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Queda da tarifa tem que ser primeiro passo na retomada do transporte coletivo

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Para movimento, anúncio do prefeito de BH é conquista da luta, mas é preciso ir além da redução tarifária - Foto: Douglas Roehrs
Todos os sistemas de transporte sustentáveis têm subsídio

Em um anúncio surpreendente, na tarde do dia 21 de dezembro de 2021, o prefeito Alexandre Kalil disse que chegou a um acordo com as empresas de ônibus e que pretende reduzir a passagem para R$4,30 a partir de fevereiro. Afirmou também que haverá um processo de modernização do atual contrato de transporte coletivo.

A notícia contrariou a expectativa de um aumento tarifário – o que muito nos agrada, obviamente. Qualquer redução no preço absurdo da tarifa de ônibus em Belo Horizonte vai ser celebrada. Ou ainda: qualquer melhoria no sistema precário de transporte público será comemorada. Mas, antes de começarmos a dar os “louros” da vitória à gestão municipal (que tem seus créditos, vá lá), é importante relembrar que essa proposta é uma vitória concreta da luta popular.

Há oito anos, o Tarifa Zero BH e outros movimentos da cidade têm lutado para mostrar que o transporte coletivo precisa ser tratado como direito, e não como mercadoria, como insistem os empresários de ônibus. Neste ano, o tema foi objetivo de CPIs, coletivas de imprensa, audiências públicas, reuniões, seminários e uma série de encontros (alguns amistosos, outros, nem tanto) entre diversos atores da cidade. Sem a pressão dos movimentos, da imprensa, dos parlamentares e, principalmente, do povo, nada teria acontecido. Você duvida? Então, responda porque pagamos R$ 4,50, se podemos pagar R$ 4,30. E que não se duvide: podemos pagar ainda menos.

O transporte coletivo precisa ser subsidiado. Todos os sistemas de transporte minimamente coerentes e sustentáveis ao redor do mundo têm subsídio. Paris, Nova Iorque, Santiago, Bogotá. Mesmo São Paulo, com todos seus problemas. Batemos nessa tecla há oito anos e parece que, finalmente, o subsídio tarifário vai acontecer. Ainda que de forma tímida e opaca.

A redução de 20 centavos em um sistema totalmente sucateado não compensa o lucro a mais que os empresários tiveram em todos esses anos de diminuição de frota, extinção de linhas e retirada de cobradores. Além disso, as primeiras informações que chegam é que esse recurso vai vir como custeamento das atuais gratuidades, e não como uma reformulação da forma de remuneração do sistema.

As gratuidades já estabelecidas (em especial, a que permite aos idosos e idosas se deslocarem sem pagar) não são um fator importante no custo atual do sistema: os ônibus continuarão fazendo o mesmo trajeto, com ou sem essas pessoas, no máximo com menos paradas para embarque e desembarque. Ou seja, o que há nessas gratuidades não é custo, mas sim uma “renúncia” de receita – de tarifa que, teoricamente, esses usuários poderiam pagar. Ao tratar essas pessoas como receita em potencial, o sistema coloca em xeque o direito à gratuidade e, em um futuro não muito distante, pode levando esse direito à sua extinção.

O anúncio sobre o recurso financeiro que a gestão municipal pretende injetar no sistema de transporte, a fim de garantir a diminuição da tarifa, também não está associado a nenhuma contrapartida de qualidade ou de eficiência. Pelo menos, não que saibamos, dada a opacidade com que as negociações foram conduzidas. Isso significa que, para o ano que vem, não sabemos, por exemplo, se as linhas que foram extintas retornarão ou se os agentes de bordo retomarão seus postos.
 
Por fim, mas não menos importante, não há clareza sobre como se dará a tal modernização do contrato, já que a maior parte das reuniões entre Kalil e os empresários de ônibus – para não dizer todas – aconteceram a portas fechadas, sem atas e sem participação popular.

Afirmamos novamente: o subsídio tarifário é fundamental e sua existência é uma vitória e um alento em um transporte coletivo que vem definhando ano após ano. Mas, sem controle e contrapartidas, corremos o risco de fortalecer o poder de barganha do empresariado. Foi dado um passo, mas o caminho para a reversão da precarização do busão é subsídio com transparência, controle popular – em especial da arrecadação tarifária e do sistema de bilhetagem eletrônica – e combate ao poder econômico dos empresários, o que pressupõe o cancelamento do contrato e uma nova licitação, o quanto antes.

Não temos dúvidas de que a luta popular que construímos, com fatos e propostas embasadas e coerentes, foi fundamental para a redução tarifária. Agora, é preciso ir além. Não descansaremos enquanto o transporte coletivo não for justo, de qualidade, com gestão democrática e tarifa zero.

André Veloso é economista e integrante do Tarifa Zero BH
Juliana Afonso é jornalista e integrante do Tarifa Zero BH

Edição: Wallace Oliveira