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Crônica | O que a vida me pede, o que a vida não me dá

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“Seus corres com arte o levaram a lugares a que poucas pessoas chegaram ou chegarão. Ele fez shows em grandes festivais” - Reprodução
Ele estava perdendo a alegria de viver e de fazer shows.

Numa resenha muito sincera com um mano da quebrada, ele me confidenciou que, apesar de todo o sucesso que está fazendo, a tristeza e a depressão são suas companheiras frequentes. 

Ele sempre foi um grande irmão e amigo. É assim que chamamos na quebrada aquela pessoa com quem você vive importantes cenas e passagens na vida. Já batemos boca por causa de time de futebol, política ou alguma garota. Já soltamos pipa juntos, fomos ao Mineirão, ao teatro, a shows de rock, ao samba, ao hip hop e em muitas quebradas por aí para jogar bola.  

Seus corres com arte o levaram a lugares a que poucas pessoas chegaram ou chegarão. Ele fez shows em grandes festivais. Fez amizades com gente graúda da música, da televisão, do futebol, da política, do mundo do dinheiro. Foi premiado em eventos nacionais e internacionais. Ganhou muito dinheiro. Ajudou e ajuda muita gente das quebradas. É um cara humilde e sangue B. Como dizem por aí os especialistas em carreira dos outros: ele chegou ao topo! Mas tudo isso ficou pesado para ele. 

Começaram a chover cobranças de todos os lados para não falhar, para salvar a arte, para ser o cara que sempre tinha que ter uma atitude ou algum comportamento que esperavam dele. Ele estava perdendo a alegria de viver e de fazer shows. 

Fez uma propaganda para uma marca de refrigerantes importante. Pronto. Foram ataques sem parar nas suas redes sociais. Foi chamado de vendido. Mas ninguém sabe que ele aplicou grande parte do dinheiro em projetos sociais na quebrada. 

Ele até brincou comigo que parecia o Kurt Cobain: tinha só um tênis, duas calças e 10 camisas. Nem carro ele tinha. As agendas de shows e premiações cresciam e a tristeza e a depressão no mesmo ritmo e intensidade. Não tinha mais tempo para ele. O mundo o queria a todo tempo e toda hora. Shows, entrevistas, baladas, eventos de moda, redes sociais. Qualquer coisa que ele falava era como um vulcão em erupção. Ele lutou tanto para isso acontecer que a tristeza só aumenta quando pensa nisso. Amigos de infância, por inveja, falam mal por nada. 

A vida e suas contradições. Semana passada estive com ele no boteco do seu Geraldinho, jogamos sinuca e tomamos um refrigerante de garrafa. Ele até sorriu e falou que desacelerou a vida de shows, de entrevistas e de palestras. 

Ele perdeu a partida de sinuca e me deu um abraço. Disse que comprou um fusquinha para dar rolê por aí. Acabamos indo para a casa da dona Dolores, benzedeira da quebrada. Ela benzeu o fusquinha, deu um passe nele e fez uma oração para tirar quebranto. Conhecido também para tirar mau-olhado.  Era dia de feijoada na casa dela. Casa cheia. Ele sentou no chão com a molecada. Era visível sua alegria de volta. Ele avistou num canto da cozinha um skate velho com um shape descascado. Era fera no skate. 

 

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Larissa Costa