Minas Gerais

Coluna

Crônica | A velha infância

Imagem de perfil do Colunistaesd
“Eles davam risadas e falavam alto pra caramba. A felicidade estava estampada no rosto de cada um” - Foto: Marinho Ramos /Semcom - Manaus
Ver adolescentes brincando na rua, sem celular, nos dias atuais, é quase que ganhar na Mega-Sena

O fato culminante da semana foi ver adolescentes sem celular nas ruas do bairro e brincando de bater campainha nas casas e sair correndo super felizes. Tinha até um cachorro no meio da molecada participando da brincadeira. Ele corria e latia ao mesmo tempo, como se quisesse falar: “também tô muito feliz”. Ver uma cena dessas nos dias atuais é quase que ganhar na Mega-Sena sozinho, ou receber uma notícia muito boa esperada por muito tempo.

Fiquei ali atônito observando de longe o comportamento deles. Davam risadas, dançavam com o cachorro e se abraçavam. Era um bonde grande com meninas e meninos. De repente, eles sentaram no meio-fio da calçada e começaram a contar o dinheiro de cada um, a ideia era ir até a sorveteria.

Ouvi de longe que estavam faltando dois reais e que ninguém podia ficar sem sorvete. Achei o máximo a solidariedade deles. Um deu a ideia de entrar na sorveteria e conversar com o dono, que era conhecido ali de todo mundo. Só que ele tinha fama de bravo e pão-duro. Ficaram ali pensando o que fazer para comprar os sorvetes.  Veio uma ideia genial: “vamos comprar o que pudermos e colocar em uma vasilha de isopor da sorveteria, aí chupamos todo mundo na vasilha. Pegamos com as pazinhas”. E lá foram até a sorveteria e saíram com uma vasilha de isopor e sentaram novamente no meio-fio da calçada.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Eles davam risadas e falavam alto pra caramba. A felicidade estava estampada no rosto de cada um. Também não esqueceram do cachorro e deixaram um pouco de sorvete na vasilha. Ele não dispensou. Latia e abanava o rabo o tempo todo. Ele era mais um dos adolescentes.

O tempo foi passando e a noite veio caindo de alturas impossíveis. Os postes de luzes começavam a acender e a molecada a se separar, indo cada um para a sua casa. Ouvi ainda que combinavam um aniversário no sábado na casa da Camila. Fiquei novamente atônito. Hoje em dia, não existe mais festa de aniversário nas casas das pessoas, hoje, as festas são em lugares impessoais e cheios das burocracias, como horário marcado e números de pessoas limitadas. Não estava acreditando que essa molecada existia.

Foi quando minha mãe gritou do quarto dela:

- Está na hora de acordar, rapaz! Senão você vai se atrasar para o trabalho.

Poxa, estava tão feliz! A felicidade é zen!

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte

--

Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa