Minas Gerais

Coluna

Emancipação é a utopia de que o destino humano seja assumido pelos próprios seres humanos

Imagem de perfil do Colunistaesd
Para Marx, em “O Capital: crítica da economia política”, a emancipação religiosa se insere no bojo da emancipação humana - Foto Henry Guttmann / Arte Andreia Freire
Ninguém pode ser intermediário na ação humana emancipada

Emancipação humana não se trata apenas da relação entre religião e emancipação política. Não basta a desalienação religiosa para o ser humano se emancipar humanamente. “O problema de fundo no pensamento marxiano encontra-se no fato de o ser humano não se reconhecer como humano, atribuindo sua sociabilidade para algo além de si”, como aponta Mauro Iasi, em seu livro “Ensaios sobre consciência e emancipação”, o que o impede de ser sujeito da história humana. 

Em seu texto “Sobre a questão judaica”, Marx conclui que “a questão da relação entre emancipação política e religião transforma-se para nós na questão da relação entre emancipação política e emancipação humana”. E assim o processo revolucionário de emancipação humana exige a “irrupção de uma classe com elos radicais, de uma classe da sociedade civil burguesa que não é uma classe da sociedade civil burguesa; de um estado que é a dissolução de todos os estados sociais”.

Trata-se da possibilidade de os seres humanos protagonizarem o controle da história e da sua existência de forma consciente e planejada

A emancipação humana pressupõe a superação de toda e qualquer intermediação para o ser humano se realizar como ser humano. Nem a religião, nem o Estado, nem o mercado, nem o patrão, ninguém pode ser intermediário na ação humana emancipada. Como Marx diz, no mesmo texto, “o homem não é um homem abstrato ‘agachado fora do mundo’, é o ‘mundo do homem’, o homem em sociedade que produz, troca, luta, ama. É o Estado, é a sociedade”. 

As inversões engendradas pela produção e reprodução da vida, segundo o modo de produção capitalista, aparecem no Estado, mas são produzidas pelos seres humanos ao se venderem como mercadoria para um capitalista que lucra, acima de tudo, com a mercadoria força de trabalho produzindo mais-valia e, assim, acumulando capital. 

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Se apenas o Estado e a classe dominante fossem violentos seria menos difícil o processo de emancipação. Mas a violência está assimilada e interiorizada pelos indivíduos, o que faz com que a violência do Estado e do capital apareça como desvios, excrescência e não como sua própria natureza. Portanto, citando novamente Mauro Iasi, “a emancipação humana – tal como pensada por Marx, como a restituição do mundo e das relações humanas aos próprios seres humanos – exige a superação de três mediações essenciais: da mercadoria, do capital e do Estado”.

Para Marx, em “O Capital: crítica da economia política”, a emancipação religiosa se insere no bojo da emancipação humana. Nesse sentido, ele afirma que o “reflexo religioso do mundo real somente pode desaparecer quando as circunstâncias cotidianas, da vida prática, representarem para os homens relações transparentes e racionais entre si e com a natureza. A figura do processo social da vida, isto é, do processo da produção material, apenas se desprenderá do seu místico véu nebuloso quando, como produto de homens livremente socializados, ela ficar sob seu controle consciente e planejado”.

Haverá religião em uma sociedade emancipada?

Concordamos com Marx e Feuerbach quanto à crítica da religião, porém não excluímos todo e qualquer tipo de expressão religiosa. De fato, há em muitas práticas religiosas – não em todas – alienação, estranhamento e, pior, encobrimento de opressões e violências perpetradas nas relações sociais capitalistas que uma religião burguesa ofusca e, por isso, se torna cúmplice do sistema capitalista. Mas, advogar que em uma sociedade emancipada humanamente os seres humanos não terão mais necessidade de práticas religiosas, somente a história humana poderá dizer se isso se cumprirá ou não. 

Desde a Teologia da Libertação, não vemos incongruência entre superar as relações do capital e todas as formas de opressão e, assim, criar um novo homem e uma nova mulher em uma sociabilidade revolucionada e revolucionária para além do capital, e cultivar uma dimensão religiosa que vê no humano o divino. Óbvio que enquanto houver produção e reprodução material sob a égide do capital haverá alienação religiosa. Portanto, nas palavras de Mauro Iasi, “faz-se necessário mudar as relações que produzem e reproduzem o fetichismo e a reificação”.

Em uma sociedade de classes sempre será necessária uma espécie de Estado que consolide e legalize a dominação de uma classe sobre a outra. Nesse ponto, a luta pela terra e pela moradia questiona até o Estado, por meio do seu braço jurídico, que é o poder judiciário, o qual, via de regra, julga as ocupações de terra como se fossem esbulho e não como legítimas ações coletivas que postulam o cumprimento de um direito constitucional.

A emancipação humana se torna impossível sem a superação de todas as mediações que se colocam entre o humano e seu mundo. Também inclui a utopia com raízes na história de que o destino humano seja assumido de forma consciente, planejado e governado pelos próprios seres humanos, pela sua ação concreta, vivenciando e construindo uma sociabilidade sem opressores e oprimidos, sem patrões e empregados, sem capital, sem relações sociais que produzem mercadoria que viabilize mais-valia e acumulação do capital. Assim, o fundamento da emancipação humana está na possibilidade de os seres humanos protagonizarem o controle da história e da sua existência de forma consciente e planejada.

Os vídeos abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Ocupação Helena Greco, em Belo Horizonte, há 11 anos clama por rede de água e energia. Cadê Copasa e Cemig? 

2 - Basta de falta d'água e energia nas ocupações da Izidora! 

3 - Ministério Público com boca sem dente? / PEC 05/21 retira autonomia do Ministério Público 

4 - Violações de direitos nas comunidades da Izidora, em BH: debate em Audiência Pública (Assembleia Legislativa de Minas Gerais 

5 - Bairros periféricos de Ibirité (MG) na rota do Rodoanel. Vem aí devastação! 

6 - Palavra Ética na TVC/BH: Prefeitura de Belo Horizonte viola direitos das ocupações da Izidora e tributo a Zé Veio 

7 - Fora Rodoanel da Região Metropolitana de BH, na TVC/BH, no Palavra Ética. 


Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG.

Edição: Larissa Costa