Rio Grande do Sul

Opinião

Artigo | Os Não-Lugares de deslocamentos semânticos e geográficos nas imagens de Igor Sperotto

“Hotéis no exílio” integra a exposição Paisagem sem Volta, do artista visual André Venzon, em cartaz até 25 de fevereiro

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Pesquisadora analisa a mais recente produção do artista visual Igor Sperotto, “Hotéis no exílio” - Foto: Igor Sperotto

Professora, pesquisadora e curadora, Niura Legramante Ribeiro, analisa a mais recente produção do artista visual Igor Sperotto, “Hotéis no exílio”, que integra, como artista convidado, a exposição Paisagem sem Volta, do artista visual André Venzon, em cartaz até 25/02/22 no V744atelier, em Porto Alegre, e que é opção de fruição estética para os interessados em arte e cultura.

Entre as infinitas possibilidades que existem de interpretar as imagens, pode-se partir da pergunta sobre o que elas podem evocar? Uma resposta possível é a memória e o desejo que podem se deslocar a diferentes tempos e espaços. Isto é o que podem aspirar as imagens apresentadas por Igor Sperotto nos trabalhos Hotéis no exílio, 2021, em que fotografou fachadas e letreiros de hotéis simples, em diferentes bairros de Porto Alegre que possuem nomes de outras cidades ou país: Hotel Roma, Hotel Milão, Hotel San Francisco e Hotel Uruguai. Por serem os hotéis locais de passagens, transitórios, portanto, não fixam identidades e somado aos seus nomes, que remetem a lugares diferentes de onde estão instalados, pode-se dizer que eles cumprem duplamente a função de não-lugares, como proposto por Marc Augé (1994, p. 73), por não serem em si lugares antropológicos: se um lugar pode se definir como identitário, relacional e histórico, um espaço que não se pode definir como identitário, nem como relacional, nem como histórico, definirá um não-lugar.

A imagem fotográfica e o texto estabelecem relações mútuas, como detecta Valery Stigneev, (2002, p. 96): a coexistência de texto e sequências visuais leva a uma interação semântica e plástica, uma interação que funde os significados semânticos introduzidos pelo texto com o tema gráfico da imagem. O artista escolheu o cartão postal como suporte para a impressão das imagens com as fachadas dos hotéis e, no verso, escreveu uma mensagem que caracteriza a ideia de envio e de comunicação com um receptor. Nesses postais há um QR Code que leva para um site no qual o projeto se expande. Assim, o substrato que ancora as configurações da série está na ideia de deslocamentos: das chegadas e partidas dos hóspedes, dos nomes dos hotéis que referenciam outros locais que não onde se localizam os imóveis, da ideia tradicional de envios e recebimentos de postais, do ícone que leva a um site e, por fim, das sonoridades de carros circulando, buzinas e sirenes que acompanham o backlight com uma foto mostrando o letreiro do Hotel Minuano.

Gottfried Bohem (2015, p. 29), lembra que as imagens dão acesso ao que se pode chamar de pensamento com olhos.  No espaço entre o olhar e a imagem se impõe uma atmosfera de um estado de pensatividade do observador que gera também deslocamentos imaginários dados pela semântica dos nomes dos hotéis por instigar o desejo de conhecer as cidades ou de rememorar lembranças para quem lá esteve. Imaginação e memória carregam o traço do ausente. As imagens de Hotéis no Exílio são evidências de um presente, pois os hotéis ainda funcionam, mas também, rememoram um passado porque alguns deles existem há mais de quarenta anos.  Este trabalho contém o potencial de reativar o vivenciado, pois pode acionar um disparador de memórias sobre as impressões instaladas no presente. Emmanuel Alloa (2015, p. 10) lembra o estranho paradoxo na atitude ao olhar a imagem: reconhecendo que ela tem o poder de tocar o que está ausente, tornando-o presente aquele que está distante (...). Lembrar aponta para vínculos com o passado.

* Doutora em História, Teoria e Crítica da Arte, pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais, Instituto de Artes, UFRGS. Mestre em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Professora e coordenadora-substituta do PPGAV e professora do Graduação em Artes/UFRGS, Brasil.

REFERÊNCIAS:

AUGÉ, Marc. Não-lugares, introdução a uma antropologia da supermodernidade. Campinas, SP: Papirus, 1994.

BOHEM, Gottfried. “Aquilo que se mostra”; “Entre a transparência e a opacidade – o que a imagem dá a pensar” ALLOA, Emmanuel (org). Pensar a Imagem. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.

STIGNEEV, Valery “El texto en el espacio fotográfico” in YATES, Steve (ed.). Poéticas do Espaço. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. 

 

Edição: Katia Marko