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Para onde vai a riqueza produzida pelo trabalho?

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Fortuna dos 252 homens mais ricos do mundo é maior do que a riqueza de todas mulheres da África, América Latina e Caribe - Foto: AFP
21.300 pessoas morrem todos os dias por problemas derivados das desigualdades

O filósofo e economista escocês Adam Smith concluiu no seu clássico livro, A Riqueza das Nações, que toda a riqueza produzida pela humanidade é feita principalmente pelo trabalho. O trabalho, no entendimento de Smith, foi a primeira moeda inventada, pois sempre foi utilizado para realizar todos os meios de troca necessários.

O que seria equivalente a mais de um bilhão de pessoas

Para produzir, os economistas entendem que é necessária uma confluência de fatores de produção. Os fatores de produção constituem os meios necessários e que seriam combinados para gerar um bem ou serviço. Para os economistas clássicos esses fatores foram identificados como terra, trabalho e capital.

Terra, trabalho e capital

O fator terra sempre foi alvo de disputa entre pessoas de diferentes regiões do planeta desde que as sociedades começaram a se fixar e desenvolver a agricultura. Até os dias atuais continua a ser alvo de disputas por estar extremamente concentrado sob o poder de poucas pessoas, principalmente em países como o Brasil.

O fator de produção capital, que também é extremamente concentrado nas mãos de poucos indivíduos, é utilizado para ser emprestado para realizar a produção dos itens necessários para as pessoas.

Riqueza e recursos há em abundância no mundo para garantir uma vida digna a todos

O trabalho é o fator que é melhor distribuído, pois é esse fator que praticamente todas as pessoas podem oferecer para a produção de bens e serviços necessários para a vida em sociedade.

Smith entendia que a terra e o capital não garantiam a riqueza de uma nação sem que houvesse pessoas competentes para trabalhar, com inteligência para garantir o uso eficiente da terra e do capital para elevar a produção das nações. O acúmulo de metais preciosos como ouro e prata, também eram considerados insuficientes para garantir a riqueza de um povo, pois seria necessário competência para extrair os metais com boas doses de trabalho.

Divisão e exploração do trabalho

Outra teoria bastante famosa do economista escocês se relaciona à divisão do trabalho, em que foi observado que se for feita uma subdivisão de trabalho em subtarefas, entre diferentes trabalhadores, seria fundamental para elevar a produção, quando se compara com a produção realizada por um indivíduo em que este realiza todas as etapas do processo produtivo.

Posteriormente, Karl Marx percebeu que a produção feita pelos trabalhadores vinha sendo apropriada pelos detentores de terra e capital. Esse processo de acumulação de capital se dava pela exploração dos detentores dos meios de produção sobre os trabalhadores, que só tinham esse fator de produção para oferecer para o sistema produtivo.

É fundamental melhorar a distribuição da riqueza que é produzida pelo trabalho

Marx e Engels criticaram economistas burgueses como Smith e David Ricardo, pois eles não consideravam adequadamente a exploração do trabalho pelos detentores dos meios de produção. Apesar da luta dos trabalhadores para terem uma vida mais digna e terem até conseguido algumas vitórias, quando se compara com a qualidade de vida observada no século XIX, por exemplo, a riqueza continuou extremamente concentrada em poucos indivíduos ao longo dos séculos.

Desigualdade mata

Nos dias atuais a concentração de riqueza encontra-se em níveis insustentáveis, pois poucas pessoas conseguem concentrar a maior parte da riqueza produzida pelos trabalhadores.

Para se ter uma ideia do nível de concentração, o último relatório publicado pela Oxfam em janeiro de 2022, sob o título de A Desigualdade Mata, estima que a fortuna dos 252 homens mais ricos do mundo é maior do que a riqueza somada de todas as mulheres e meninas da África, América Latina e Caribe, o que seria equivalente a mais de um bilhão de pessoas. Isso não ocorre por acaso, pois essa discrepância é resultado de políticas públicas que favorecem os mais ricos que continuam ganhando e acumulando mais capital.

Se os 10 homens mais ricos do mundo gastarem um milhão de dólares por dia, estima-se que levarão 414 anos para acabar com toda a fortuna acumulada. Isso levaria gerações de descendentes para acontecer. Essa indecência levou com que os próprios ricos lançassem um manifesto em que pedem que os estados taxem as grandes fortunas, pois a situação se tornou incontrolável. O Relatório ainda estima que 21300 pessoas morrem todos os dias por problemas derivados das desigualdades. Isso seria uma pessoa a cada 4 segundos em média.

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No relatório da riqueza mundial publicado pelo Banco Credit Suisse é informado que as pessoas que compõem os 1% mais ricos da população adulta mundial, conseguem concentrar cerca de 45% da riqueza do planeta. Ladislau Dowbor, no livro A Era do Capital Improdutivo, observa que esses números consideram apenas declarações oficiais e acredita que é muito provável que as pessoas que representam os 1% mais ricos, possuem o equivalente da riqueza dos 99% mais pobres, pois devem ter muitos valores não declarados e sonegados em paraísos fiscais. Um mundo em que a riqueza produzida pelo trabalho é apropriada por tão poucas pessoas, não é de forma alguma sustentável.

Riquezas e recursos em abundância

Assim a riqueza que é produzida pelo trabalho, é concentrada em poucas pessoas, que usam todas as justificativas possíveis e impossíveis de serem sustentadas histórica e ideologicamente. Ao longo de séculos, foram utilizadas justificativas como providência divina, meritocracia, vontade de Deus, inteligência superior e outros artifícios para legitimar as desigualdades entre as pessoas. Portanto, é possível concluir que a produção da riqueza do trabalho, só está servindo para fazer os ricos ficarem cada vez mais ricos.

Apesar de Thomas Piketty concluir em seu livro Capital e Ideologia que ao longo dos séculos a concentração de riqueza vem diminuindo, ainda estamos longe de oferecer uma vida digna para todas as pessoas, especialmente no Brasil, que é um dos países mais desiguais do mundo. Também é possível constatar que o capital financeiro apresenta níveis de crescimento mais elevados que os frutos do trabalho, pois conseguem se apropriar da riqueza produzida pelos trabalhadores.

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Riqueza e recursos há em abundância no mundo para garantir uma vida digna a todos os habitantes, mas a concentração nas mãos de poucos indivíduos faz com que grande parte da população mundial tenha que viver na indigência, com falta de alimentos, condições inadequadas de saúde e pouco acesso a serviços básicos que garantam a cidadania plena.

É fundamental a sociedade contemporânea repensar formas de melhorar a distribuição da riqueza, que é produzida pelo trabalho, mas apropriada e concentrada por poucas pessoas poderosas que detém o capital. Resolver essas questões é imprescindível para construir um mundo mais digno para a maioria dos habitantes do planeta.

Davyson Demmer Guimarães Barbosa é economista formado pela UFSJ, mestrando em Educação Tecnológica pelo Cefet-MG e Diretor de Imprensa do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida