trabalho) sem nenhum tipo de auxílio para tal, realizando tarefas que extrapolam e muito nossas cargas horárias de trabalho.

Num país que historicamente nunca valorizou na prática, efetivamente a educação pública e uma das consequências disso é o reflexo material das condições estruturais precárias de nossas escolas, considera-se que os investimentos que vem sendo feitos são insuficientes para cobrir toda carência estrutural dos prédios, especialmente nesse momento de pandemia. Salas de aulas mal ventiladas, escolas ainda sem quadra esportiva, carência de áreas verdes e de lazer, poucos recursos didáticos materiais, obrigatoriedade da presença de todos os servidores ASBs nas escolas durante a pandemia (sem escala de rodízio), além da constante falta de diálogo entre gestores e SEE-MG, tudo isso vem favorecendo desde 2020 a aglomeração de pessoas nas escolas estaduais, especialmente para entrega de materiais impressos aos alunos e kits merendas.  Uma ressalva, esses materiais poderiam ter sido impressos de forma centralizada pela SEE-MG e entregues diretamente na casa dos estudantes, já que os problemas e a dificuldade de acesso digital é enorme. Da mesma forma, poderia ter ocorrido o fornecimento de cestas básicas em locais de distribuição facilitados como depósitos ou ter feito a disponibilização financeira do valor anual da merenda por estudante. Foram todas propostas dos gestores sequer ouvidas pela SEE-MG.

Chegamos agora no ponto mais crítico. Vamos assumir a responsabilidade legal para com todas as comunidades escolares que anseiam por um retorno efetivamente seguro para seus filhos e filhas ou vamos dizer um BASTA para toda essa maquiagem que estão nos pressionando a fazer nas precárias escolas estaduais, assumindo uma bomba-relógio prestes a explodir em nossas mãos a qualquer momento?

Seguimos nas escolas entregando Apostilas, Kit Merenda, entregando livros didáticos, recebendo materiais para execução de demandas, organizando o espaço escolar e mantendo contato com toda a comunidade escolar. Enquanto não houver diálogo com o diretor das unidades escolares, não haverá segurança efetiva para o retorno, não haverá vacina que diminua os riscos de contágio caso a escola não tenha o mínimo de autonomia em sua gestão, não existe ambiente adequado à uma educação acolhedora, humanizada, democrática, que valorize o conhecimento e a cidadania se não houver neste momento o mínimo de respeito a figura do Gestor Escolar e de cada comunidade atendida.

Professores seguem em casa, fazendo planejamento, lecionando via googlemeet, whatsapp, facebook, instagram e outros meios, se tornou youtuber de um dia para o outro, faz comemorações em datas festivas para atrair alunos, preenche formulários, planilhas, corrige apostilas, confecciona apostila, elabora prova, insere prova em sistema, faz reunião com direção, reunião com pais. Será que esse profissional deseja permanecer em casa? Um profissional que não obteve nenhuma ajuda de custo com Luz, água e alimentação, ou será que estas despesas não aumentaram somente para o professor?

Uma Classe que jamais foi tratada como essencial, recebendo a anos parcelado, inúmeras dívidas contraídas por estes atrasos, tratada de forma diferenciada e não contemplada por pagamentos integrais em detrimentos de outras e que da noite para o dia começa a ser vista como atividade essencial aos Estados. Essencial em que sentido? Para quem é essencial?

Subir em palanque, atacar educadores e servidores públicos em nada contribui para o retorno, seja ele híbrido ou presencial, tratar nas casas legislativas e nos gabinetes somente a produção de protocolos sem diálogo justo e perfeito com os diretores é fazer o mais do mesmo, nós trabalhadores da educação somos os que mais almejam o retorno, queremos estar em sala de aula, desejamos o normal o quanto antes pois sabemos que a demora irá impactar em nosso trabalho por anos.

Quem irá sofrer com a distorção de idade/série? Quem irá receber alunos a quase 2 anos sem aulas e com diversos distúrbios psicológicos? Quem irá ter que adequar sua rotina para atender problemas e dificuldades particulares dos alunos? Será que os professores não irão ter dificuldade com a disciplina e respeito no retorno?

O que mais desejamos é diálogo. Que se forme um grupo de Retorno composto por profissionais da Escola, Representantes dos Diretores e Famílias, Ministério Público e demais entidades representativas, que possamos iniciar o mais breve as aulas, sem possibilidade de perder vidas, sem a necessidade de retrocesso e fechamento de escolas novamente.

Convocamos a todas as famílias atendidas pela rede estadual de educação a refletir e verificar em cada escola a real situação para o retorno, vamos pensar o que tem de mais valor neste momento de novo aumento nos casos de internação e mortes, vamos exigir que pais sejam vacinados, alunos sejam melhor atendidos pelo poder público ou invés de externarmos nossa vaidade na gestão.

Minas Gerais, 9 de junho de 2021. 

Edição: Elis Almeida