Pernambuco

NOVEMBRO NEGRO

Conheça 11 lideranças negras de Pernambuco que são referências em suas áreas

Lista traz destaques da política, das lutas sindicais e sociais, acadêmicas, religiosos e esportistas

Brasil de Fato | Recife (PE) |
O Brasil de Fato Pernambuco levantou perfis de lideranças negras do estado em diversas áreas - Vinícius Sobreira

Você sabia que o Quilombo dos Palmares ficava em Pernambuco? O antigo quilombo, maior símbolo da luta do povo preto contra a escravidão no país, fica na região onde hoje está o município de União dos Palmares (Alagoas), a 230 quilômetros de distância do Recife e apenas 80 km de Maceió (AL). Mas no século 17 não existia o estado de Alagoas. Toda a região pertencia à capitania de Pernambuco.

A história do nosso estado, a história do povo pernambucano e suas lutas populares, foi construída com enorme influência do povo negro. Hoje – e cada vez mais – as pretas e pretos estão conquistam o espaço que lhes é devido, seja na política estatal, nas lutas sindicais e nos movimentos populares, em posições de referência na academia, religião, esportes e resgatando em suas raízes o tempero para o alimento diário.

Brasil de Fato Pernambuco teve um trabalho árduo para definir apenas 11 entre as tantas lideranças negras que fazem o nosso estado. Segue abaixo os perfis.

Jô Cavalcanti (política)


Jô Cavalcanti constrói o primeiro mandato coletivo da história de Pernambuco / Roberto Soares/ALEPE

Maria Joselita, a Jô, é nascida nas periferias da zona norte do Recife. Seu pai é feirante de Casa Amarela e a mãe foi empregada doméstica. Jô se tornou também trabalhadora informal, "ambulante", e se envolveu com as lutas da categoria, no sindicato Sintraci. Entrou de cabeça nas lutas e vestiu a camisa do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do qual se tornou coordenadora nacional. Em 2018, a despeito da onda conservadora se avistava para a eleição, Jô se uniu a outras quatro mulheres (Robeyoncé, Joelma, Kátia e Carol) e se lançou na empreitada de construir o primeiro mandato coletivo da história de Pernambuco: as Juntas. E muitas pernambucanas viram nessa candidatura com a força de cinco mulheres – que se tornaram 39 mil – uma forma de responder à onda de retrocessos.

Vinicius Castello (político)


Vinícius é o primeiro homem LGBT a ter sua cadeira na Câmara de Olinda / Comunicação Vinícius Castello

Nascido e criado na "barreira do Rosário", em Olinda, na adolescência ganhou seus primeiros votos, que o elegeram presidente do grêmio de sua escola. Com 15 anos começou a fazer cursos oferecidos por ONGs de defesa dos Direitos Humanos, se identificando de imediato com as pautas raciais, de sexualidade e gênero e com outras lutas por direitos. Após mais de 10 anos de atuação como defensor de Direitos Humanos, Vinícius Castello se filiou ao Partido dos Trabalhadores (PT) e em sua primeira disputa eleitoral, em 2020, foi conquistou uma cadeira de vereador em Olinda, sendo o primeiro homem LGBT a ter sua cadeira na Câmara, prometendo defender as pautas que carrega em seu corpo, mas principalmente defender a população pobre e periférica. Se quiser saber mais sobre o vereador, leia aqui.

Fany Bernal (política)


Marília Ferro, Fany Bernal e Fernanda Limão compõem a mandata coletiva do PT em Garanhuns, onde o partido não elegia um vereador havia 16 anos / Fabrício Ori

Nascida na Garanhuns da década de 1980, Fany Bernal (que é nome, não apelido) é filha caçula de um imigrante boliviano com uma brasileira. Aos 18 foi morar no Recife para cursar Direito. De volta a sua cidade natal, passou a advogar e se aproximou da luta em defesa dos Direitos Humanos, tendo contato com organizações da sociedade civil da luta LGBT e por reforma agrária. A partir do golpe de 2016, que retirou Dilma Rousseff (PT) da presidência da República, as movimentações políticas em Garanhuns se intensificaram. Fany se somou às lutas, ajudando a fundar o "Coletivo Mutirô", a Frente Brasil Popular de Garanhuns e iniciativas na área de educação popular e formação política. Em 2020 disputou sua primeira eleição: ao lado das colegas da militância Marília Ferro e Fernanda Limão, lançaram uma candidatura coletiva. O povo de Garanhuns elegeu o mandato "das Manas", que é a única cadeira do PT no município em que nasceu o maior líder do partido, o ex-presidente Lula. Se quiser saber mais sobre "Fany e as manas", leia aqui.

Mandato coletivo e feminista promete buscar os problemas nas periferias de Garanhuns

Importante destacar que em Pernambuco a vice-governadora Luciana Santos (PCdoB) é negra. O deputado e presidente estadual do PT, Doriel Barros, também é negro. Destaque também para o prefeito de Carpina, Manuel Botafogo (PDT); para a vereadora mais votada do Recife, Dani Portela (PSOL), assim como o vereador de Gilmar Santos (PT/Petrolina).

Paulo Rocha (sindicalista)


Paulo Rocha preside hoje a Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE) / Comunicação CUT

Também natural de Garanhuns, Paulo Rocha tem graduação em licenciatura em História e foi aprovado em concurso para professor da rede pública estadual. Não tardou para se engajar nas lutas de sua categoria, através do Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Pernambuco (Sintepe). "Paulinho", como é conhecido no meio político e sindical, participou da diretoria do sindicato estadual durante anos, foi indicado pelos companheiros para compor chapa na eleição da Central Única dos Trabalhadores de Pernambuco (CUT-PE). Ele foi vice-presidente central de 2012 a 2018, quando o então presidente da CUT-PE, Carlos Veras, foi eleito deputado federal, deixando nas mãos de Paulinho a responsabilidade de conduzir a central sindical. Em 2019 foi eleito para presidir a entidade até 2023.

Luiza Batista (sindicalista)


Luiza Batista é presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas/ Rani de Mendonça

Filha de trabalhadores do corte da cana na zona rural de São Lourenço da Mata, Luiza Batista perdeu o pai aos 6 anos de idade. A família foi morar nas ruas de Chã de Alegria. Conheceu a solidariedade por candomblecistas que construíram um lar para a família. Aos 9 anos de idade, já no Recife, Luiza trabalhou como babá. A experiência foi terrível: a família de apoiadores da ditadura pagava-lhe apenas uma cesta básica e violentavam-na moral e fisicamente. Entre as casas de família, vendeu milho e foi cobradora de ônibus. Adulta e mãe, Luiza encontrou estabilidade trabalhando 26 anos com uma mesma família. No período ela se envolveu em lutas por moradia (que originaram o bairro do Passarinho). Outra dura batalha foi contra o câncer: Luiza teve que vencê-lo três vezes. Aposentada em 2006, voltou a estudar, conheceu o feminismo e o sindicato das trabalhadoras domésticas (Sindomésticas-PE), do qual seria presidenta de 2009 a 2018. Desde 2016 é presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad). Se quiser saber mais sobre Luiza Batista, clique aqui.

“Tem patrão que é desumano” Conheça Luiza Batista, liderança das domésticas no Brasil

Não fizemos perfis, mas vale a pena conhecer a presidenta do sindicato da construção civil (Marreta), Dulcilene de Morais; uma das fundadoras do Sindsprev e do Fórum de Mulheres, a histórica Vera Baroni.

Chopelly Santos (defensora de direitos)


Chopelly é a primeira transexual a receber o título de cidadã recifense pela Câmara / Ernesto Rodrigues/Fundo Brasil

Nascida na década de 1980, em Limoeiro, Chopelly Santos não se reconhecia no antigo gênero ou nome. Quem foi adolescente nos anos 1990 teve poucas referências transsexuais. Ela viu colegas travestis migrarem para o sudeste em busca do direito de ser quem são. Chopelly foi para o Rio, viver do único trabalho que a sociedade permitia às travestis. Mas pouco depois já estava de volta. No Recife, conheceu a articulação das travestis e transexuais (Amotrans-PE) e se encantou pela luta social e em defesa dos Direitos Humanos. Assumiu para si a responsabilidade de mudar a realidade do país que mais mata pessoas trans no mundo. Há 10 anos ela batalha junto ao poder público por políticas públicas para a população "T". Além de liderar a Amotrans, Chopelly integra o Fórum LGBT, é filiada ao Partido Socialista Brasileiro (PSB) e tem um assento no Conselho Nacional de Direitos Humanos. Em 2021, se tornou a primeira transexual a receber o título de cidadã recifense, honraria da Câmara de vereadores.

Ivo de Xambá (líder religioso)


Ivo recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela UFPE / Comunicação Terreiro de Xambá

Adeildo Paraíso da Silva é filho de Mãe Biu, Ialorixá do terreiro do Portão de Gelo, em Olinda. Foi com ela que aprendeu os ritos e tradições da Nação Xambá e, aos 10 anos, foi consagrado a Oxum. Na vida adulta trabalhou como estivador no Porto do Recife, tornando-se líder sindical e presidente do Sindicato dos Estivadores de Pernambuco. Exerceu liderança também na Casa: subiu gradualmente na hierarquia e, aos 40 anos, quando sua mãe faleceu, Adeildo - já Ivo de Xambá - assumiu, com sua tia Mãe Tila, os rumos do Portão de Gelo.  A tia falece 10 anos depois, cabendo a Ivo a direção do terreiro. O babalorixá, hoje com 68 anos, é da 3ª geração da Nação de Candomblé Xambá em Pernambuco. Em novembro de 2021, Ivo de Xambá lançou sua autobiografia "escrita sob as águas do Rio Doce de Oxum". Meses antes fora agraciado com o título de Doutor Honoris Causa pela UFPE.

Dom Limacêdo (líder religioso)


Dom Limacêdo é desde 2018 bispo auxiliar da Arquidiocese de Olinda e Recife / CNBB

Nascido em 1960 no município de Nazaré da Mata, na zona da mata pernambucana, Limacêdo Antonio da Silva desde cedo foi direcionado para o sacerdócio: ainda bem jovem foi mandado para Nova Iguaçu (RJ) estudar filosofia, depois voltou para cursar teologia em Olinda. Aos 26 anos foi ordenado presbítero em Limoeiro e exerceu ministério sacerdotal na diocese de sua cidade natal. Limacêdo atuou como assessor da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), da Infância Missionária e da Pastoral dos Catadores de Material Reciclável. Foi pároco em Machados e Paudalho antes de embarcar para o mestrado (concluído em 2003) e o doutorado (2007), ambos em dogmática, na Universidade Gregoriana de Roma (Itália). De volta a Pernambuco, foi professor no Seminário de Olinda e pároco em Goiana e Aliança, período em que foi reconhecido por Roma como Bispo, ganhando o título de "dom". Desde 2018 tem a responsabilidade de ser bispo auxiliar da Arquidiocese de Olinda e Recife.

Valdenice Raimundo (acadêmica)


Desde a graduação Valdenice direcionou seus estudos às questões raciais / Unicvap/Divulgação

Nascida na década de 1970, em de Vitória de Santo Antão, Valdenice José Raimundo começou a vida acadêmica no Seminário de Educação Cristã, bairro da Boa Vista, onde fez bacharelado em Educação Religiosa. Anos depois a vitoriense ingressaria em sua segunda graduação, em Serviço Social na UFPE, quando direcionou seus estudos às questões raciais. Sua dissertação de mestrado (2003, UFPE) foi sobre auto-organização de mulheres negras na periferia. Sua tese de doutorado (2010, UFPE) foi sobre juventude negra e pobreza nas periferias urbanas. Hoje Valdenice leciona na graduação em Serviço Social da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Na mesma instituição, lidera o grupo de pesquisa em raça, gênero e políticas públicas; integra o núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas; é pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação e pesquisadora na pós de Ciências da Religião. Valdenice é pesquisadora associada do Instituto de Estudos da África (UFPE), reconhecida e premiada por suas contribuições intelectuais nas temáticas de gênero e raça. Ela integra ainda a Academia Vitoriense de Letras, Artes e Ciências e é sócia do Instituto Histórico e Geográfico de Vitória de Santo Antão.

Duda (atleta de futebol)


Natural de Araçoiaba, Duda hoje é atleta olímpica da CBF / Sam Robles/CBF

Maria Eduarda Francelino, a Duda, 26 anos, é natural de Araçoiaba, menor município da região metropolitana do Recife. Jogava "barrinha" num campo de barro onde era a única menina disputando aquele espaço. Aos 16 anos estreou pelo Vitória das Tabocas (de Vitória de Santo Antão), sendo bicampeã pernambucana (2012 e 2013). A meio-campista passou por São Francisco (BA), Centro Olímpico (SP), Audax (SP), Corinthians (SP), 3B da Amazônia, foi para o exterior jogar pelo Daejon (Coreia do Sul) e Avaldsnes (Noruega). Apesar dos jogos pela seleção de base, Duda só foi convocada para a principal após a chegada da técnica Pia Sundhage. Em 2019 Duda estreou pela Seleção Brasileira, marcou gol e foi contratada pelo São Paulo. Hoje ela veste a camisa 10 do tricolor paulista, onde comanda o meio-campo ao lado de Formiga. Em 2021 Duda disputou sua primeira Olimpíada.

Jucy Carvalho (liderança comunitária)

 


Hoje Jucy atua em iniciativas de solidariedade e de organização popular no bairro João de Deus / Caio Kads

Juzileide Carvalho nasceu na zona rural de Ouricuri, sertão pernambucano. Passou a infância na roça e na adolescência, nos anos 1980, foi para a cidade trabalhar e estudar. Aos 12 anos já trabalhava como babá de duas crianças. Viveu 10 anos entre Ouricuri e Trindade. Jucy sempre viu seus familiares envolvidos nas atividades do sindicato rural (STR), o que lhe marcou para a vida. Aos 22 anos foi morar em São Paulo, onde viveu cinco anos. De volta a Pernambuco, Jucy foi designada para coordenar a juventude na Diocese de Petrolina. Mudou-se em definitivo para Petrolina aos 32 anos, se instalando no bairro de João de Deus, subúrbio formado em grande parte por trabalhadores que migraram em busca de emprego na agricultura irrigada. É lá que Jucy vive há 19 anos. Já em sua chegada se envolveu com atividades da igreja católica do bairro, o que contribuiu para que Jucy se tornasse uma liderança local. Se especializou em educação pelo IRPAA, trabalhou em gabinete de vereador e em diversos projetos sociais, mas nunca se afastou dos problemas locais.

Não conseguimos fazer, mas mereciam destaque: a chef Carmem Virgínia (do Altar Cozinha Ancestral); a educadora e pesquisadora Maria Auxiliadora (UFPE); a jornalista, pesquisadora e professora Fabiana Moraes (UFPE); a poetisa, escritora e educadora Odailta Alves; a educadora, escritora e contadora de histórias Kemla Baptista; a ex-goleira da Seleção Brasileira de futebol Bárbara; a nadadora e recordista mundial Etiene Medeiros; a pentatleta Priscila Oliveira; e o judoca arcoverdense, promessa do judô brasileiro, Kayo Fabrício Santos.

Edição: Vanessa Gonzaga