Minas Gerais

Coluna

Igreja e função social da propriedade

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Manifestação da comunidade do Beco Fagundes, no bairro Jardim Teresópolis (Betim-MG), ameaçada de despejo - Foto: CPT MG
Constituição de 1988 exige cumprimento da função social da propriedade

A luta do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e de todos os movimentos sociais camponeses busca pressionar para fazer cumprir a Constituição Federal de 1988, que prescreve como um de seus princípios fundamentais o cumprimento da função social da propriedade da terra. Isto é, os latifúndios que não cumprem sua função social devem ser desapropriados (art. 185).

Carlos Frederico Marés afirma que o conceito de produtividade está contido no conceito de função social, que é mais abrangente. Diz ele, “no conceito de produtividade está embutido o conceito de função social, isto é, só pode ser produtiva uma gleba que cumpra todos os requisitos da função social e, portanto, merece um prêmio, isto é, produtividade para a Constituição é sempre sustentável e não se confunde com rentabilidade ou lucratividade”.

A propriedade é um direito que comporta obrigações sociais

E, qual o posicionamento da Igreja com relação à função social da propriedade da terra? Em contexto de desrespeito à dignidade humana e de superexploração da classe trabalhadora e da classe camponesa e diante da luta dos socialistas que defendiam a abolição da propriedade privada, reforçando a luta pelos direitos humanos fundamentais, a dignidade humana tem sido defendida pelo ensinamento social da Igreja Católica, expressa em várias encíclicas papais.

Rerum Novarum, Quadragesimo Anno, Mater et Magistra, Gaudium e Spes, Populorum Progressio, Laudato Si

Rejeitando a tese socialista da abolição da propriedade, a Encíclica Rerum Novarum, de Leão XIII, de 1891, afirma que a propriedade, inclusive a dos bens de produção, é um direito natural. Porém, a propriedade tem uma função social e não se destina apenas a satisfazer os interesses do proprietário, significa, também, uma maneira de atender às necessidades de toda a sociedade.

Desde 1891, os papas (re)afirmam ensinamento social semelhante em várias encíclicas: a Quadragesimo Anno, do papa Pio XI, de 1931; a Mater et Magistra, do papa João XXIII, de 1961; a Gaudium e Spes, documento do Concílio Vaticano II, de 1965, e a Populorum Progressio, do papa Paulo VI, de 1967, as quais afirmam que o conjunto de bens da terra destina-se, antes de mais nada, a garantir a todas as pessoas um decente teor de vida pelo conjunto de condições sociais que permitam e favoreçam o envolvimento integral de sua personalidade. A propriedade é um direito que comporta obrigações sociais.

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O papa Francisco na carta Encíclica Laudato Si’ (Louvado Seja), de 24 de maio de 2015, reafirma o destino comum dos bens como um princípio inarredável do ensinamento social da Igreja. Diz Francisco, “a tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada, e salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. Sobre toda a propriedade particular pesa sempre uma hipoteca social, para que os bens sirvam ao destino geral que Deus lhes deu”.

O papa Francisco transcreve na Encíclica Laudato Si’ o que disse os bispos do Paraguai na Carta Pastoral El campesino paraguayo y la tierra, de 1983: “Cada camponês tem direito natural de possuir um lote razoável de terra, onde possa gozar de segurança existencial. Este direito deve ser de tal forma garantido que o seu exercício não seja ilusório, mas real. Isto significa que, além do título de propriedade, o camponês deve contar com meios de formação técnica, empréstimos, seguros e acesso ao mercado”.

Está na Constituição de 1988 a exigência de cumprimento da função social da propriedade fundiária, mas o Estado não cumpre a Constituição neste e em nenhum dos direitos sociais prescritos. Pior, dribla o tempo todo as leis que garantem os direitos sociais.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG
 

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Elis Almeida