Minas Gerais

Coluna

Só os loucos sabem

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- Reprodução | Mano Brown e KL Jay
“Tô fazendo meus corres , até achei um livro daquele homi que você fala tanto, o tal de Max”

“Agora eu sei exatamente o que fazer
Bom recomeçar, poder contar com você
Pois eu me lembro de tudo, irmão
Eu estava lá também
Um homem quando está em paz
Não quer guerra com ninguém”

Foi assim que conheci o Zóio. Um garoto magrelo, cheio de tatuagens, que falava pra dentro. Cantarolando uma música do Charlie Brown Junior. Curtia às pampas os Racionais também.

Zóio tinha 15 anos. Sem pai, que foi assassinado. Sem mãe, que morreu largada sem atendimento em um hospital. Sem ninguém na vida. Trazia a tristeza no olhar. Trazia também um olhar de esperança e sonhos. Ele mexeu comigo. Era diferenciado. A vida era dura demais com ele.

Trombei com Zóio numa conversa de roda, dessas quebradas da vida. Ele chegou perto de mim e falou:

- Colê, irmão, beleza?

- Beleza.  E aí, gostou das ideias?

- Mano. Você fala umas verdades. Pode crer. Mexe com nóiz. Você é muito foda, truta! Esse lance do racismo… Nóiz preto só leva ferro, né? Essa parada que você fala da igualdade. Tudo isso é muito louco!

- É...

- É pior que você falou, irmão!

- Como assim?

- Uma vez, numa fita, só eu segurei o B.O. Os branquinhos ficaram de boa. Os “alemão” enquadrou só eu. Deixou os branquinhos ganharem área.

- Sério?

- Tô te falando, irmão. Tomei o maior esculacho e um enquadro que perdi os dentes tudo da boca. Os “bota” não gosta dos pretos. A padaria era de um delega.

- Puta que pariu!

- Mas hoje tô numa outra vibe, mermão!

- Te agradeço pelas palavras de força. Você fortalece. Tô fazendo meus corres com os catadores. Até achei um livro daquele homi que você fala tanto.

- Qual?

- Aquele muito louco, porra!  Aquele parça de pelo na cara. Que fala da fita de sermos iguais. Tal de Max, mal... num sei das quantas lá!

- Ah! Tá falando do Karl Marx!

- Esse maluco aí, mano!

- As ideias dele são foda pra caralho!

- Agora tô nessa vibe aí!

- Que legal, Truta!

- Aê, irmão?

- Fala.

- Tem o moral de pagar um rango aí?

- Demorô, irmão! Quer comer o quê?

- Aquele bagulho lá do shopping, rola?

- Porra. Você quer colar lá no lugar dos playboys?

- Por que, não posso? Colê?

- Vamo que vamo!

- Você é um cara da hora!

- É nóiz, moleque! Só vou colocar um pano gringo pra gente dá o rolê.

Saímos os dois cantarolando Racionais:

“Negro drama, entre o sucesso e a lama
Dinheiro, problemas, invejas, luxo, fama
Negro drama, cabelo crespo e a pele escura
A ferida, a chaga, à procura da cura”

 

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte
 

Edição: Larissa Costa