Minas Gerais

CALAMIDADE

Artigo | Mineradoras têm que ser responsabilizadas pelos estragos das enchentes

Comunidades que vivem abaixo de empreendimentos de mineração foram alagadas por lamas de minério e de rejeitos

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Milhares de pessoas estão em contato direto com a lama e expostas a diversas enfermidades - Foto: Douglas Magno / AFP

A intensidade das chuvas de dezembro e janeiro impactou severamente diversas regiões de Minas Gerais. Segundo levantamento da Defesa Civil, as enchentes já deixaram 24 mil desabrigados, mais de 3 mil desalojados e 341 cidades declararam situação de emergência.  Além disso, mais de 100 pontos em rodovias estão parcialmente ou totalmente interditados no estado.

O estrago tem sido especialmente pior para as famílias pobres, que são empurradas para viverem em locais inseguros e mais susceptíveis a essas tragédias. A violência das enchentes e os impactos causados na vida do povo não é culpa das chuvas, mas é responsabilidade de uma classe que impõe um modelo de desenvolvimento em que a ocupação e disputa dos territórios está subordinada aos interesses da especulação imobiliária, da mineração e do agronegócio.

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A realidade enfrentada pelas comunidades que vivem abaixo de empreendimentos de mineração é ainda mais grave, pois foram alagadas por lamas de minério e de rejeitos.

Alagados pela lama de rejeitos

Os municípios que vivem na beira do Rio das Velhas, como Rio Acima e Raposos, foram surpreendidos com a elevação repentina do nível do rio, foram pegos de surpresa e não houve tempo para salvar quase nada. A tragédia atingiu casas, lojas, igrejas, prefeitura e destruiu todos os pertences afetadas pela enchente. Quando a enchente começou a diminuir o nível e as águas foram embora, ficou para trás uma lama escura, densa e abrilhantada, típica de um material rico em minério de ferro.   

Itabirito teve sua maior e pior enchente, a cidade foi completamente destruída e a prefeitura declarou estado de calamidade. Diversas encostas desabaram, casas ficaram destruídas e inúmeras famílias perderam todos seus pertences. Importante lembrar que Itabirito está abaixo de várias cavas de mineração e será drasticamente atingida caso as barragens de Forquilha, da Vale, que estão em nível 3 de emergência, se rompam. Assim como no leito do Rio das Velhas, Itabirito ficou inundada com lamas de minério.    

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As comunidades próximas aos rios Paraopeba e Doce foram impactadas ainda mais com as enchentes. Os rejeitos presentes nas margens e leito dos rios subiram para regiões que não haviam sido contaminadas, aumentando assim o número de famílias e áreas impactadas pelo crime da Vale e da Samarco/Vale e BHP Billiton.

Os rios Itabirito, das Velhas, Paraopeba e Doce são historicamente castigados pela irresponsabilidade e ganância das mineradoras. Seus leitos estão carregados de rejeitos e assoreados pelos projetos predatórios de mineração. A dimensão dos estragos causados e a concentração de minério nas lamas da enchente nos mostra quem são os responsáveis por essas tragédias.

É, portanto, fundamental que seja apurada as evidências para que as mineradoras que atuam nessas regiões impactadas sejam devidamente responsabilizadas. Essas empresas, que promoveram os estragos, têm que arcar com a limpeza, reparação e recuperação de todas estruturas afetadas e danos causados.

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Milhares de pessoas estão em contato direto com a lama e expostas a diversas enfermidades. Mas o pior ainda está por vir. A permanência desses compostos torna os locais insalubres e a lama, ao secar, se torna poeira de minério e pode acarretar em uma série de problemas na saúde das comunidades.

Recorde de lucro para a mineração

Em 2021, a mineração bateu recorde de lucratividade. Enquanto milhares de famílias estimam suas perdas e batalham para retomar suas vidas, o capital mineral avança colocando em curso seu projeto de intensificar a mecanização nas minas, precarizar as condições e superexplorar o trabalho, ampliar as fronteiras de extração e aumentar as margens de lucro.

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Os rompimentos de barragens de rejeitos e as tragédias da mineração em Minas Gerais possuem em comum, além dos rastros de destruição, a impunidade aos responsáveis pelos crimes. É inadmissível, que diante de tantas evidências, parcela covarde do Judiciário mineiro ainda mantenha impune as mineradoras e governos que atuam deliberadamente de maneira corrupta, a serviço do projeto do capital. 

Neste momento, é fundamental que intensifiquemos os mutirões e campanhas de solidariedade para acolher e contribuir com o momento calamitoso que milhares de famílias estão enfrentando. Ao mesmo tempo, é preciso empenho dos diversos atores e instituições para que as mineradoras, que promoveram essas tragédias, sejam responsabilizadas e arquem com todo o prejuízo causado ao povo mineiro.

    

Luiz Paulo Siqueira é biólogo e coordenador estadual do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa