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BELO HORIZONTE

Artigo | BHTrans ou Sumob: o que muda?

Acabar com a BHTrans, por si só, não resolve nada. É preciso mudar o sistema de transporte público

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
“A mobilidade urbana é um tema complexo e, portanto, não podemos aceitar soluções simplistas” - Caroline Barreto/CMBH

Desde o começo dos trabalhos na CPI da BHTrans, na Câmara Municipal de Belo Horizonte (MG), tenho afirmado que a posição do nosso mandato sempre será em defesa do direito à mobilidade, ao transporte público de qualidade, acessível a todos, como deseja a população da cidade, que vive se espremendo no busão, enquanto meia dúzia de empresários lucram há décadas com a prestação do serviço que é considerado um direito fundamental pela Constituição Federal. Também tenho dito que não adianta apenas mudar os nomes, é preciso mudar o sistema.

 É preciso avançar em medidas concretas, e a primeira delas é cancelar o contrato com as empresas firmado em 2008

O Projeto de Lei enviado pela Prefeitura de Belo Horizonte propondo a extinção da BHTrans e a criação da Superintendência de Mobilidade (Sumob) chegou com muita força à Câmara Municipal por, entre outros motivos, ter apelo popular. Grande parte da população que usa o sistema de transporte da capital reconhece que o serviço precisa muito ser melhorado. 

E mais, o PL chega quando a CPI revela uma série de irregularidades que demonstram a necessidade de se pensar o modelo de mobilidade urbana, limitar o poder econômico das empresas, retomar o controle da bilhetagem e do sistema tarifário, entregue às empresas no contrato realizado em 2008 e vigente até hoje.

Apenas o grupo econômico Turilessa/Saritur deve mais de R$ 900 milhões à União

Diante da iminente aprovação em plenário da Câmara Municipal, construímos canais de diálogo com os movimentos sociais, sindicato e trabalhadores da BHTrans e com os demais vereadores da Casa, no sentido de incidir sobre o PL para reduzir os possíveis danos que o projeto causaria, tanto no que diz respeito à melhoria e ao financiamento do transporte coletivo e ao controle sobre o sistema pelo poder público, como na garantia dos direitos dos atuais funcionários da BHTrans.

Nessa linha, visando conjugar avanços na mobilidade com a preservação de direitos trabalhistas, construímos e negociamos com os demais vereadores a aprovação de emendas que melhoraram e muito o Projeto de Lei aprovado.

Junto aos movimentos sociais que discutem a mobilidade urbana, garantimos no PL a permanência do Fundo Municipal de Melhoria da Qualidade e Subsídio ao Transporte Coletivo (FSTC), acrescentando normas de transparência e controle e abrindo portas para discutirmos um subsídio público para reduzir o preço das passagens e garantir o direito à mobilidade urbana a todos os cidadãos e cidadãs.

Outra medida importante é ampliar a regulação, gestão, controle público e popular dos serviços de mobilidade em geral

Também garantimos na lei a vedação à terceirização de algumas funções, como planejar, organizar, fiscalizar e gerenciar o trânsito e os serviços de transporte regulamentados, além de estabelecer que a delegação do transporte coletivo se dê por instrumentos mais rígidos e que o Conselho de Mobilidade Urbana se vincule ao planejamento urbano, visando fortalecer o controle público e social. 

Junto aos sindicatos dos trabalhadores da BHTrans, e com outros vereadores, construímos emendas para que a extinção da empresa apenas possa ocorrer após arcar com o passivo trabalhista, bem como para que sejam mantidos os seus planos de carreira, com a transferência dos trabalhadores da empresa extinta para outras empresas municipais, garantindo seus empregos. 

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Infelizmente, às vésperas do segundo turno da votação, recebemos a informação de que a Prefeitura havia orientado pela reprovação da emenda 51, aquela que dizia respeito à manutenção dos empregos dos atuais funcionários da empresa, sem qualquer diálogo ou interlocução com os atores que haviam participado das negociações para a aprovação das emendas. E por isso, entendendo que não há avanços sociais sem garantia do direito ao trabalho, votei NÃO ao projeto no segundo turno, que foi aprovado pela maioria dos vereadores no dia 27 de setembro.

Mas devo dizer que esta luta não se encerra aqui e estarei sempre ao lado dos trabalhadores e das trabalhadoras em defesa dos seus direitos.

É preciso acabar com a máfia do busão

A estruturação da nova Superintendência de Mobilidade ainda levará tempo, mas é urgente que avancemos na mudança do sistema de transporte público e na mobilidade urbana, visando melhorar concretamente a vida do povo. Por isso, seguimos insistindo que, diante de todas as irregularidades já reveladas pela CPI da BHTrans, é preciso avançar em medidas concretas, e a primeira delas é cancelar o contrato com as empresas firmado a partir do edital de 2008, válido até 2028, fruto de cartel.

O cancelamento do contrato também é objeto de uma Ação Civil Pública (ACP) da Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público de Minas Gerais, fruto das articulações da CPI da BHTrans, que aguarda decisão.

Também apresentei à CPI a proposta que originou o PL 198/2021 que condiciona as empresas prestadoras do serviço de transporte na cidade a apresentarem regularidade fiscal e trabalhista. Na prática, ele impede a contratação ou continuidade de contratos com empresas que não têm regularidade fiscal ou que possuem débitos trabalhistas.

As atuais empresas de ônibus da capital não poderiam mais prestar serviço para BH, já que todas são devedoras. Apenas o grupo econômico Turilessa/Saritur, que integra o Consórcio Pampulha e opera a região de Venda Nova/Pampulha, deve mais de R$ 900 milhões à União.

Outra proposta que levamos à CPI e que originou o PL 197/2021 foi no sentido de acabar com as isenções fiscais e de taxas às empresas de ônibus. Entre 2013 e 2014 as empresas foram isentas do pagamento do Imposto sobre Serviços (ISS) e do Custo de Gerenciamento Operacional (CGO) (contribuição contratual para cobertura dos custos administrativos e operacionais associados à fiscalização e regulação dos serviços), ambos na ordem de 2% das receitas.

Apesar de a justificativa para as isenções ter sido a redução das tarifas, houve apenas uma redução inicial de R$ 0,10 centavos e consecutivos aumentos, passando de R$ 2,65 a R$ 3,70 em dois anos, ou seja, um incremento de 40%, de forma que os cerca de R$ 40 milhões anuais foram apropriados para o lucro das empresas junto com o aumento da passagem.

É fundamental ainda dar uso aos créditos de R$ 220 milhões em adiantamento de passagem, que foi oferecido às empresas de ônibus de forma controversa, quase como um subsídio indireto. Queremos que seja apresentado pelo Executivo um PL para que o recurso se converta em passagens para estudantes e famílias em situação de pobreza e extrema pobreza.

Outra medida importante é ampliar a regulação, gestão, controle público e popular dos serviços de mobilidade em geral, e para os seus respectivos contratos, garantindo que o Conselho Municipal de Mobilidade Urbana (Comurb) e o Observatório da Mobilidade Urbana de Belo Horizonte (ObsMob-BH), no exercício de suas respectivas atribuições, exerçam o controle dos serviços de mobilidade urbana de forma eficiente. Especialmente dos serviços de transporte coletivo de passageiros por ônibus.

A partir dessas condições, será possível propor subsídios do transporte coletivo com recursos públicos. Atualmente, o custo estimado do sistema é de R$ 1,3 bilhão ao ano, e é coberto apenas pela tarifa. Esses recursos podem ser obtidos de várias formas, por exemplo, na taxação de IPTU dos 3% de imóveis na capital com valor venal acima de R$ 1 milhão.

Estudos da campanha do PSOL à PBH em 2020 demonstraram que, tomando por base os apenas esses grandes imóveis, com uma taxação de 0.3% progressiva até 1.5% para os imóveis de valor venal acima de R$ 3 milhões, geraria uma arrecadação de cerca de R$ 500 milhões que poderia financiar a mobilidade em Belo Horizonte. Uma política que estaria alinhada a uma dinâmica de justiça social, na qual apenas os mais ricos pagariam, pois 97% dos imóveis da cidade estariam isentos. 

A mobilidade urbana é um tema complexo e, portanto, não podemos aceitar soluções simplistas que podem até ter apelo popular, mas que estarão fadadas à repetição dos mesmos erros que levaram BH a ter um dos piores e mais caros sistemas de transporte do país. Repito: é preciso mudar o sistema.

*Bella Gonçalves é vereadora de BH pelo PSOL.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

 

Edição: Rafaella Dotta