Minas Gerais

AMEAÇA

Assédio moral no Judiciário tem aumentado na pandemia, aponta sindicato

Pesquisa do Serjusmig mostra que 76% sofreram assédio. Reforma Administrativa pode piorar essa realidade

Belo Horizonte (MG) |
Pressões abusivas e repetitivas, ameaças, constrangimentos e humilhações, que ferem a dignidade da pessoa são consideradas assédio - Serjusmig

De acordo com o Sindicato dos Servidores da Justiça do Estado de Minas Gerais (Serjusmig), na pandemia, houve um aumento das reclamações de assédio moral entre servidores do Tribunal de Justiça. O sindicato afirma que, só em 2021, tem feito, em média, 10 atendimentos por semana relacionados a assédio, seja entre superiores e subordinados (assédio vertical) ou entre trabalhadores no mesmo nível hierárquico, o chamado “assédio horizontal”.

Em um breve levantamento do sindicato no mês de agosto, com cerca de 200 servidores, 76% disseram já terem sofrido assédio moral no trabalho e o mesmo percentual disse que já sentiu vontade de abandonar o emprego ou trocar de local de trabalho, em razão do modo como as pessoas o/a tratavam.

“O assédio moral não se combate sozinho”

São consideradas formas de assédio moral pressões abusivas e repetitivas, com gestos ou palavras, ameaças, constrangimentos e humilhações, que ferem a dignidade da pessoa, causam adoecimento físico e mental e dificultam o convívio no trabalho. De acordo com a psicóloga Ana Elisa Xavier, o trabalho à distância, que tem aumentado na pandemia, não está imune ao assédio.

“Quando você sai de casa, às vezes, você tem uma rotina de trabalho de seis horas, organiza o seu tempo para cumprir as demandas dentro daquele horário preestabelecido. Estando em casa, a flexibilidade é maior, mas o consumo de tempo para atividades laborais também pode ser maior, causando desgaste, cansaço”, observa. 

“Eu passo perto do fórum e é como se fosse um cemitério”

Por consequência do assédio, profissionais relatam perda de produtividade, necessidade de afastamento ou mesmo a decisão de mudar de cidade e local de moradia. Isso ocorreu com o servidor do Tribunal de Justiça Constantino, nome fictício, pois o trabalhador pediu para não ser identificado. 

“Eu fiquei de licença por quase um ano. Na perícia, chegaram a me perguntar se eu queria me aposentar. Eu disse que não, eu quero ser útil, gostaria de trabalhar. Aí, me deram a opção de escolher outra comarca. Graças a Deus, esse foi o primeiro passo para eu sair do assédio moral”, conta. 

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Constantino era assediado com comentários depreciativos e repetitivos de um superior acerca da quantidade, qualidade e forma de realizar o serviço. Da percepção do problema até a mudança, transcorreu um ano e, nesse meio tempo, ele ficou deprimido e ansioso, começou a se alimentar mal, emagreceu, viu o convívio familiar se deteriorar, perdeu a vontade de trabalhar e de viver e acabou sendo afastado por orientação médica. Até que, por fim, resolveu procurar apoio no sindicato. 

“Eu consegui a minha remoção para outra comarca. Fico longe da minha família a semana inteira, gasto mais com casa, mas não tem dinheiro que pague o quanto estou contemplado. Agora, passo perto do fórum e é como se fosse um cemitério”, relata. 

“Nem empresa faz isso”

Durante os 15 anos em que trabalhou em juizados especiais, a servidora Vera (nome fictítcio) teve dois filhos, adoeceu, passou por acompanhamento psicológico, foi trocada de secretaria e começou a tomar remédios controlados, até se afastar do trabalho por determinação de um psiquiatra. Nesse período, ela sofreu humilhações promovidas, sobretudo, por três escrivães. 

A trabalhadora conta que um escrivão gritava com os comandados, principalmente mulheres, humilhava funcionários diante dos colegas e fazia comentários maldosos nos corredores. Ela, que planejava se formar em Direito, desistiu, pela influência negativa das pessoas da área que a humilharam. Mas até mesmo isso foi usado contra Vera. 

“Ele jogava na minha cara que eu tinha que estudar, sendo que eu já trabalhava há 13 anos lá. Eu não tenho faculdade, mas muitos estagiários que estavam lá aprendiam comigo. Mas, para o meu chefe, não. Isso, inclusive, ele fez questão de colocar nas minhas avaliações”, recorda. 

Uma mudança de chefia ocorreu e outros abusos vieram, especialmente no período de implantação do Processo Judicial Eletrônico (PJe) e com a escala de trabalho presencial na pandemia. Só que, dessa vez, o assédio passou a ocorrer de maneira mais sutil. 

“A chefe atual não grita, não humilha, não xinga. O que ela faz é obrigar a trabalhar horas a mais, ela faz a regra de horário dela. Eu fazia terapia semanal e ela não concordou em me manter em horário fixo. O servidor não tem uma rotina. A gente não tem vida. Nem empresa faz isso!”, critica. 

“Eu vou arrancar você da secretaria”

De acordo com a psicóloga Ana Elisa Xavier pode ocorrer que, após sucessivas vivências, a pessoa assediada tome para si, como verdadeiras, as avaliações depreciativas que recebeu e, a partir delas, comece a se policiar e retrair. Ela, então, é levada a cobrar de si mesma uma produtividade e excelência definidas pelos outros, a ter medo de se posicionar, a anular-se em função da opinião alheia. 

Além disso, existem grupos que estão mais expostos a esse tipo de abordagem do que outros, em função das violências, desigualdades, preconceitos e discriminações que perpassam a sociedade. Esses fatores atingem especialmente pessoas LGBTQIA+, negros, mulheres, pessoas com deficiência, entre outras. 

A servidora Vera notou que seus dois processos de gravidez e os de uma colega foram abordados pela equipe de uma secretaria de maneira desrespeitosa. Outra colega, que tinha necessidades especiais, foi assediada pelo gerente. Ainda outra profissional foi muito perseguida no período em que se tratava de uma depressão.

“Eu cansei de ver o chefe gritar com ela. “Eu vou arrancar você da secretaria. Não está contente? Pede exoneração!”, relata. 

Avaliação ou perseguição?

A avaliação de desempenho, que deveria fornecer ao trabalhador parâmetros para melhorar sua atuação, muitas vezes é empregada como instrumento de intimidação, chantagem e ameaça nos locais de trabalho. O vice-presidente do Serjusmig, Eduardo Couto, alerta que a situação pode ficar ainda pior no serviço público se a Reforma Administrativa (PEC 32) proposta pelo governo Bolsonaro for aprovada. 

“Se a Reforma Administrativa passar, eles podem reformular e redesenhar o instrumento da avaliação de desempenho, voltado para a demissão em massa dos servidores públicos que já possuem estabilidade. Então, ela pode ser utilizada de forma ainda pior. Por isso é importante lutar contra a PEC 32”, defende. 

“O assédio moral não se combate sozinho”

Ao menor sinal de que está sofrendo assédio moral no ambiente de trabalho, é importante o trabalhador procurar o sindicato que o representa. Além disso, constituir uma rede de apoio no local de trabalho, com colegas que se sensibilizam com o seu problema, pode ajudar. É fundamental não enfrentar o assédio sozinho. 

A psicóloga Ana Elisa Xavier também recomenda uma atenção redobrada sobre o auto-cuidado, que o trabalhador priorize a si mesmo e tente se desvencilhar de conflitos que não vão lhe fazer bem. “É preciso começar a se perguntar: que relações eu quero viver, aquelas que me violam ou relações que me fazem estar bem comigo?”, questiona. 

Por fim, ao ver uma pessoa sendo assediada, é fundamental estabelecer pontes de diálogo e ajuda. "Se eu consigo perceber que o meu colega está em sofrimento, é importante sinalizar para a pessoa que ela procure saber o que está acontecendo, saber dos seus direitos. O colega pode fortalecer a rede de apoio que está fragilizada. O assédio moral não se combate sozinho”, conclui a psicóloga.

Lei que pune o assédio 

Em 2011, foi aprovada a Lei Complementar 116/2011, sobre prevenção e punição ao assédio moral na administração pública estadual, no âmbito da administração direta e indireta de qualquer um dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

“O Estado providenciará, na forma do regulamento, acompanhamento psicológico para os sujeitos passivos de assédio moral, bem como para os sujeitos ativos, em caso de necessidade”, afirma a lei. 

Políticas do TJMG

Em fevereiro, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais criou um grupo de trabalho para estudar o combate ao assédio moral, assédio sexual e discriminação. O grupo ficou incumbido de elaborar propostas que integrarão a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação, criada a partir da Resolução 351, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

Em abril, o Tribunal lançou um novo procedimento para acolher denúncias de assédio moral no trabalho, por meio do Sistema Eletrônico de Informações (SEI). Na ferramenta, é garantido o anonimato do denunciante. O sistema também disponibiliza um manual de uso do peticionamento, com instruções sobre como efetuar as queixas.

 

Edição: Rafaella Dotta