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Romeu Zema, o pequeno

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"Acredita que merecerá condescendência do mais insensível dos presidentes do planeta" - Foto: Renato Cobucci / Imprensa MG
Zema terá seu papel minúsculo reconhecido pela história

Zema dessa vez se superou. Na reunião do fórum de governadores convocada para defender as ameaças à democracia em razão das investidas de Bolsonaro contra o Supremo e o Congresso Nacional, o governador de Minas foi voz dissonante e fez questão de defender o presidente e atacar... o Supremo e o Congresso Nacional.

Recusou-se mais uma vez a assinar documento contra as ações antidemocráticas do ex-capitão e propôs um entendimento, na forma de reuniões com os poderes da República. Pelo visto, é o único homem público brasileiro – talvez secundado pelo melífluo e reticente Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado – a crer numa eventual mudança de rumo da bile de ódio que circula no corpo do presidente.

Fracassou em todas as políticas públicas, exatamente por não entender de política e ter alergia a tudo que é público

O governador mineiro se manifestou, com sua tradicional dificuldade de expressão no vernáculo, para lembrar que tanto o Judiciário quanto o Legislativo também tinham defeitos. Em seguida, apelou para uma reunião com os poderes que ele mesmo acabara de colocar em suspeição. Poderia parecer apenas um chamamento ao diálogo e ao entendimento, o que mesmo assim seria criticável dado o histórico beligerante do presidente, mas a atitude é mais perigosa do que uma simples dissensão.

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O que estava em jogo não era a avaliação dos demais poderes ou as pautas de interesse do governador mineiro. Zema viu um debate de ideias onde está manifesta uma ameaça real à democracia no país.

Tudo poderia ser resumido na simples filiação do governador mineiro à base de apoio de Jair Messias. No entanto, trata-se de algo muito mais grave. Romeu Zema, ao matizar os arroubos ditatoriais de Bolsonaro como expressão de uma divisão política convencional, deixa claro que não se alinha à defesa da democracia como princípio fundante do Estado brasileiro.

Para ele, o presidente exerce pressão legítima ao pedir impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes, cabendo aos governadores, no máximo, acionar o “deixa disso” e tocar o bonde de seus interesses.

Está isolado numa sigla que não reconhece sua liderança. Ele não traz nada de novo nem representa o Novo

Em sua lógica de comerciante, quem sair na frente leva vantagem. Zema acha que é esperto, mas é apenas mesquinho. Acredita que vale a pena trocar republicanismo por boa vontade; democracia por autoritarismo (desde que seja a seu favor); respeito ao cargo por perspectiva de reeleição. Para quem se lançou contra a política tradicional, é uma capitulação e tanto.

O governador mineiro do Novo se apresentou na eleição como uma pessoa vitoriosa na iniciativa privada, fora da política tradicional, sem rabo preso com partidos e disposto a aplicar o receituário neoliberal de menos Estado e mais gestão. O tempo cuidou de mostrar que cada uma dessas afirmações é falsa.

Em tudo prevaricou, mentiu ou tegiversou

Deixando de lado sua vida pregressa de empresário, que é problema dele (embora tenham sido apresentados elementos que mostram sua inépcia no comando dos negócios da família), em tudo que diz respeito ao interesse público, o governador prevaricou, mentiu ou tergiversou.

Em primeiro lugar, pela vinculação com seu partido, o Novo, que nada mais é que a tentativa de estabelecer uma legenda de empresários que detestam o Estado pelo simples fato de que ele pode estabelecer limites para suas ambições. Zema é tão fraco em política que conseguiu desagradar até o menos político dos partidos políticos.

Entre seus secretários, os empresários que se seduziram pelo canto da sereia da privatização já pediram o boné

Único governador da legenda no país, tem demonstrado uma incapacidade espantosa para compreender seu papel num cenário complexo de forças e instituições que compõem a democracia. Está isolado numa sigla que não reconhece sua liderança. Ele não traz nada de novo nem representa o Novo.

Agastou-se com servidores, com os deputados e prefeitos e com os movimentos sociais. Tem sido voz dissonante entre governadores e não emite sinal de liderança para a bancada mineira no Congresso.

Fracassou em todas as políticas públicas, exatamente por não entender de política e ter alergia a tudo que é público. Tem sido assim na educação e na saúde, por exemplo. O estado não apresentou um projeto digno para enfrentar a pandemia em suas áreas socialmente mais sensíveis. Não ofereceu uma alternativa pedagógica aos estudantes mais vulneráveis e resumiu sua atuação sanitária à logística. Empreendedor e individualista, o secretário de estado da saúde furou a fila da vacina.

O zemismo é uma forma de não fazer. Ou abrir caminho para que a iniciativa privada faça melhor

Sua única bandeira constante tem sido a privatização de empresas públicas, mas sem a capacidade de gerar confiança em possíveis compradores e muito menos de avançar junto ao legislativo e aos servidores das estatais. Exemplo de incompetência universal, desagradou o capital, o trabalho e a política. Ao colocar as empresas sob suspeita de má administração e prejuízos continuados, contribuiu ainda para desvalorizá-las no próprio mercado em que busca parceiros.  

Uma coisa é vender-se como antipolítico, apontando uma alternativa a modelos ultrapassados de representação, outra é exercer péssimo comportamento político. Zema, definitivamente, não é do ramo. A montagem de sua equipe de governo, por tudo isso, se revestiu de todas as marcas de sua inspiração empresarial e socialmente irresponsável.

Entre seus secretários, os empresários que se seduziram pelo canto da sereia da privatização já pediram o boné. Já os arrivistas da gestão, se aferram a políticas vazias, quase sempre demissionárias de suas responsabilidades. Espécie de seguidor do escrivão Bartebly, personagem de Herman Melville, o zemismo é uma forma de não fazer. Ou abrir caminho para que a iniciativa privada faça melhor. Até nisso ele é lento, rebarbativo e ressentido. Nem seus aliados se mostram confiantes.

O governador mineiro nunca desafia o poder, nem que seja para defender o estado que o elegeu

Uma demonstração desse comportamento tíbio tem sido sua participação em todas as iniciativas do fórum de governadores, antes do recente vexame. Zema, quando participou, se notabilizou por não assinar cartas e documentos que criticassem atitudes do governo federal, sob o argumento covarde que é melhor não esticar a corda e tentar ganhar espaço comendo o prato das verbas públicas pelas beiradas.

Típico de pessoas que mesclam subserviência com autoritarismo, o governador mineiro nunca desafia o poder, nem que seja para defender o estado que o elegeu. Acredita que merecerá condescendência do mais insensível dos presidentes do planeta. Se faz de bobo para viver. Não precisava.

Páreo duro na capacidade de destruição

Minas já teve péssimos governadores, como Aécio Neves, que deixou um passivo que até hoje dá trabalho à Justiça e prejuízo ao estado. O tucano, no âmbito moral, ainda rebaixou os padrões de convivência política por meio de censura e perseguições. Sua vaidade, ferida com a derrota eleitoral para Dilma Rousseff, jogou o país numa crise. As digitais de Aécio e de Anastasia, governadores mineiros para nossa desonra, estarão sempre visíveis na interrupção da democracia em razão do golpe, na destruição do Estado social e na extinção de direitos e das liberdades no terrível período de Temer e na construção de bases para emergência do horror fascista de Bolsonaro.

Mas Romeu Zema tem se mostrado um páreo duro em matéria de capacidade destrutiva do trajeto civilizatório construído duramente pelo povo mineiro. E trabalha, com o mesmo afinco, para oferecer uma herança maldita na administração pública e na vida social do estado. Assim como Aécio e Anastasia, também vai deixar como legado prejuízos no campo moral. A começar pela covardia, que pode acabar em vergonha para todos os mineiros. Na trajetória da ameaça à democracia sob Bolsonaro, Zema terá seu papel minúsculo reconhecido pela história. Porque até nisso ele é um homem menor. 

Edição: Elis Almeida