Minas Gerais

REALIDADE

Para especialistas, acabar com as queimadas significa mudar a cultura do fogo

Minas Gerais bate recorde de focos de incêndio que, para IEF, são quase todos criminosos

Belo Horizonte (MG) |
Reprodução/Agência Minas - Evandro Rodney

“A gente precisa tratar das queimadas da perspectiva da desconstrução dessa cultura. Temos que encarar isso. É uma cultura de destruição que está extinguindo animais, nascentes, áreas verdes e colocando a nossa espécie também em risco”. É assim que a ambientalista Adriana Araújo, do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA), encara a realidade das queimadas que, sobretudo nesta época do ano, assola não só Minas Gerais, mas várias regiões do país. 

99% dos incêndios florestais são causados por ações humanas

Em 2021, até o dia 7 de setembro, o estado já tinha ultrapassado a média histórica de ocorrências de incêndios florestais em unidades de conservação, de acordo com dados do próprio governo de Minas. Foram registrados nesse período 534 focos, sendo que a média histórica anual é de 354, considerando de 2013 e 2020. 

Para minimizar os danos, nesta semana, uma força tarefa – composta pela Polícia Militar de Minas Gerais, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros, Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e Instituto Estadual de Florestas (IEF) – foi iniciada para repreender a prática criminosa do fogo em seis unidades de conservação do estado consideradas mais vulneráveis.

Último concurso público para órgãos do estaduais do meio ambiente aconteceu em 2013

Embora importante a ação, para Adriana, as queimadas não são combatidas somente na época em que elas acontecem. “Só se fala de queimada quando ela está acontecendo. Então isso mostra um evidente descompromisso com o combate dessa realidade. O serviço efetivo acontece quando se previne e não quando se combate os problemas”, aponta. A ativista ainda cita as enchentes como o outro lado da moeda, já que são questões ambientais e sociais que se alternam conforme o regime de chuvas. 

Cultura do fogo

O engenheiro florestal Oberdan Rafael , do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente no Estado de Minas Gerais (Sindsema/MG), explica que são vários fatores que levam a população a atear fogo nas áreas rurais. Uma delas, é que, historicamente, o fogo é considerado um instrumento de limpeza, usado para acabar com resíduos ou para renovar a pastagem. No entanto, atualmente há um descontrole e um descuido que envolve, principalmente, a falta de compromisso dos gestores públicos. 

“Há a banalização da queimada. E isso tem ocorrido muito por responsabilidade do próprio governo federal, que incentiva a ocupação das áreas por meio da força. E o fogo também é um instrumento de força”, ressalta. 

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Em agosto de 2019, por exemplo, fazendeiros e latifundiários promoveram o “dia do fogo” na Amazônia, contribuindo para o escurecimento do céu da capital paulista durante a tarde. No ano passado também, além da Amazônia, os focos de queimadas no Cerrado e no Pantanal aumentaram drasticamente.   

E nesta época do ano, de final do inverno, com altas temperaturas, com ventos fortes e baixa umidade do ar, a velocidade do fogo se torna incontrolável. Qualquer fagulha pode se tornar um incêndio com enormes proporções. O costume de queimar as beiras de estradas, como explica Oberdan, é um dos principais problemas vistos no estado, pois o fogo é levado pelo vento, ultrapassando aceiros, atingindo propriedades rurais e chegando até as unidades de conservação. 

Dados do IEF mostram que 99% dos incêndios florestais são causados por ações humanas, sendo que 2/3 são causados por acidentes no manuseio do fogo. 

Para mudar essa cultura tão antiga, Adriana afirma que é fundamental políticas públicas de educação ambiental que sejam capazes de conscientizar a população sobre os danos causados pelas queimadas. “A gente precisa de prefeitos, governadores, presidentes, gestores públicos, legisladores, promotores e juízes verdadeiramente comprometidos com o bem-viver e que considerem a vida não só dos humanos, mas a vida dos animais, a vida das águas e das matas. Porque está tudo interligado”, comenta.

O fortalecimento dos órgãos ambientais também deve estar na agenda governamental quando o assunto é prevenção de incêndios. Ao contrário disso, como afirma Oberdan, ao longo dos últimos anos há um processo corrente de sucateamento, de diminuição orçamentária e de desvalorização dos servidores. Ele conta que o último concurso público para os órgãos do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema) aconteceu em 2013 e, desde lá, vem faltando pessoal, já que muitos saíram ou se aposentaram. 

O problema é sério quando se considera o Programa de Prevenção e Combate a Incêndios Florestais (Previncêndio), do IEF, que atua na prevenção e no combate ao fogo nas unidades de conservação. “A cada ano, o orçamento acaba sendo limitado, porque a demanda de corte de gastos é grande. Em 2021 a gente só conseguiu ter recurso por causa do acordo que foi feito com a Vale, que parte dele foi utilizado para contratação de brigadistas [que são temporários]. Para o ano que vem, não sabemos como será”, aponta.  

Queimada é crime

O incêndio florestal é considerado crime ambiental previsto no artigo 41 da Lei de Crimes Ambientais (9.605), de 1998. A pena de reclusão varia de 2 a 4 anos e multa. Denúncias de atitudes suspeitas ou criminosas podem ser feitas pelo 181 ou pelo 190.

 

Edição: Elis Almeida