Minas Gerais

PRIVATIZAÇÃO

CPI denuncia aparelhamento da Cemig pelo governo. Zema chama de “coisas minúsculas”

Trabalhadores denunciam método do governo, de piorar o serviço para justificar a venda da estatal

Belo Horizonte (MG) |
Reprodução - Reprodução

Há dois meses, possíveis irregularidades na gestão da Cemig, durante o governo Zema, são investigadas por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa. Há denúncias de favorecimento de empresas e pessoas próximas ao governador ou ao seu partido, o Novo, bem como contratações irregulares de grandes prestadoras de serviços e até espionagem.

 Empresa derrotada em uma licitação foi subcontratada em sequência para a mesma atividade

Em entrevista a seu aliado na TV Record, o deputado Mauro Tramonte (Republicanos), Romeu Zema disse que a CPI está “pegando em coisinha minúscula”. Abaixo, o Brasil de Fato traz quatro exemplos de “coisas minúsculas” que apareceram nas investigações.

Coisa minúscula 1: subcontratação de empresa que perdeu licitação

Em fevereiro de 2020, em um processo de licitação para serviços de teleatendimento da Cemig, a empresa AeC, fundada pelo ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Zema, Cássio Rocha de Azevedo, tinha sido derrotada pela concorrente Audac. Porém, meses depois, sem dar início ao serviço, a Cemig suspendeu o contrato da Audac.

Em fevereiro de 2021, a companhia firmou com a transnacional de tecnologia IBM, sem licitação e sem concorrência, um contrato de R$1,1 bilhão, por serviços de consultoria em transformação digital, desenvolvimento e operação de um modelo de atendimento a clientes, pelo período de 10 anos.

No dia 30 de agosto, o superintendente do Centro de Serviços Compartilhados da Cemig, Wantuil Dionísio Teixeira, disse à CPI que a IBM subcontratou a empresa AeC, derrotada anteriormente na licitação, para prestar serviços de teleatendimento.

Entre 7 fevereiro de 2020 e 9 junho de 2021, a Cemig firmou 34 contratos sem licitação, somando R$ 1,185 bilhão

A ex-superintendente de relacionamento comercial da Cemig, Sílvia Cristiane Martins Batista, reconheceu que não é comum que uma empresa derrotada em uma licitação recente seja subcontratada para a mesma atividade.

À CPI, o presidente da Audac, José Roque, disse que cobra da Cemig, na Justiça, uma indenização de R$13,5 milhões, como compensação pelo investimento feito e os contratos que deixou de fazer com outras empresas.

“Uma nova prática foi inaugurada na gestão Zema na Cemig: a garantia de contratação a quem perde a licitação. A IBM não tem em seu portfólio nenhuma excelência de atendimento às pessoas que justificasse a Cemig ter construído os passos para chegar à IBM. Deveria ser constrangedor, a gente está diante da subcontratação de quem perdeu a licitação”, criticou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), integrante da CPI.

Coisa minúscula 2: gestão paralela 

As investigações têm apontado, em diversas circunstâncias, suspeitas de uso da companhia pelo governo para favorecer empresas e pessoas próximas, com suspeitas de interferência do partido de Zema. 

Um exemplo é o que teria ocorrido com a Exec, uma empresa de recursos humanos que foi responsável pela seleção do presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, em janeiro de 2020, e de três diretores. No ano passado, a mesma empresa assessorou o partido Novo no recrutamento de candidatos a prefeito em oito capitais brasileiras. Dois sócios da Exec, os empresários Rodrigo Foz Forte e Carlos Eduardo Altona, são filiados ao Novo.

O diretor adjunto de gestão de pessoas da Cemig, Hudson Félix de Almeida, confessou à CPI que a Exec foi contratada sem licitação e sem passar pelo Conselho de Administração. O vínculo da Cemig com a Exec só foi formalizado após o serviço ter sido executado.

Presidente da Cemig contratou para si um coaching por R$ 156 mil

Para selecionar o presidente da companhia, a Exec teria encaminhado uma proposta aos cuidados do empresário Evandro Veiga Negrão de Lima Jr., que não tem vínculo com a Cemig, mas é secretário de assuntos institucionais do Novo, partido de Zema. Evandro Veiga é o mesmo que, em 2018, cedeu um avião particular para a campanha do governador.

Outro exemplo foi apurado pela deputada Beatriz. Na última semana, ela relatou que, entre 7 fevereiro de 2020 e 9 junho de 2021, a Cemig firmou 34 contratos que, supostamente, não exigiriam licitação, somando um valor de R$ 1,185 bilhão. Do total, 9 contratos foram formalizados e pagos após a execução do serviço, prática conhecida como “convalidação”. Um desses contratos, segundo a deputada, foi com a empresa de advocacia Lefosse, que já teve como sócio o diretor jurídico da Cemig, Eduardo Soares.

Coisa minúscula 3: espionagens

Outra empresa cujo vínculo só foi formalizado após a “prestação do serviço” é a Kroll Associates Brasil Ltda, especializada em investigações no âmbito corporativo. A Kroll é a mesma que, há uma década e meia, foi investigada pela Polícia Federal na Operação Chacal, por espionar a Telecom Itália e membros do governo federal com grampos ilegais e roubo e compartilhamento de dados protegidos por sigilo fiscal, a pedido do banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity.

Técnicos da Cemig, que questionaram a facilitação de contratos sem licitação, teriam sido espionados pela Kroll. Isso foi dito pelo ex-titular da Gerência de Direito Administrativo da Cemig, o advogado Daniel Polignano Godoy, em depoimento do dia 9 de setembro. 

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Daniel também contou que, na madrugada de 4 dezembro de 2020, dados da Cemig foram copiados de seu computador profissional por um funcionário da Kroll, acompanhado por uma integrante da Diretoria Jurídica. Segundo a CPI, a Kroll atuou por cinco meses sem contrato na Companhia.

“Precisamos acionar a Ordem dos Advogados do Brasil para que tome providências legais sobre essa arapongagem, já que o mesmo sigilo profissional foi violado pela Cemig, ao invadir, na calada da noite, o computador de seu funcionário”, disse o deputado Professor Cleiton (PSB), vice-presidente da Comissão.

Coisa minúscula 4: “contratações pueris”

O coordenador-geral do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG), Emerson Andrada, destaca também o que ele chama de “contratações pueris”, isto é, que não têm relevância para o tipo de serviço que a Cemig presta.

Emerson lembra o caso da contratação, por R$ 156 mil, do coaching e psicólogo Wladimir Ganzelevitch, de São Paulo, para aconselhamento do presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, por um prazo de dois anos.

“Segundo informações que recebemos, esse psicólogo já exercia a consultoria de coaching ao senhor Passanezi e, ao assumir a Cemig, ele o contrata como uma espécie de serviço pessoal à presidência. Se ele resolve contratar um psicólogo ou coaching, ele tem todo o direito, mas que o faça com o próprio dinheiro, que não se utilize do patrimônio público”, avalia Emerson Andrada.

Antecipação da privatização

O sindicato alerta que as ilegalidades denunciadas na CPI não são apenas desvios de conduta de integrantes do governo ou da companhia, mas uma metodologia do governo Zema para facilitar e acelerar o processo de privatização da Cemig, que – cabe lembrar – é a empresa mais valiosa do povo mineiro, em termos financeiros, e uma das mais lucrativas do país no setor de energia elétrica.

A essa metodologia do governo Zema, o Sindieletro deu o nome de “antecipação da privatização”. Ela envolve três operações importantes. 

A primeira é cortar ao máximo possível as remunerações e outros direitos dos trabalhadores. A segunda operação é reduzir as compras, os gastos com manutenção e o atendimento ao consumidor, de modo que, embora precarizado, o trabalho da empresa continue dando lucros aos acionistas. Em terceiro lugar, com a piora no atendimento, a população fica cada vez mais insatisfeita com os serviços. Então, o governo prega a privatização como solução do problema.

“Então, o governador piora a Cemig e aponta para a população que, se privatizar, vai melhorar. É uma tática mundialmente conhecida e que o governador Zema, principal responsável pelo patrimônio mineiro, está realizando sem nenhum pudor”, explica Emerson Andrada. Segundo ele, essa metodologia permite reduzir o preço da empresa para possíveis compradores: “se a Cemig tivesse que ser vendida há três anos, quando Zema assumiu, ela seria negociada a um preço maior”.

Quem perde é a população, seja com a má prestação dos serviços, seja com a venda do patrimônio dos mineiros a baixo preço, seja porque, com a privatização, as contas de energia tendem a ficar ainda mais caras.

“A empresa que comprar a Cemig vai, imediatamente, tentar recuperar o alto investimento feito na compra da empresa. Na prática, recuperar o alto investimento significa aumentar as tarifas de energia ao máximo. E, sem dúvida, a tarifa que já está muito alta, por conta de bandeira vermelha, vai aumentar muito mais”, prevê.


 

Edição: Elis Almeida