Paraná

Descaso

Em Curitiba, enchentes ocorrem sem ações para evitá-las ou atendimento adequado à população

"Não quero obras faraônicas, quero que eles limpem o rio”, diz morador

Curitiba (PR) |
Defesa Civil não foi ao Parolin e no atendimento do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) houve falta de informação e preconceito - Foto: Giorgia Prates

Numa rápida pesquisa no Google, é possível encontrar fotos de enchentes em Curitiba desde o começo dos anos 1900. Que se repetem em todas as décadas do século 20. E em praticamente todos os anos deste século. E não foi diferente em 2022. Em janeiro já ocorreram, pelo menos, inundações no Parolin, no Água Verde e outros bairros.

No Parolin, o morador Rafael Vieira relatou ao Brasil de Fato Paraná, no começo de janeiro: “A água tomou conta de toda a casa em cinco minutos. Tudo alagado com duas crianças pequenas, o desespero foi horrível. Perdemos alimentos, colchão e móveis. Ainda tem cheiro de esgoto no quarto das crianças. Com a pandemia, nossa situação já estava difícil e agora vamos perdendo tudo a cada chuva.”

Além da chamada “tragédia” (ou descaso, já que se repete todos os anos), a reportagem recebeu relatos de moradores que afirmam que, além dos estragos das chuvas, o atendimento da prefeitura foi falho. A Defesa Civil não foi ao Parolin e no atendimento do Centro de Referência da Assistência Social (Cras) houve falta de informação e mesmo preconceito.

Os moradores preferiram não falar com a reportagem neste momento, mas a assessoria da vereadora Carol Dartora (PT), que participou de reuniões com o órgão da prefeitura, relata que recebeu denúncias de moradores de que o Cras se negou dar um atendimento decente e representantes do órgão chegaram a dizer: “Vocês escolheram morar aqui, por que não se mudam? Se perdeu as coisas, agora tem de trabalhar para comprar outras...”

Para a vereadora, houve total falta de sensibilidade. “Na reunião no Parolin, minha assessoria acompanhou para fazer uma mediação, havia pedidos de roupas, de auxílio de emergência, que sequer é mencionado pelos funcionários, pedido para que a prefeitura fizesse alguma coisa. E nada. Houve até casos de leptospirose, e o Cras não deu orientação de que teria de ir ao médico”, denuncia.

Denúncias ao Ministério Público 

A vereadora fez denúncias ao Ministério Público sobre a situação, pedindo acompanhamento do órgão às ações da prefeitura.

“A gente pediu para o MP intervir porque a prefeitura, além de tudo, estava se negando a ter alguma medida emergencial, mesmo com os moradores chamando... A denúncia é bem completa, com diversas situações e especificidades locais. A gente pediu para o MP acompanhar, e ele fez uma Notícia de Fato e notificou a prefeitura para que ela se movimente”, complementa.

Carol Dartora ainda lembra que o período das fortes chuvas não se esgotou e que até março podem ocorrer situações ainda piores. “Não dá para imaginar pessoas que já têm tão pouco e todo ano perderem o pouco que têm por obras mal-executadas, mal pensadas, mal planejadas. [...] É absurdo uma cidade rica como Curitiba ter moradores morrendo por leptospirose”, conclui.


Vereadora levou denúncias ao Ministério Público / Foto: Giorgia Prates

"Quero que eles limpem o rio"

Na terça-feira (1º/2), Fabricio Rodrigues, presidente da Associação de Moradores da Vila Maria e Uberlândia, teve reunião com representantes da secretaria de obras e do departamento de pontes e drenagem da prefeitura para solicitar obras para evitar enchentes no Rio Vila Formosa, como a que já ocorreu este ano, levando 28 famílias a perderem tudo.

Segundo Fabrício, a resposta que obteve é que tem de solicitar as obras pelo programa Fala Curitiba, em que são votadas prioridades por regional da cidade a serem incluídas na lei orçamentária.

“Disseram que obras assim, espontaneamente, a prefeitura não faz. É uma consulta pública, depois vai para votação na regional para daí ver se passou ou não. Eles alegam que têm feito obras paliativas para conter as enchentes, mas isso foi em 2019 e estamos em 2022”, afirma.

Fabrício explica que as obras são urgentes porque os bairros estão no final de uma bacia que junta de seis a sete córregos, num afluente do Rio Barigui, e com a impermeabilização e o assoreamento a cada dia aumenta o fluxo de água.

“A prefeitura diz que não tem como ficar aprofundando o rio todo ano. A gente até compreende, mas quer uma solução. Eles sabem do problema e precisam tomar uma atitude... Todo ano a gente tem problema de enchentes, são mais de 35 anos e a prefeitura não faz nada. Não quero obras faraônicas, quero que eles limpem o rio”, conclui.


"São mais de 35 anos e a prefeitura não faz nada", diz morador / Foto: Fabrício Rodrigues

Outro lado

A reportagem do Brasil de Fato Paraná mandou perguntas sobre os alagamentos à assessoria de comunicação da Prefeitura de Curitiba.

Sobre as demandas levantadas por Fabrício Rodrigues, a prefeitura respondeu que a Secretaria Municipal de Obras Públicas realiza constante limpeza e desassoreamento do Rio Vila Formosa para prevenir alagamentos.

Mas ressalvou "que a região tem muitas moradias próximas ao curso de água, em área irregular, e um grande volume de entulhos e lixo são descartados com frequência nas margens e leito do rio, limitando sobremaneira a capacidade de escoar a água, principalmente em períodos chuvosos, causando alagamentos."

Sobre obras específicas no local, a nota enviada ao jornal informou que "para implantação de duas pontes de concreto no lugar das estruturas de madeira, foi informado que por se tratar de obra de investimento, a legislação exige que ela esteja prevista em Lei Orçamentária Anual ou que seja feita uma emenda parlamentar. Foi orientado o programa Fala Curitiba, que realiza audiências públicas anuais, com participação aberta à comunidade, que vota as obras prioritárias de sua região."

A nota complementa que "enquanto isso não acontece, já está programada a manutenção nas pontes de madeira atuais para reparar os estragos causados pelas últimas chuvas."

A prefeitura informou também que está realizando uma grande obra de controle de cheias do Rio Pinheirinho, coordenada pelo Departamento de Pontes e Drenagem da Secretaria Municipal de Obras Públicas. "Esta grande obra de engenharia vai beneficiar a população dos bairros Parolin, Lindoia, Fanny, Guaíra e Hauer. [...] Quando as três etapas estiverem concluídas a expectativa é reduzir o impacto das cheias na foz do Rio Pinheirinho, no encontro com o Rio Belém, beneficiando as famílias da região."

Por fim, a prefeitura ressaltou que a Fundação de Ação Social (FAS) presta atendimento a famílias em situação de vulnerabilidade social por meio dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras).

"Em janeiro, para atender demandas emergenciais das famílias do Parolin, decorrentes das fortes chuvas que atingiram a cidade - o Núcleo da FAS na Regional Portão abriu emergencialmente o CRAS Parolin, no dia 15/01 (sábado), das 20h às 22h30, e no dia 16/01 (domingo), das 8h às 12h. O atendimento emergencial e o monitoramento se estenderam ao longo da semana, com oferta de acolhimento, alimentação, colchões, cobertores, vestuários e kits de limpeza. Além disso, as equipes da FAS também monitoram, identificam e cadastram as famílias impactadas. No total, 172 famílias foram assistidas, 125 delas apenas no fim de semana."

Edição: Lia Bianchini