Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Rock é uma filosofia de vida

13 de julho é o Dia Mundial do Rock, comemorado desde 1985 quando aconteceu o Festival Live Aid

Porto Alegre | BdF RS |
"Fughetti Luz, compositor e cantor do Liverpool (anos 60) e Bixo da Seda (anos 70) são a mais pura cepa do rock’n’roll gaúcho e brasileiro" - Divulgação

O rock é a trilha sonora do nosso tempo, o som do nosso dia a dia, de boa parte dos meus amigos, da minha geração, de muitos daqueles que convivi.

Comecei a curtir rock quando cheguei em 1975 na cidade vizinha de Três Passos para cursar o segundo grau no colégio Ipiranga. Eu não conheci os Beatles, que tinham terminado seis anos antes, nem outras bandas... Conhecia a jovem guarda, Roberto Carlos e Erasmo, Renato e Seus Blue Caps, Martinha, Odair José... Que, curiosamente eram ouvidos pelas ondas AM da rádio Globo do Rio de Janeiro, todas as tardes. Ou pelas ondas da rádio Municipal da minha cidade, que meu pai sintonizava cedo ao acordar e que trazia as famosas duplas caipiras como Tonico e Tinoco, nosso som rural de então.

Quando cheguei em Três Passos com 15 anos de idade e comecei a encontrar pessoas de outras cidades da região é que passei a ouvir Pink Floyd, Led Zeppelin, Rolling Stones, Black Sabbath, Uriah Hepp, Credence, Supertramp, Nazareth... Ao mesmo tempo, conheci a obra de Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Paulinho da Viola. Embora os primeiros discos de muitos desses autores eu ouvi mesmo na casa do meu amigo e colega de escola primária, Nilson Rosa Lopes, o Peninha, lá por 1973-74.

Foram os LPs de amigos da minha Tenente Portela e colegas de colégio de Três Passos, que ouvíamos no final das aulas sempre na casa ou apartamento de algum deles - eu morava numa pensão e não tinha nem discos nem toca-discos comigo - que me levaram a conhecer o rock e a MPB. Foi meu despertar para a cultura e a arte. Eu era um guri inocente, distante da informação e longe demais das capitais. Tinha ganho do meu pai, aos 13 anos, um toca-discos cuja tampa era a caixa de som e que eu levava até nosso campinho de futebol, ali perto, para ouvir com meus amigos Valdir Senger, Elton Englert e Milton Sgarderla, principalmente. Lembro que os dois primeiros LPs que comprei foram do grupo Os Fevers e O Menino da Porteira, do Sérgio Reis.

Minha cidade era área de segurança nacional, fronteira com a Argentina, no Alto Uruguai, não havia eleição direta para prefeito e quem dominava era o partido Arena, apoiado pelo poder econômico e pelos militares (é, faz tempo que é assim). Meu conhecimento era bem limitado, pra dizer o mínimo, recém estava iniciando na literatura de José de Alencar e Erico Verissimo. De certa forma, sou fruto daqueles tempos de ditadura, sem jamais ter tido a mínima noção, enquanto adolescente, de seu alcance e estragos na vida nacional.

Desde então, o rock e nossa gloriosa MPB sempre andaram juntos no meu coração e mente. E pra mim eles foram desde sempre música e expressão contra o sistema. Só pra exemplificar, se é que alguém aqui não compreende muito essa questão dos símbolos, o sertanejo atual é uma música do sistema, dos ricos e privilegiados. Não, não se trata de música caipira, de raiz, essa também independe de modismos, seitas ou mesmo cultos ancorados nas grandes redes de comunicação. Enfim. Como eu sempre fui de esquerda, o som caiu como uma luva pra expressar o que penso e sinto.

Somente quando cheguei em Porto Alegre em janeiro de 1978, prestes a completar 18 anos é que comecei a conviver diretamente com o mundo artístico e cultural. Que envolvia não apenas o rock, mas a música como um todo. Comecei a conhecer todo o mundo que o cercava, e ir a muitos shows e festivais. Acabei me envolvendo diretamente, porque sempre gostei e me identifiquei com esse universo, comecei a estudar, pesquisar e a escrever sobre ele.

No início dos anos 1980 tivemos a explosão do nativismo, um movimento que trazia muito da estética rock, de enraizamento na cultura popular, na contestação aos valores e estéticas da sociedade. Aquela juventude urbana que não vivera Woodstock nem os festivais de rock brasileiro nos anos 1970, de Mutantes e Raul Seixas, viu nos festivais nativistas e nos acampamentos das cidades de lona, seu espaço de abstração e vivência. Em rodas de som que iam de Almôndegas a Mercedes Sosa.

Eu mergulhei no nativismo. E adorei Noel Guarany, a quem sempre atribuí um conceito ‘rocker’, um ‘outsider’ em sua viagem pelas estradas da vida peitando poderosos. Tanto quanto Cenair Maicá, Nei Lisboa ou Sérgio Jacaré (do Tambo do Bando) reverenciando Bob Dylan... E muito nos envolvemos com músicos e gente de toda fauna nas Califórnias da Canção de Uruguaiana, no Musicanto de Santa Rosa, a Moenda de Santo Antônio, na Tertúlia de Santa Maria, na Coxilha de Cruz Alta, na Seara de Carazinho... Foram dezenas de festivais e uma bela história, que por sinal está completando 40 anos em 2021.

Ao mesmo tempo, comecei a trabalhar como produtor de bandas e shows, e me aproximei e me tornei amigo de caras como o Fughetti Luz, compositor e cantor do Liverpool (anos 60) e Bixo da Seda (anos 70). A mais pura cepa do rock’n’roll gaúcho e brasileiro. E depois veio a explosão de bandas como Engenheiros do Hawaíi, Garotos da Rua, DeFalla, Replicantes, TNT, que acompanhei de perto como jornalista e crítico musical.

Hoje entendo que um concerto de música erudita de Arthur Moreira Lima ou uma apresentação de Astor Piazzola, extremamente tradicionais em sua representação cultural, trazem de alguma forma a postura rock em palco. Aquele som que nasce do blues, do soul e gospel norte-americanos, que incorporou Mozart e o reggae, que vem dos tambores africanos e que se duvidar cai no samba e no candombe.

Enfim, viva o rock! Muito mais que atitude, estilo ou um olhar sobre as coisas, uma filosofia de vida.

* Jornalista, produtor cultural, pesquisador, fotógrafo, compositor, pai de três mulheres.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko