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Baixando a teresa

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Ficaram agradecidos e gritaram dizendo que tinham um gibi e perguntaram se a gente queria. Como não tínhamos nada pra ler, gritamos que sim. Aí gritaram "então baixa a teresa"... - Creative Commons
Estranho isso de presídios serem conhecidos pelo nome de pessoas que lutaram pela liberdade

Se vocês forem presos algum dia, e no presídio falarem de uma Teresa, sabem a que estarão se referindo?

Pode ser que exista alguma Teresa na prisão ou entre as visitas, mas muito provavelmente não é. A tal Teresa não é mulher nenhuma.

Vou contar como fiquei sabendo disso. Foi durante a ditadura.

Outro causo: Encontro não marcado

Logo depois do famigerado Ato Institucional número 5, o AI-5, houve uma invasão militar e policial ao conjunto residencial da Universidade de São Paulo, o Crusp, e todos os estudantes que estavam lá foram presos, eu inclusive.

Faço uma pausa aqui pra falar dos nomes dos presídios. Em São Paulo, um deles era conhecido pelo nome da avenida em que ficava, Presídio Tiradentes. No Rio de Janeiro, havia o Presídio da Frei Caneca. Estranho isso de presídios serem conhecidos pelo nome de pessoas que lutaram pela liberdade.

O pior deles, acho, era no Uruguai, o Presídio de La Libertad. Quer dizer, Presídio da Liberdade. Pode isso?

Pois é, nós todos, mais de mil e duzentos estudantes, fomos levados para o Presídio Tiradentes e amontoados nas celas do segundo andar. Na cela em que fiquei, em que mal cabiam dez pessoas deitadas no chão sujo, ficamos 28.

Leia mais: Invenções por necessidade

As celas do primeiro andar eram ocupadas por presos comuns, quer dizer, presos sem ser por motivação política. No segundo dia em que estávamos lá, eles gritaram pelas grades perguntando se a gente tinha cigarros pra dar pra eles. Tínhamos.

Todo mundo tirou o cadarço do sapato, juntamos muitos deles para formar uma cordinha que chegava até o andar de baixo, pusemos cigarros num maço, amarramos e baixamos para eles.

Ficaram agradecidos e gritaram dizendo que tinham um gibi e perguntaram se a gente queria. Como não tínhamos nada pra ler, gritamos que sim. Aí gritaram:

- Então baixa a teresa...

Rimos bastante, pensando que o nome dado a uma cordinha improvisada era coisa daquele momento, mas nos enganamos. Um carcereiro veio todo brabo até a grade da nossa cela e gritou furioso:

- Se baixarem a teresa de novo, vai ter!

Outro causo: Deus é bom...

Teresa é mesmo o nome oficial dessas cordas improvisadas na cadeia, seja feita de lençol para fuga, ou menos resistentes como a nossa, para troca de presentes.

Enfim... viva a teresa!

 

*Mouzar Benedito é escritor, geógrafo e contador de causos. Leia outros textos

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Daniel Lamir