Minas Gerais

ANTECIPAÇÃO

Cemig pagou mais caro por contratos sem licitação, aponta CPI

Sindicato denuncia que corrupção está sendo usada como instrumento para privatizar a companhia

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Desde o ano de 2019, eletricitários denunciam que o governo de Minas Gerais tem preparado o caminho para privatizar a Cemig - Cemig/Divulgação

Favorecimento de aliados políticos e integrantes do partido do governador; contratações sem licitação; subcontratação, por valor mais caro, de empresa que perdeu licitação, ao invés de empresa que venceu o processo; e espionagens. Essas têm sido as principais conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, instaurada em julho deste ano para investigar irregularidades na gestão da Cemig durante o mandato de Romeu Zema (Novo).

É por isso que a população paga uma conta tão cara. 

Triangulação com IBM e AeC

O caso mais emblemático envolve a AeC, empresa fundada pelo ex-secretário de Desenvolvimento Econômico de Zema. A AeC, que havia prestado serviços de teleatendimento à Cemig por 12 anos, passou por uma concorrência no início de 2020 e perdeu a licitação para outra empresa da área, a Audac, que ofertaria um serviço mais barato. 

Porém, meses após a Audac ter vencido a seleção, a Cemig suspendeu o contrato e, em fevereiro de 2021, contratou, sem licitação e sem concorrência, a transnacional IBM, que não é do ramo de call center, pelo valor de R$ 1,1 bilhão e um prazo de 10 anos. A IBM, por sua vez, subcontratou a AeC, que havia perdido a licitação para a Audac. 

“Parece óbvio que nunca houve por parte da Cemig a intenção de respeitar o processo licitatório. Por alguma razão, a Cemig queria manter a AeC prestando esse serviço”, comentou o relator da CPI, o deputado Sávio Souza Cruz.

Sem licitação, companhia pagou mais caro

Em sessão realizada na segunda (8), a CPI apontou que a subcontratação da AeC custou mais caro para a Cemig do que se tivesse sido respeitada a licitação com a Audac. Os valores foram informados pelo empresário Antônio Noronha, sócio do ex-secretário de Zema, mas só depois que ele foi pressionado pela CPI. Inicialmente, ele disse que não sabia. 

“Presidente, eu gostaria que vossa excelência avaliasse suspender os trabalhos por alguns minutos para termos a informação do contrato por posição de atendimento por hora”, solicitou a deputada Beatriz Cerqueira (PT), integrante do bloco Democracia e Luta.

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Após a suspensão, Noronha disse que, por hora logada em cada um dos 482 pontos de atendimento, a AeC recebe R$ 24,64. Já a Audac, que havia vencido a licitação, cobraria R$ 23,58, de modo que a triangulação entre IBM e AeC gera uma despesa adicional de R$ 140 mil por mês para a estatal

Questionado sobre o tempo curto dos contratos da IBM com a AeC (três meses), o empresário também disse que a “parceria estratégica” com a IBM tem como objetivo modificar o atendimento, substituindo mão de obra humana pela robotização. Isso foi criticado por Beatriz. 

“A gestão da Cemig está tirando da população mineira o direito de ser atendida por outra pessoa que encaminharia as suas demandas, pois haverá uma robotização, dificultando o acesso direto da população ao atendimento”, afirma a deputada.  

Outras irregularidades 

A CPI também mostrou que a seleção do atual presidente da Cemig, Reynaldo Passanezi Filho, em janeiro de 2020, foi efetuada pela Exec, empresa que tem como sócios os empresários Rodrigo Foz Forte e Carlos Eduardo Altona, que são filiados ao partido de Zema, o Novo. A Exec também foi contratada sem licitação e sem passar pelo Conselho de Administração.  

Ainda outra irregularidade identificada, segundo a CPI, é a espionagem de funcionários de carreira, com o aval de diretores, pela Kroll Associates Brasil Ltda. Essa empresa de investigações foi a mesma que, há uma década e meia, esteve envolvida na Operação Chacal, da Polícia Federal, por espionar a Telecom Itália e o governo brasileiro com grampos ilegais, a pedido do banqueiro Daniel Dantas, do Grupo Opportunity.

O Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores da Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG) denuncia outras práticas, como o que tem chamado de “contratações pueris”, de serviços que não atendem aos fins da empresa, mas a privilégios particulares. 

Quem paga é o usuário 

“É por isso que a população paga uma conta tão cara. Imagine que na conta de luz da gente está incluído o custo com um restaurante no 18º andar, cujo valor médio da refeição é R$ 350 é de deixar qualquer um de boca aberta”, exemplifica o eletricitário Emerson Andrada, coordenador-geral do Sindieletro. 

O sindicato tem denunciado que o favorecimento de empresários e aliados é um meio que o governo encontrou para cumprir sua promessa campanha, a privatização da Cemig. Esse favorecimento, segundo Emerson, é acompanhado do corte de direitos dos trabalhadores e da piora no atendimento, deixando a população fica cada vez mais insatisfeita com os serviços. 

Por isso, o Sindicato apelidou as irregularidades apontadas de “antecipação da privatização”: a gestão adota mudanças que tornam a estatal mais adequada às práticas de empresários que podem vir a adquirir a companhia. A contratação sem licitações, com favorecimento de aliados, seria um exemplo. 

Sindicato quer afastamento de Passanezi

No dia 15 de setembro, o Sindieletro apresentou à direção da companhia uma pauta de reivindicações. No documento, o sindicato pede que, por questão de isonomia, todos os ocupantes de cargos de gestão, em qualquer nível de hierarquia, recebam o mesmo tratamento que os demais empregados, incluindo o afastamento do cargo nas apurações administrativas internas e externas por irregularidades. 

“Quando um trabalhador é denunciado, ele é imediatamente afastado de seu posto de trabalho para que a investigação prossiga sem interferência do denunciado. Estamos pedindo tratamento isonômico, o que incluiria também a possibilidade de afastamento do presidente. E, caso as denúncias sejam comprovadas, pediremos a demissão”, afirma Jefferson Leandro, secretário de comunicação do sindicato. 

 

Edição: Larissa Costa