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Rodoanel não soluciona o problema do trânsito e agravará crise social e ambiental

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Megaprojeto passará por 14 municípios da RMBH. Governo Zema lançou edital antes de se ter o licenciamento ambiental - Foto: Alenice Baeta
Serão mais de 100 quilômetros de extensão e largura de 200 a 500 metros

O governo de Minas Gerais, de Romeu Zema (NOVO), lançou, em janeiro de 2022, o edital de licitação para empresas que queiram entrar na concorrência para construir o “Rodoanel” na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). A atitude é autoritária e eleitoreira, ouvindo muito o grande empresariado, falsos ambientalistas e com “farsas de audiências públicas”, ignorando as críticas e propostas de movimentos socioambientais e de militantes dos direitos humanos. Pior, sem comprovar a necessidade. 

Serão mais de 100 quilômetros de extensão e largura de 200 a 500 metros, com milhares de desapropriações de moradias e sítios, entre os quais se estima que estejam mais de dez mil moradias, 50 igrejas, 20 UPAs, dezenas de escolas, cemitério do povo escravizado em Santa Luzia, áreas ambientais, sítios históricos e arqueológicos e áreas próximas a muitos mananciais.

Crise hídrica em BH e RMBH já se tornou grave

O “rodoanel” será uma estrada da morte, rasgando 14 municípios da RMBH (Belo Horizonte, Betim, Brumadinho, Contagem, Ibirité, Mário Campos, Igarapé, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Confins, Ribeirão das Neves, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano).

 

Não há traçado bom

Trata-se de um megaprojeto de interesse do grande capital recheado de mentiras e manipulações. O traçado não passará ao redor da RMBH, mas a rasgará ao meio. Será na prática “um terceiro rodoanel”, pois o primeiro é a avenida do Contorno em Belo Horizonte; o segundo, o Anel Rodoviário. Após o “rodoanel” vão querer construir um quarto, quinto... “anel”. Recorde-se que ao construir a av. do Contorno e o Anel Rodoviário, o Governo de MG e a elite divulgaram que seria a solução para todos os problemas de trânsito, mas não foi. O “rodoanel” também não será.

Absurdo também é promover licitação antes de se fazer o licenciamento ambiental. Pior é que se diz no esboço de projeto que “a empresa licitada terá o direito de definir o trajeto final”. Isso é o Estado de joelhos diante dos interesses do grande capital.

Será na prática uma rodovia privada com o pedágio mais caro do Brasil

Qualquer alternativa de traçado de “rodoanel” na RMBH será devastadora socialmente, culturalmente, economicamente e ecologicamente. Defender apenas “melhorar” o trajeto, ajeitar aqui ou ali, é, na prática, apoiar a devastação que virá independentemente de qual seja o traçado. Defender só que não passe no “meu quintal”, “minha serra”, “meu bairro”, “minha cidade”, é miopia ambiental e postura cúmplice disfarçada de moderada, pois a RMBH é um só ecossistema, um só “corpo”. O que acontece com um membro reflete em todo o corpo.

 

Crise hídrica

Quando a Comissão liderada por Aarão Reis recomendou a construção da nova capital de Minas Gerais aos pés da Serra do Curral e do Curral Del Rey, um dos grandes motivos foi porque havia no final da década de 1890 mananciais na região capazes de abastecer uma cidade de até 3 milhões de habitantes. Porém, BH e as 34 cidades da RMBH têm hoje quase 6 milhões de habitantes, sendo a terceira maior região metropolitana do Brasil.

A crise hídrica em BH e RMBH já se tornou grave. Já são milhares de bairros das 34 cidades e periferia de BH que convivem com a escassez de água. No início de 2021, uma criança de 5 anos morreu atropelada por um caminhão pipa que estava abastecendo a Ocupação Vitória, com 5 mil famílias sem-água desde 2013, na região da Izidora, em BH.

O “rodoanel”, se construído, será hidrocida, porque levará BH e RMBH da grave crise hídrica ao colapso hídrico, pois irá rasgar brutalmente muitos mananciais, áreas de proteção ambiental, como toda a porção oeste da belíssima Serra do Rola Moça e a Área de Proteção Ambiental (APA) Lajinha em Ribeirão das Neves, por exemplo, e irá induzir mais ainda a já acentuada conurbação de BH e RMBH. Se 7 mil famílias se assentaram nas margens do Anel Rodoviário com apenas 27 Km, ao longo do “rodoanel” mais de 70 mil famílias se assentarão em ocupações legais ou ilegais.

 

Rodoanel não soluciona o problema do trânsito

É mentira dizer que o “rodoanel” vai “desafogar” e será a solução para os problemas de trânsito em BH e RMBH, por vários motivos: a) Não será uma rodovia pública, mas na prática privada com o pedágio mais caro do Brasil. Estima-se um pedágio acima de R$ 0,35 por quilômetro, o que resultará em um pedágio acima de R$ 70 para ir e voltar passando pelo “rodoanel”. Quem da classe trabalhadora ou da classe média poderá pagar este pedágio durante 5 ou 6 dias por semana?

E isso torna-se ainda mais grave, porque induzirá à cobrança de pedágios no Anel Rodoviário e até de grandes avenidas, o que irá piorar muito o trânsito em BH e RMBH.  Estima-se que apenas nos dois primeiros anos de funcionamento do “rodoanel” a empresa concessionária do “rodoanel” lucrará mais de R$ 2 bilhões com o pedágio.

Rodominério

O “rodoanel” também sufocará a agricultura familiar que (r)esiste na RMBH. Brumadinho, Ibirité, Ribeirão das Neves, Mário Campos e outros municípios da RMBH têm sido ao longo de muitas décadas um celeiro de produção de hortas e hortifrutigranjeiros, mas o “rodoanel” sacrificará muitos mananciais, induzirá a ocupação urbana nas suas duas margens e, assim, reduzirá muito a produção de alimentos na RMBH.

Também irá mutilar territórios de povos e comunidades tradicionais, como por exemplo, das comunidades quilombolas de Santa Luzia, no vale do rio das Velhas. Com o “rodoanel” teremos menos alimentos produzidos e maior infraestrutura para a ampliação da mineração em BH e RMBH, por isso o tal “rodoanel” é denominado de forma bem apropriada como “Rodominério”, porque pelo trajeto fica claro que será autoestrada para escoar a produção de minério, o que deixará BH e RMBH com veias abertas. Este projeto do governo Zema, se efetivado, vai incentivar a instalação e a expansão da mineração na RMBH, o que vai agravar muito a destruição socioambiental desta região.

O megaprojeto do rodoanel é inaceitável também, porque será construído com R$ 3,5 bilhões oriundos do acordão do Governo de MG com a mineradora Vale. Será cuspir na memória das 272 pessoas sepultadas vivas – martirizadas! - no crime da Vale em Brumadinho. É o uso do dinheiro sujo de sangue e de lama tóxica para fazer outro crime maior e continuado.

BH e RMBH e todo o quadrilátero ferrífero, que é também um quadrilátero aquífero, já padecem com mais de 300 anos de mineração devastadora. É urgente e necessário conquistarmos Mineração Zero em BH e RMBH. Construir “rodoanel” é pavimentar estrada para ampliar a mineração na região, o que é absurdo dos absurdos. Se continuar a mineração em BH e RMBH, teremos em breve a desertificação de toda a RMBH. As comunidades golpeadas pela mineração, as comunidades da periferia e as pessoas sensatas estão clamando: basta de mineração devastadora que está nos levando para um apocalipse final.

 

Solução

A solução para os problemas de mobilidade em BH e RMBH passa por três propostas imprescindíveis: 1) Ampliar o metrô de Belo Horizonte para várias cidades da região metropolitana; 2) Resgatar o transporte de passageiros por meio de trens das 34 cidades da RMBH, existente décadas atrás; 3) Melhorar o transporte público por meio de ônibus.

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A história recente do Brasil demonstra que tentar conciliar com os interesses do grande capital nos levou ao bolsonarismo que, com políticas fascistas e genocidas, está devastando o povo brasileiro e o meio ambiente. Urge construirmos cidades sustentáveis, sob o signo da Ecologia Integral, como exorta o papa Francisco. Enfim, o rodoanel é obra faraônica, eleitoreira, ecocida, hidrocida, cavalo de troia, estrada da morte, um caso típico de racismo ambiental.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos Carmelitas, doutor em Educação pela FAE/UFMG, agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas, e colunista do Brasil de Fato MG

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida