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Cultura

Os recursos da cultura não chegam para quem mais precisa no Paraná

Presidente do sindicato dos artistas fala sobre o excesso de burocracia e a inoperância da superintendência de cultura

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Para diretor e produtor Adriano Esturilho, o momento na cultura é negativo pela inoperância de governos - Divulgação

Excesso de burocracia, inoperância da superintendência de cultura do estado do Paraná estão entre as causas apontadas por Adriano Esturilho, presidente do Sated-PR, sindicato dos artistas do estado, para que os recursos da Lei Aldir Blanc não cheguem para quem mais precisa. Descaracterizando a função deste fundo, que é um recurso emergencial a ser utilizado em momento de pandemia. Ele revela, nesta entrevista exclusiva ao BDF-PR, que dos R$ 71 milhões disponíveis de recursos federais, mais da metade não chegou para quem precisava.

BDF-PR –Como foi o ano de 2021 para as artes no Paraná, para as políticas públicas de cultura?

Adriano Esturilho – Foi mais um ano difícil. A gente não cansa de lembrar que com a pandemia a área da cultura foi uma das primeiras a parar e uma das últimas a retornar. Os trabalhadores ficaram sem atuar e muitos deles são autônomos e dependem do que ganham no dia a dia e do encontro, da presença e da aglomeração. O desgaste foi muito grande.

Havia expectativa desde o ano passado que a Lei Aldir Blanc, de caráter assistencial, emergencial, pudesse diminuir um pouco esse dano e dar um mínimo de sustentabilidade pros trabalhadores. Embora os recursos tenham sido encaminhados para os estados e municípios, em nossa opinião essa distribuição foi bem precária e não seguiu o que se esperava e o que previa a lei. Chegou menos do que precisava aos trabalhadores mais necessitados. A gente continua enfrentando um problema até agora, que é muita dificuldade para descentralizar os recursos e até mesmo para distribuir. As linhas criadas pelo poder público, em especial o estado, se mostraram burocráticas, exigindo muitos documentos e com processos e editais que são próximos dos momentos não pandêmicos. Achamos que deveriam ter simplificado.

 Com isso, a maioria das pessoas não conseguiu se inscrever e ter acesso a esses recursos. Os números demonstram o absurdo. No ano passado, desse total de recursos destinados pelo estado do Paraná, R$ 72 milhões, efetivamente chegaram aos trabalhadores apenas 15%. O restante não chegou, continua no fundo, as pessoas não conseguiram acessar por causa dessa burocracia. O fundo foi prorrogado para este ano e o principal mecanismo de distribuição, a bolsa qualificação, no nosso entendimento também não é acessível como se precisa, porque pressupõe que os trabalhadores vão fazer um curso a distância, e muitos dos que mais necessitam não têm acesso contínuo à internet. Isso fez com que também não fosse acessível. Previa atender 12 mil pessoas e foram preenchidas cerca de 8 mil vagas. E não por que não haja trabalhadores que necessitem, há muito mais que 12 mil. É porque não conseguem acessar devido a essa burocracia.

Isso se agrava quando a gente pensa num conceito mais amplo de cultura, nos fandangueiros, nos artesãos, nas comunidades quilombolas. Todos deveriam ter acesso, não apenas as belas artes, como teatro, dança, ópera etc. Neste ano, no estado, ainda há cerca de R$ 40 milhões disponíveis que não sabemos como serão distribuídos. Não foram lançados novos editais. Deve ser prorrogado para o próximo ano e eles devem terceirizar a distribuição através de universidades, autarquias etc. que vão receber esses recursos para repassar. O que consideramos uma distorção grave. Eram recursos emergenciais para serem usados no ano passado e vão ficar para o ano que vem, um ano eleitoral, o que nos preocupa muito, como será essa destinação. É catastrófico você ter R$ 72 milhões e no segundo ano você não ter dito como vai distribuir mais de R$ 40 milhões, mais da metade, é um desastre. É um desvio de função desse recurso, que é assistencial e emergencial e ele não está sendo utilizado de maneira emergencial.

 

BDF-PR –Há problemas em outras áreas, além da Lei Aldir Blanc?

Adriano Esturilho – Outro efeito gravíssimo disso é que uma vez que a superintendência do estado tem dito que tem utilizado boa de seu tempo para resolver os problemas da Lei Aldir Blanc, isso vira justificativa para não tocar outras coisas do estado. Uma questão importantíssima que está parada é o Profice, Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná, nosso principal programa de fomento do estado. Só no ano passado deixou-se de investir R$ 14 milhões devido a atrasos de aprovação de projetos e planejamento. E no ano que vem corremos o risco de perder mais uma leva de recursos. Deveria ter sido lançado neste ano edital pelo programa, o que não ocorreu. As eleições das comissões com a participação da sociedade civil, como a do Profice, atrasaram e muito. O próprio conselho estadual, que também tem participação da sociedade civil, e que está previsto no sistema nacional, está se reunindo, mas de uma maneira não correta, no nosso entender, porque as atas não estão sendo divulgadas, o debate não é feito de maneira ampla, conselheiro nem superintendentes são consultados de maneira formal, sindicatos e entidades do movimento social, que deveria participar desse debate, também não são consultados. E tudo isso é necessário para garantir que não aconteça o que vem ocorrendo, de o dinheiro não ser distribuído. Nossa a leitura é muito negativa. Mesmo com recursos federais, a inoperância da superintendência é visível, a participação social está distorcida, pela maneira que as reuniões do conselho se dão e a falta de transparência na comunicação do que se discute é vergonhosa, um retrocesso, e os recursos não chegam em quem mais precisa. O recurso não está sendo descentralizado, sem contar outros tipos de irregularidades, como prêmios para funcionários públicos, o que também descaracteriza o sentido da Lei Aldir Blanc, que é para atender quem não está podendo trabalhar. Funcionários públicos, que continuam recebendo, receberem recursos da Lei Aldir Blanc, por mais que sejam artistas, o meu entendimento e do sindicato, isso é uma distorção, uma irregularidade. E isso virar uma desculpa para que o estado não se trabalhe, não invista o que é recurso do estado para cultura, também é grave. Todo recurso da Lei Aldir Blanc é federal e virou desculpa para que o estado não tenha de investir tanto assim.

Por fim, sempre é bom citar, continuamos sem secretaria de cultura. A primeira e desastrosa ação de Ratinho Jr. foi extinguir a secretaria de cultura. Isso explica muito do desastre que vivemos. Com a superintendência, um puxadinho da secretaria de comunicação, que não tem funcionário, estrutura ou autonomia, é impossível operar uma política pública de cultura como se espera de um estado que é um dos primeiros em termos de economia do país. A extinção da secretaria de cultura é o maior símbolo da estagnação que entramos na área da cultura no estado do Paraná.

Edição: Lia Bianchini