Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | As feras da motociata

"É emblemático que os motores da motociata tenham roncado nas portas da FIERGS. Soa como escárnio às empresas em crise"

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em seu tour em Porto Alegre, o presidente não se solidarizou com a dor e o luto de milhões de famílias vítimas da covid-19 - Foto: Isác Nobrega/Presidência da República

Francis Ford Coppola, diretor de “O Poderoso Chefão”, em 1983, nos brindou com “O Selvagem da Motocicleta”, um filme que rapidamente se tornou um clássico. O que torna uma obra de arte clássica é a capacidade de transcender e tocar em dilemas que nos perseguem ao longo do tempo.  

A trama se desenrola em uma cidade industrial decadente. É emblemático que os motores da mais recente motociata tenham roncado nas portas da FIERGS. Soa como escárnio às empresas atoladas pela crise, com altos índices de ociosidade e falta de perspectivas, muitas das quais trocaram anúncios de “há vagas” por “vende-se”. 

Um séquito sentou suas nádegas em máquinas importadas. Patriotas se ornamentaram de verde e amarelo, mas frequentam lojas com estátuas da liberdade entupidas de produtos “made” no exterior. Empreendedores que transformaram suas empresas em pia batismal de produtos importados.   

Rusty é o personagem principal do filme de Coppola. Seu passatempo predileto é insultar. Sua fonte de prazer é a violência. Um tipo atormentado pela incompetência e pela necessidade de ser olhado e reconhecido, tal qual o abre alas dessas motociatas. 

Em seu tour em Porto Alegre, o presidente não se solidarizou com a dor e o luto de milhões de famílias vítimas da Covid-19. Silêncio absoluto sobre os 14 milhões de desempregados, que padecem com as panelas vazias, acerca de mais uma alta nos preços do gás de cozinha e dos combustíveis. Nenhum comentário sobre a multidão de jovens obrigados a sobreviver na mendicância ou vendendo produtos sem valor nas sinaleiras e esquinas da cidade. 

O delírio do presidente é gozar dias do ditador Benito Mussolini, “Il duce”. Suas motociatas são momentos oportunos para ser grosseiro, insultar adversários, desacreditar as instituições e disparar impropérios.

“O Selvagem da Motocicleta” acaba com o personagem principal sendo submetido à lei, sob o olhar conformado dos curiosos. Falta pouco para que o nosso pesadelo tenha esse desfecho.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko