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Dinheiro para rodoanel premia a Vale e perpetua o dano causado, afirmam organizações

Audiência em BH debateu os impactos de projeto sobre uso do dinheiro de acordo do governo com a mineradora

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
De um modo geral, houve várias críticas à ausência de participação popular no acordo e na discussão do PL 2508 - Clarissa Barçante

Nesta sexta-feira (25), dia em que o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho completa dois anos e cinco meses, a Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa realizou, por iniciativa da deputada Beatriz Cerqueira (PT), uma audiência para debater os impactos do Projeto de Lei (PL) 2.508/2021.

O PL, de autoria do Poder Executivo estadual, autoriza a abertura de crédito suplementar com recursos do acordo celebrado no início do ano entre a Vale, o governo de Minas e as instituições de Justiça do estado, sem a participação dos atingidos. 

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Impunidade dá lucro

Participaram da reunião, com intervenções, mais de 20 pessoas, entre parlamentares, atingidos pelo crime da Vale, movimentos populares, associações, assessorias técnicas independentes (Aedas, Nacab e Guaicuy), representantes da Igreja.

De um modo geral, houve várias críticas à ausência de participação popular no acordo e na discussão do PL 2508, ao projeto de construção do rodoanel com dinheiro que deveria ir para a reparação aos atingidos e à ausência de garantias de que novos crimes não acontecerão. 

“Eu quero lembrar que Minas Gerais é a região onde ocorreram mais rompimentos de barragens no mundo. Neste momento, temos mais de 30 barragens em níveis de emergência 1, 2 e 3”, afirma Marta Freitas, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).

Isto, segundo ela, acaba funcionando como um estímulo para que novos crimes aconteçam. “A Vale aprendeu com os rompimentos das barragens de Fundão, em Mariana, e da B1, em Córrego do Feijão, Brumadinho, e está lucrando com isso. Ela aumentou seu faturamento e aumentou seus lucros. E nós?”, questiona. 

Na mesma linha, Joceli Andrioli, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), afirma que os valores divulgados do acordo (cerca de R$ 37 bilhões) são inflados. Porém, mesmo esse valor divulgado representa um prejuízo aos atingidos.

“Havia duas ações judiciais: uma ação que pedia dano moral coletivo aos atingidos, no valor de R$ 28 bilhões, e uma ação que pediu indenização ao Estado, de R$ 26 bilhões. O fato de não ter participação fez com que o governo se aproveitasse, em um acordo prejudicial, pois os atingidos conquistaram apenas R$ 8 bilhões, um prejuízo direto de R$ 20 bilhões”, critica.

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A deputada Beatriz Cerqueira, autora do requerimento que convocou a audiência, informou que os outros R$ 15 bilhões celebrados no acordo serão administrados pela própria Vale, fora de controle social e da fiscalização da Assembleia e do Tribunal de Contas do Estado. “Ao assinarem o acordo, disseram que a maior parte do recurso, que é obrigação de fazer da Vale, será feito por ela sem que tenhamos controle. E, se dependesse do governo do Estado, nem os R$ 11 bilhões estariam em discussão agora”. 

Para Roziane Duarte, atingida de Angueretá, em Curvelo, os atingidos são os grandes prejudicados nessa discussão. “Não queremos continuar a assistir as consequências de um crime e perceber que todos querem pegar uma fatia do dinheiro e fazer campanha eleitoral. Não escutamos mais falar em mortes, nos danos aos nossos rios e nos atingidos. Escutamos apenas falar de acordo e de dinheiro. Mas esse dinheiro é sujo de sangue”, disse.

Rodoanel: nova via do minério

Praticamente todos os participantes criticaram a proposta de uso do dinheiro da reparação para construir o rodoanel da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Essa infraestrutura, segundo eles, só beneficiaria a própria mineradora, responsável por todo o dano causado pelo rompimento da barragem, visto que seria útil para as próprias operações da Vale.

“O traçado do rodoanel proposto passa em áreas de preservação ambiental, gerando devastação e morte. Contudo, o terreno da mineração não só é poupado, como também beneficiado”, afirma a professora Adriana Souza, integrante do movimento SOS Vargem Flores, em Contagem. 

A economista Júlia Nascimento, do Instituto Guaicuy, acrescenta que a destinação do recurso para o rodoanel contribui com a perpetuação do dano causado com a mineração. “Hoje, no PL, estão em discussão valores que fariam jus ao Estado de Minas Gerais, que alega perda de arrecadação por conta do rompimento. Mas é de muito espanto que se tenha tanto dinheiro alocado para a infraestrutura da mineração. Um dos princípios básicos da reparação integral e justa é a garantia de não repetição. Ora, isto está sendo prejudicado por essas obras que o Estado pretende, pois elas perpetuam um modelo dessa economia do crime, a propagação dessas bombas-relógio no território mineiro que são as barragens de rejeitos”, conclui.

Plebiscito

Para Joceli Andrioli, do MAB, o correto seria realizar um plebiscito para que a população mineira diga onde os recursos do acordo deverão ser aplicados. O dirigente também defende que a Assembleia Legislativa não reproduza os erros contidos no acordo.

Esperamos que a Assembleia não seja conivente, pois, se aprovar o projeto como está, ou, se aprovar deixando o rodoanel, vai ser conivente com o crime que a Vale cometeu e com novos processos de crime em Minas Gerais”, afirma.
 

Edição: Elis Almeida