Minas Gerais

ESPERA

Demora de reassentamentos é vista como estratégia de separação de comunidades de Mariana (MG)

Seis anos após rompimento da barragem, 300 famílias atingidas aguardam suas novas casa

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Para a integrante do MAB Letícia Oliveira, a Fundação Renova tem agido para evitar a reconstrução das comunidades - Isis Medeiros

Em 15 de setembro de 2021 foi colocado o primeiro tijolo no reassentamento coletivo de Paracatu de Baixo, em Mariana (MG). A Fundação Renova utilizou a ocasião para fazer propaganda, mas, para atingidos, a data não foi de comemoração. Seis anos se passaram até que a primeira casa começasse a ser construída.

A realidade se repete nas outras comunidades atingidas pela lama da barragem de Fundão, propriedade da Samarco/Vale/BHP Billiton, que se rompeu em 2015 no distrito de Bento Rodrigues.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Segundo informações da Renova, a nova comunidade de Bento Rodrigues abrigará 203 famílias. Mas, até o momento, 10 casas foram construídas e nenhuma entregue. Em Gesteira, 37 famílias deveriam ser reassentadas, mas apenas a sondagem do terreno foi feita. Em Paracatu de Baixo, 81 famílias devem ser abrigadas, mas também nenhuma casa está pronta.

Tempo pressiona pela negociação

Maria das Graças Lima Bento, integrante da Comissão de Atingidos, é moradora de Gesteira e uma das pessoas que serão reassentadas pelo projeto de reparação. Depois de muita luta, os atingidos conseguiram que a Fundação Renova adquirisse um terreno no tamanho correto para as residências e as construções que possuíam na antiga comunidade, como a escola, o salão comunitário, a igreja e o campo de futebol. Mas nada ainda foi construído.

A demora faz com que os atingidos prefiram aceitar o “reassentamento familiar”, que é uma espécie de indenização individual para a compra de uma casa em outro local. Maria das Graças foi uma das pessoas que decidiu negociar.

“Muita gente fez isso por causa da demora. Já lutamos há seis anos. A idade vem chegando, outros não estão com a saúde muito boa, alguns já até morreram sem ter o seu direito garantido”, conta Maria das Graças. “Mas agora vai ficar todo mundo distante”, lamenta.

Medo da mobilização popular

Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), chama a atenção que a Fundação Renova já tenha comprado o terreno e, mesmo assim, tenha feito um grande esforço durante a pandemia para que os atingidos de Gesteira façam o acordo individual. 

Para a integrante do movimento Letícia Oliveira, a Fundação Renova tem agido para evitar a reconstrução das comunidades. “Eles têm medo que as pessoas se encontrem, se unam e continuem a cobrar seus direitos juntas”, avalia.

Segundo a Renova, o reassentamento individual já foi negociado com 136 famílias, sejam porque elas foram atingidas, mas não moravam nas comunidades, seja porque desistiram de morar no reassentamento coletivo. Maria das Graças relata que, hoje, mais da metade das famílias de Gesteira optaram por essa modalidade.

Em nota ao Brasil de Fato MG, a Renova afirma que 69 imóveis foram adquiridos para famílias que optaram pelo reassentamento individual e já foram entregues seis casas dessa modalidade.

Enrolação não é punida pela Justiça

Na análise de Letícia, do MAB, o atraso é uma estratégia, mas também uma “enrolação”, já que a Justiça não tem atuado para garantir o cumprimento dos prazos ou das multas. “As empresas sabem que não vai acontecer nada com elas. No caso de Brumadinho, ninguém foi preso, no caso de Mariana também não”, diz indignada.

Para tentar resolver o problema da moradia, Letícia relata que os atingidos estão construindo eles próprios suas novas casas. Eles têm medo que o processo se arraste por muitos mais anos, e que o auxílio moradia pago pela Renova seja cortado sem aviso prévio.

“É uma injustiça, porque essas pessoas estão morando em condições piores do que antes, por culpa das empresas. Mas ao mesmo tempo mostra como o nosso povo consegue construir de fato a solução dos problemas, coisa que empresas tão gigantes como a Samarco, a Vale e a BHP Billiton não fizeram”, aponta Letícia.

Doenças podem ter relação com a lama contaminada

As mineradoras responsáveis pela barragem de Fundão, a Samarco/Vale/BHP Billiton, deram uma série de declarações sobre o não perigo da lama que escorreu pela Bacia do Rio Doce. Principalmente nos primeiros dias, diretores das empresas repetiam “a lama é inerte”.

No entanto, estudos mostram o contrário. Um dos mais recentes, organizado pela pesquisadora Dulce Maria Pereira e realizado pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) em parceria com a Cáritas Brasileira, foi lançado em março de 2020.

O estudo analisou a presença de metais pesados no solo, na água, no ar e nos peixes, e encontrou alguns em escala bem maior que o permitido por tratados internacionais. Encontrou também a presença de adenovírus, que são vírus que causam doenças respiratórias, como o resfriado.

A pesquisa relembrou os relatos dos atingidos em relação ao grande aumento de doenças respiratórias, que podem estar relacionadas a esse vírus. O estudo relembra que inúmeras outras doenças podem estar relacionadas à presença dos metais pesados encontrados, e ressalta que algumas delas podem acontecer ao longo de muitos anos, com o contato contínuo do atingido com a substância, o que pode provocar a acumulação no corpo.

 

Edição: Larissa Costa