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Terra, educação e independência: 200 anos de lutas e resistências

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"Há grandes desafios a serem vencidos, como o crescente fechamento das escolas campesinas" - Créditos da foto: Embrapa
A ocupação ilegal de terras no Brasil sempre aconteceu

Por Arlete Ramos dos Santos*

Aproxima-se o bicentenário da independência do Brasil com todos assistindo à luta dos povos originários contra o “marco temporal” (PL 490) e a demarcação de seus territórios. A questão agrária em nosso país é bem mais longeva do que a independência. Remete ao período de colonização do território e o estabelecimento das capitanias hereditárias por ordem de D. João VI em 1534. Desde então, começou a concentração de terras que gerou sérios problemas fundiários.

Porém, esse sistema não prosperou. Outra forma de dominação foi criada por meio da função de Governador Geral, que trouxe os jesuítas, estes passarando a catequizar e “pacificar” os indígenas, com o intuito, principalmente, de dominar as suas terras.

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Os verdadeiros ocupantes originários da terra passaram a lutar para ter onde viver. Esse momento ficou marcado pela exploração do pau-brasil, do açúcar e do ouro, cuja força de trabalho era a mão de obra escravizada, tanto de africanos quanto de indígenas.

A ocupação ilegal de terras no Brasil sempre aconteceu, motivo de muitos conflitos no país. A aprovação da Lei de Terras, em 1850, legitimou a concentração de terras nas mãos dos coronéis, mas por outro lado intensificou os movimentos de resistência. Os movimentos históricos de luta pela terra no país têm como protagonistas os quilombolas, camponeses, indígenas, assentados e acampados da reforma agrária, ribeirinhos, movimentos dos atingidos por barragem e mineração, dentre outros.

Já em 1964, no intuito de minimizar conflitos e fazer a reforma agrária para promover o acesso à terra pelos trabalhadores, surge o Estatuto da Terra. Todavia, esse acesso não aconteceu. Ao contrário, se verificou o aumento de casos de violência e mortes dos camponeses, conforme destaca a Comissão Pastoral da Terra.

No período da ditadura militar houve ainda a implementação de pacotes agrícolas com agrotóxicos e transgênicos, além dos subsídios aos latifundiários. Esse modelo ficou conhecido como Revolução Verde e contribuiu para o êxodo rural provocado pela tecnificação do campo e ampliou as desigualdades sociais, elevando o clamor da população por reforma agrária. A resposta do governo militar foi a repressão política com mortes, exílios e torturas das lideranças de movimentos sociais.

Décadas depois, no processo de redemocratização, a Constituição de 1988 destacou a função social da terra no artigo 186, vindo com ela a elaboração do I Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA). Entretanto, mesmo diante de muitas lutas desferidas pelos camponeses, este plano não cumpriu o seu objetivo em essência: a reforma agrária no Brasil.

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Nos últimos 30 anos muitos assentamentos aconteceram, mas no governo de Jair Bolsonaro temos verificado vários retrocessos, pois ampliou-se a criminalização dos movimentos sociais, além de ações contra o reconhecimento e demarcação de terras indígenas e quilombolas, desmatamento e assassinatos dos trabalhadores do campo.

Mas cumpre salientar que estes movimentos levantaram bandeiras sobre várias áreas, inclusive na educação, a exemplo do MST, que encampou a luta da qual resultou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). De 1998 a 2018, O Pronera já havia atendido 167 mil alunos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e formado 5.300 alunos em cursos superiores e outros 9 mil no ensino médio tradicional, de acordo com o Conselho Nacional de Direitos Humanos.

A Constituição de 1988 destacou a função social da terra no artigo 186

Também, em articulação com outros movimentos do campo, pesquisadores de universidades brasileiras e organizações da sociedade civil, o MST busca uma educação que destaca a identidade, os valores, a cultura e o trabalho dos camponeses, a qual é denominada de Educação do Campo.

Para a Educação do Campo se transformar em política pública, muitos enfrentamentos foram realizados, mas destacam-se algumas conquistas na legislação brasileira,como o marco da Educação do Campo na agenda política e na política educacional a partir da LDB nº 9.394/96, quando afirma em seu artigo 28 a possível adequação do currículo e de metodologias apropriadas ao meio rural, bem como a flexibilização e a organização escolar por meio da adequação do calendário escolar, para atender às condições climáticas de cada região.

Também foram conquistas nesta área: as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo, de 2002; o alcance à graduação e pós-graduação com o Lecampo e o Pronacampo; a aprovação do Parecer CNE/CEB n. 01/2006; aprovação das Resoluções do Conselho Nacional CNE/CEB nº 1/2002, CNE/CEB nº 2/2008 que tratam da educação básica; publicação do Decreto Presidencial n. 7.352, de dezembro 2010, que reconhece o Pronera e a Educação do Campo como política pública, dentre outras.

Há grandes desafios a serem vencidos, como o crescente fechamento das escolas campesinas que eram 79.341 em 2010, e em 2020 são apenas 53.753 (QEDu, 2021). Salientamos que é objeto de discussão no Portal do Bicentenário, as várias pautas de luta e resistência dos movimentos sociais do campo, que buscam uma sociedade mais justa e igualitária para o povo brasileiro.

*Arlete Ramos dos Santos é professora da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e Cidade (Gepemdecc/UESB).

Edição: Rafaella Dotta