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Bicentenário da Independência

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Reprodução - EBC
Como se fez em 1922, temos de desmascarar a falsa ideia de um Brasil, branco, rico e feliz

Por Antônio de Paiva Moura

O primeiro Centenário da Independência (1922) teve uma longa preparação antecedente. Dividia-se em eventos ufanistas, verde-amarelo, conservador e por outro lado críticos, modernistas, progressistas. Naquele momento imperava o coronelismo, com enorme poder político e econômico, tanto oficial quanto clandestino; reinava o analfabetismo e discrepante distribuição de rendas. 

Para os eugenistas que tinham voz na época, negros, mulatos, indígenas e caboclos eram obstáculos ao ‘progresso’ – visão registrada no Dicionário histórico, geográfico e etnográfico do Brasil, publicado pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro especialmente para a exposição realizada no Rio de Janeiro. Mostrando um país industrializado e próspero, mascarando a condição de país agrário e atrasado. 

As críticas mais contundentes a esta versão oficial da história do Brasil e à exaltação da cultura europeia e rejeição da brasileira, vieram da esfera artística. Os modernistas criticavam a imitação de modelos estrangeiros na política, na economia e sobretudo na arte, na arquitetura e na literatura. 

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A Semana de Arte Moderna, realizada de 11 a 18 de fevereiro de 1922, não poupou referências às culturas afro-brasileiras e indígenas e, embora tenha durado poucos dias, ocupa até hoje lugar de destaque na memória coletiva. Os modernistas mineiros, como João Dornas Filho, Carlos Drummond de Andrade e Aires da Mata Machado participaram do movimento de valorização das culturas das diversas etnias e das tradições populares.

O clima de contestação ao colonialismo cultural, motivou o aparecimento de diversos manifestos e movimentos que se difundiam por meio de jornais e revistas com temas correlatos. O Movimento Antropofágico, liderado por Oswald de Andrade, teve revista com o mesmo nome; O manifesto de Cataguases, com a revista “Verde”. Em Belo Horizonte circularam “A Revista” e o jornal “Leite Criolo”. Manifesto Regionalista em Recife; revista “Arco e Flecha”, de Salvador e revista “Madrugada”, em Porto Alegre

O segundo centenário a ser comemorando em 2022, chega em situações extremamente adversas na vida nacional. Conforme análise do economista espanhol, Manuel Castells, a desindustrialização dos países do terceiro mundo, como o Brasil, é consequência do avanço tecnológico e da brutal concentração de rendas, no mundo como um todo e em cada nação, em particular. 

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O Brasil ficou na dependência de exportação de matéria-prima, produzida com pouca mão-de-obra e com máxima lucratividade para os investidores. De 8ª economia do mundo, há 20 anos, cai para a 12ª na atualidade. O quadro é de pobreza, fome e dificuldade para debelar a pandemia de coronavírus, começada em março de 2020. 

Além da catástrofe social e econômica, a degradação cultural, artística, educacional e científica, associada à corrupção, tráfego de armas e drogas, conflitos armados entre traficantes e contrabandistas; velhos preconceitos contra negros, índios e pobres revigoram-se vergonhosamente. Castells classifica em quarto mundo alguns países que vivem em extrema pobreza a exemplo da Somália na África e do Haiti na América Latina. 

É uma alerta ao Brasil que, a partir do momento que descartou a social democracia, por ação dos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro, incrementou o processo de decadência. O capitalismo carrasco apresenta como álibi da decadência a pandemia, mas esta, apenas, acelerou o que vinha em marcha. 

Intelectuais, artistas de todos os gêneros, educadores, cientistas, jornalistas, blogueiros, internautas e a sociedade de um modo geral, já se preparam para o antes e o pós comemoração do segundo centenário da independência. 

Como se fez em 1922, o alvo é desmascarar a falsa ideia de um Brasil, branco, rico e feliz. 

Antônio de Paiva Moura é docente aposentado e mestre em história pela PUC-RS

 

Edição: Elis Almeida