Minas Gerais

Coluna

Crônica | Peixe fora d’água

Imagem de perfil do Colunistaesd
Os três agressores foram banidos da cidade e vivem catando latinha em outros lugares - Foto: iStock
Hoje, ele vive recluso em casa, sem vontade de sair e curtir aquela cidade bonita que Deus lhe deu

“Como você entrou? Por que você está aqui? Você é preto, rapaz? Aqui não é seu lugar. Você tem carro? Estudou? Aqui não é lugar de pobre. Vai embora daqui agora. Você é o garçom da balada?”

Foi assim que foi recebido o filho do embaixador e ex-ministro das relações exteriores que acabara de se mudar para aquela cidade balneária. Lugar de gente metida, emergente e de muitos falidos, vivendo só de aparência. 

Ele era introspectivo. Gostava de jogar videogame. Não bebia. Era muito estudioso. Falava quatro línguas. Cultivava amizades por onde passava. Conhecia gente do mundo todo. Sua redação foi nota mil no Enem. Vivia sem qualquer luxo. Ia jogar futebol na quebrada perto da sua casa. Hoje vive recluso em casa, depois de um episódio de racismo e muita violência. Sua única paixão são as camisas da Adidas. Ele não abre mão. 

Ele foi convidado para uma festa por uma amiga da época em que moravam em Paris. Ela era filha de um alto funcionário do Banco do Brasil e, por coincidência, foi morar na mesma cidade balneária. Ela organizou o evento numa ilha próxima. A festa do ano. Muito badalada e esperada pela alta burguesia da cidade. A anfitriã era uma garota muito gente boa, bonita e articulada. Ele aceitou o convite. Comprou até uma roupa nova. 

Na chegada à ilha, ele ficou deslocado. Se sentindo, literalmente, um peixe fora d’água. Sua amiga ainda não tinha chegado, porque estava resolvendo os últimos detalhes da festa e acabou se atrasando para ir ao salão de beleza. Ele ficou no canto contemplando a beleza do lugar. 

De repente, aparecem três bombados e começaram a humilhá-lo. “O que esse macaco está fazendo aqui? Seu lugar é lá na cozinha, feinho”.  Ele tentou explicar que esperava sua amiga. Eles não queriam saber. “Sabe com quem você está falando, seu preto nojento?”. Nesse momento, já deram um chute, um soco na cara e um mata-leão. Começou um alvoroço e muita gente chegou para ver o que era. Ele ficou muito machucado e foi socorrido rapidamente. 

Nesse meio tempo, a amiga chegou com várias pessoas importantes da cidade, que logo souberam do caso e chamaram a polícia. Os bombados foram presos em flagrante.  Eles não eram da burguesia da cidade. Eram gente do corre do dia a dia. Instrutores de musculação para os filhos dos ricos. 

Hoje, ele vive recluso em casa. Sem vontade de sair e curtir aquela cidade bonita que Deus lhe deu. Os três agressores foram banidos da cidade e vivem catando latinha em outros lugares. 

 

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte

--

Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Larissa Costa