Minas Gerais

ADEUS PREÇO VELHO

Preços nas alturas traz natal de “zero expectativas” para casa dos mineiros

Para famílias, este fim de ano será o mais difícil dos últimos tempos, já que o custo de vida está caríssimo

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
É nesse tom que o fim do ano de 2021, enfim, chega - Foto: Agência Brasil

“Uma amiga me disse que a única coisa que ela vai fazer no natal é comprar uma dobradinha para colocar na mesa”, conta a ambulante Teresa Andrade Gonçalves, moradora do bairro Nova Vista, em Belo Horizonte.

A dobradinha é um prato que surgiu em Portugal e virou tradição no Brasil, mas não por acaso: é feito de tripas de animais, principalmente de boi, cortadas em cubo e com a adição de condimentos. Apesar de deliciosa (para alguns), a receita também simboliza a dificuldade financeira de uma população que não tem acesso às partes nobres das carnes.

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É nesse tom que o fim do ano de 2021, enfim, chega. “O natal deste ano está o pior de todos. O brasileiro vai passar de mesa vazia”, lamenta Teresa. “A gente está de mãos atadas, porque não está tendo solução. Você luta daqui, luta de lá, mas as coisas estão muito caras. Ainda mais para gente que paga aluguel”, completa.

A comerciante Edna Aparecida Pires da Silva tem a mesma preocupação. Ela possui um pequeno restaurante há dois anos, no bairro Rosário, em Sabará (MG). “Sinceramente, acho que estou trabalhando na raça, pagando para trabalhar. Eu gasto em torno de R$ 100 no dia, mas vendo R$ 40. Muitas vezes tiro do meu bolso para pagar o aluguel”, diz.

O natal de Edna também não será animador. “No comércio, o movimento está muito fraco. As coisas estão muito caras, o trabalho está difícil, a expectativa de natal dos clientes é zero”, conta.

Sem perspectivas de melhoras

Teresa e Edna parecem estar certas quanto à falta de expectativas da população sobre o natal. O índice de Intenção de Consumo das Famílias, que mede o quanto as famílias brasileiras estão dispostas e podem gastar mostra que o país está pior do que em 2019, antes da pandemia.

Em novembro de 2021, a intenção de consumo estava 23% abaixo da de novembro de 2019. E apenas 5% acima da de novembro de 2020.

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“Com relação ao ano passado, vamos ver uma melhora. Afinal, estamos nos recuperando de um período de fechamento de todas as atividades. Mas estamos muito distantes ainda dos níveis de 2019”, avalia o economista Matias Cardomingo, pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades, sediado na Universidade de São Paulo.

“Ao que tudo indica, vamos demorar para ver uma recuperação plena, principalmente no consumo das famílias”, finaliza.

Governo poderia segurar aumentos

A “intenção” de consumo, à qual o economista se refere, tem tudo a ver com os preços que os produtos adquiriram. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis (Ipead) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a cesta básica em Belo Horizonte fecha o ano custando R$ 600. A cesta, que representa os gastos de um trabalhador adulto com alimentação, custava R$ 566 em janeiro deste ano.

Em 2021, a energia elétrica aumentou 30%, o botijão de gás aumentou 37,9% e a gasolina teve uma subida extraordinária de 73%. Os aumentos não são somente “fruto da pandemia”, são decisões políticas, conforme explica Alexandre Finamori, presidente do Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais (Sindipetro).

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“A Petrobrás está relacionando o valor do gás de cozinha e dos combustíveis aos valores do dólar e dos barris de petróleo mundialmente”, diz. “O que é um absurdo, pois temos aqui no Brasil o petróleo, as refinarias e a produção de gás. Esse preço não é o custo, é uma decisão do governo. Poderíamos estar vendendo o gás a R$ 50”, completa.

Uma luz no fim do contrato?

Da mesma forma, o preço dos aluguéis poderia ser melhor regulado. O economista Matias conta que a pandemia ajudou a abrir no Brasil o debate sobre o índice de reajuste dos aluguéis. Atualmente, o Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) é a taxa usada para os reajustes, mas um projeto de lei quer trocá-lo pelo Índice Nacional de Preços do Consumidor Amplo (IPCA).

 “O IPCA reflete muito melhor as condições internas do país. Enquanto o IGPM tem uma composição muito relevante de fatores externos, como o câmbio, que em momentos de piora da situação econômica ou política do país, sofre elevações muito fortes”, avalia Matias.

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O IGPM, que é usado atualmente, está fechando o ano em 17%, ou seja, os aluguéis devem sofrer esse aumento no momento do reajuste. Já o IPCA tem a expectativa de fechar o ano em 10,2%. O Projeto de Lei 1806, que pretende mudar essa questão, tramita no Senado Federal.
 

Com rejeição histórica de Bolsonaro, Auxílio Brasil entra em campo com vistas à 2022

Em meio a esse cenário, após 18 anos sendo subsídio fundamental para famílias pobres e extremamente pobres do Brasil, o Bolsa Família foi extinto em outubro deste ano pelo governo federal. Entre 2003 e 2018, o programa diminuiu em 15% os índices de pobreza no Brasil e em 25% os de extrema pobreza, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Assim como aconteceu com outras políticas sociais criadas durante governos petistas, o Bolsa Família foi extinto para dar lugar a uma versão piorada do programa: o Auxílio Brasil. "O governo viu os impactos positivos que as políticas de assistência têm e tentou chamar para si esse legado", avalia o economista Matias Cardomingo.

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O anúncio do Auxílio Brasil veio em um momento estratégico para o governo, coincidindo com o fim do auxílio emergencial. No entanto, ao contrário do que afirma Bolsonaro, o novo benefício não contempla toda a população que era atendida pela política.

"Cerca de 65 milhões de pessoas foram beneficiadas com o auxílio emergencial, enquanto o Auxílio Brasil abrange apenas 14,3 milhões", pontua Cardomingo. O economista também relembra que só foi possível viabilizar o auxílio emergencial e o Auxílio Brasil por causa da Lei 10.835/2004, mais conhecida como Lei da Renda Básica, implementada por Lula.

Na quarta (15), a Câmara dos Deputados aprovou em 1º turno a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 46/21, que obriga o governo a destinar os recursos economizados com a PEC dos Precatórios exclusivamente para um programa de renda básica familiar. A aprovação foi vista como uma vitória dentro do retrocesso imposto com a PEC dos Precatórios.

Edição: Larissa Costa