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Olha o gol! Olha o gol! Olha que gol contra, mermão!

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"Seu sonho era ser jogador de futebol profissional. Era muito habilidoso, mas era franzino" - Créditos da foto: Futiba
Palmério morreu com seu sonho não realizado de ser jogador de futebol, como tantos garotos das quebr

Palmério era o típico correria à moda brasileira das quebradas: bermuda, chinelo, camisa de time, boné, gente boa pra caramba e muita responsa, mermão!  

Seu sonho era ser jogador de futebol profissional. Era muito habilidoso, mas era franzino. Seu apelido era Perninha Fina. Filé de Borboleta. Precisaria de um projeto estilo, do tipo que o Zico teve no Flamengo e o Ronaldo Fenômeno no PSV Eindhoven. Trabalho com muita atividade física, uma boa orientação alimentar e “remédios” para completar todo esse projeto. Um projeto caro.

Palmério não teve nada disso. Além de tudo, era muito tímido e não conseguia se impor. Também sofreu por não ter apoio familiar. Sua mãe odiava futebol. Ele não tinha pai. Sofreu porque o futebol contemporâneo é cheio de corrupção. Não privilegia o talento ou a criatividade. Hoje o resultado é mais importante que uma grande jogada plástica.  Quando merecia ter oportunidade de verdade, foi preterido pelo treinador. O pai de um garoto riquinho o subornava e o colocava para jogar no lugar de Palmério.

A vida, muitas vezes, é dura. Muitas vezes, injusta.

Um dia, Palmério voltava de um trampo de ajudante de servente de pedreiro. Trabalhara duro o dia todo por uma mixaria que ajudava a completar o orçamento familiar. Pagava água, luz, comida e o famoso gás de cozinha.

Eram umas 8 horas da noite, com pouca iluminação e uma garoa que rasgava a pele de frio, com ninguém na rua, ele foi confundido com outro garoto das quebradas.

A polícia deu um tiro nas suas costas sem dó nem piedade. Ainda mentiram que Palmério reagira ao enquadro atirando contra os policiais. Mentira que foi logo desmentida por toda a quebrada, assim como sua história de vida.

Ele morreu com a camisa do seu time preferido: o Galo Mineiro. Morreu com seu sonho não realizado de ser jogador de futebol. Morreu como tantos garotos das quebradas, que morrem por serem negros, por estarem no lugar errado na hora errada. Morreu num beco sem saída, literalmente.

Ele não contrariou as estatísticas. Aumentou o número desse genocídio da juventude negra. A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado nas cidades brasileiras.

Hoje não vamos comemorar nenhum gol. Hoje vamos chorar por mais um irmão que se foi de maneira intempestiva e covarde.

A cena que chamou mais a atenção foi a de um homem que olhava de longe o enterro do lado de fora do cemitério, com a camisa do Galo e chorava muito. Até hoje ninguém sabe se foi o pai de Palmério ou foi o policial arrependido.

Os jornais noticiaram que o policial, que é um Cabo, acusado de assassinar o Palmério era atleticano, mora nas quebradas e tem um filho da idade dele e muito parecido fisicamente.

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Edição: Larissa Costa