Minas Gerais

PARADIGMA

“O capitalismo é profundamente anticristão”, afirma Leonardo Boff

Teólogo defende Ecologia Integral, uma perspectiva que tem o pensamento do Papa Francisco

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Para ele a Ecologia Integral é uma exigência da própria fé cristã - Foto: Divulgação

Os seres humanos e a natureza são indissociáveis, mesmo quando, sob o capitalismo neoliberal, a interferência humana em seu ambiente se dá de maneira agressiva, predatória, destrutiva. As consequências, então, são sentidas na própria vida das pessoas, sobretudo as mais pobres. 

Para Leonardo Boff, essa situação só poderá superada reconstituindo a relação entre humanidade e o ambiente, de maneira solidária e respeitosa, numa proposta que ficou conhecida como Ecologia Integral. 

Tal visão de mundo influenciou o Papa Francisco, na carta Laudato Si (Louvado sejas) e é desenvolvida quase diariamente em publicações do blog do teólogo e escritor, em leonardoboff.org. 

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Em entrevista ao Brasil de Fato MG, Leonardo Boff sustenta que essa mudança de paradigma é um dos grandes desafios da humanidade no período atual, a fim de evitar novas catástrofes. Para ele, além disso, a Ecologia Integral é uma exigência da própria fé cristã. Confira.

Brasil de Fato MG - Catástrofes ambientais, destruição de bacias inteiras pela mineração e a pandemia dão a entender que a relação entre a humanidade e o ambiente alcançou o nível mais crítico na história. Por que chegamos a essa situação?

Leonardo Boff - Há uma profunda conexão entre a Terra e a Humanidade. É a visão que os astronautas nos transmitiram. De suas naves espaciais ou da Lua, Terra e Humanidade formam uma única entidade. Se a Terra adoece, nós humanos também adoecemos. Se tratamos bem a Terra, seus ecossistemas, nós passamos a ter mais saúde. 

Ocorre que, nos últimos dois séculos, com a superexploração dos bens e serviços naturais, muitos deles não renováveis, não temos respeitado os limites de suportabilidade da Terra. Não lhe temos dado tempo para se regenerar. Pior ainda: ocupamos 83% de sua superfície, não de forma amigável, mas destrutiva, desflorestando, poluindo as águas, envenenando os solos. O coronavírus é consequência de nosso avanço sobre as florestas, destruindo sua casinha. Desprotegidos, eles passam a outros animais e, deles, a nós. 

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A Terra é viva, nossa Grande Mãe. Agredida, responde com mais aquecimento global, com mais tufões, com mais enchentes e secas. Por isso, temos que fazer as pazes com a Mãe Terra: não queimar nada, não poluir os solos com agrotóxicos, preservar as nascentes com o plantio de árvores, economizar água. Caso contrário, vamos ter mais catástrofes como as inundações na Bahia, em Minas Gerais e secas do Rio Grande do Sul. O futuro da vida no planeta está em nossas mãos. Em vez de sermos os cuidadores da natureza, estamos destruindo as bases que sustentam nossa vida.

Qual o papel da política neoliberal nessa crise?

A política neoliberal é profundamente antiecológica. Na ecologia, o centro é ocupado pela vida. No neoliberalismo, é o lucro. Na ecologia, é a relação entre todos. No neoliberalismo, impera o individualismo. Na ecologia, vigora a cooperação entre todos. No neoliberalismo, a competição de todos contra todos. Na ecologia, se cuida da natureza. No neoliberalismo, se explora sem limites seus recursos. Por isso, o neoliberalismo traz muitas desigualdades que são injustiças e pecados contra Deus e seus filhos e filhas. A superação do neoliberalismo se faz por uma democracia participativa e uma bioeconomia ou economia que respeite a natureza e se destine ao bem-estar das pessoas, e não à acumulação.

Em face dessa realidade, o que é a ecologia integral?

Estamos acostumados com a ecologia verde, que cuida da natureza. Ela é importante, mas não é tudo. Existe a sociedade, que deve ser justa e respeitadora dos direitos humanos e dos direitos da natureza. Então, surge uma ecologia político-social. Existe a cultura e a educação e, aí, deve-se buscar uma ecologia que ensine a conviver em harmonia com a natureza e com as pessoas em suas diferentes culturas. Há uma ecologia espiritual que fornece os valores e as razões para cuidar da Casa Comum. A ecologia integral deve cobrir todas as áreas da realidade e garantir que sejam sustentáveis, quer dizer, que se mantenham e se reproduzam para a presente e as futuras gerações.

Em 2015, na Bolívia, o Papa Francisco declarou que o sistema capitalista é insuportável. Dá para conciliar a fé cristã com a manutenção da ordem capitalista?

O capitalismo é profundamente anticristão. Ele coloca todos os valores nos bens materiais, não é solidário com os que menos têm, comete duas injustiças, uma ecológica, devastando a natureza, e outra social, criando muitos pobres e poucos ricos. Superamos o capitalismo vivendo os valores evangélicos do amor incondicional para com as pessoas e o cuidado para com a natureza, a solidariedade entre todos, especialmente para com os empobrecidos, e uma abertura confiante a Deus, criador de todas as coisas. Disso nasce uma cultura alternativa mais humana, justa e espiritual.

 

Edição: Larissa Costa