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Bicentenário: Brasil, suas veias abertas e a agroecologia

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"É fundamental reafirmar nossas veias abertas para a agroecologia" - Foto: Getty Images/iStockphoto
Modo de vida originário dá base para luta contra mudanças climáticas

No livro “As veias abertas da América Latina”, Eduardo Galeano apresenta o roubo do ouro, da cultura e das riquezas latinas durante a colonização espanhola. No caso brasileiro, nossas veias se abriram à colonização portuguesa, que nunca tratou esse solo como terra de morada, mas sempre como local de exploração.

Essa relação perdura no Brasil desde os seus diferentes processos de exploração econômica ou nos diferentes projetos de desenvolvimento e de modernização. Passamos pela exploração do pau brasil à plantation de cana de açúcar, pela extração de nossa riqueza mineral que moldaram nossa paisagem e cultura. Destruíram a biodiversidade em troca de latifúndios e monoculturas, comodities para exportação, enquanto a população se encontra em situação de fome e insegurança alimentar.

Modo de vida originário dá base para luta contra mudanças climáticas

Segundo o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, realizado em 2020, 55,2% dos domicílios brasileiros conviviam com a insegurança alimentar e 19 milhões passavam fome.

Agroecologia

Apesar das transformações ocorridas, nos últimos 150 anos, no sistema agroalimentar mundial, povos conservaram suas práticas, advindas de outros tempos e com um conhecimento que nos parece estranho, pela forma que estabelecem a relação ser humano natureza. Fogem aos padrões das interações produzidas numa sociedade marcada pela modernidade capitalista.

É justamente no modo de vida originário desses povos, que reside a base capaz de promover processos e interações ecológicas que minimizem os efeitos provocadas pelas mudanças climáticas, resultado do modelo de agricultura industrial capitalista. Portanto, é da análise de sistemas tradicionais de agricultura e de formas de interações econômicas e ecológicas produzidas por populações indígenas, camponesas, quilombolas, homens, mulheres e juventudes que surge a ciência da agroecologia.

Chegamos no século XXI com um quadro assustador

Essa ciência produz conhecimentos sobre o manejo e desenho dos agroecossistemas, de forma que estes sejam sustentáveis, em termos de fluxos de energias e materiais. Portanto, defender a agroecologia também significa defender territórios indígenas, os territórios quilombolas, os territórios camponeses pela relação ecológica que essas populações estabelecem para garantir sua existência, conservando a agrobiodiversidade.

Educação do Campo

Para que os conhecimentos sobre essas práticas conservacionistas permaneçam, é preciso que haja território, onde se produz cultura, trabalho e a vida. É necessário também que haja educação. Nesse sentido, a educação do campo tem uma contribuição enorme ao promover uma educação contextualizada na qual a agroecologia se insere como matriz pedagógica.

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No entanto, chegamos no século XXI com um quadro assustador. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Entre 2003 e 2013, 29.459 escolas foram fechadas no campo brasileiro.  Compreender esse fenômeno social, em um contexto mais amplo, significa reconhecer a consequência do modelo de campo excludente, que apropria dos territórios camponeses, indígenas e quilombolas para produção de mercadoria.

Movimentos sociais do campo tem nos ensinado como é possível construir experiências educativas inseridas na dinâmica das lutas sociais promovidas para o acesso à terra, ao território e ao alimento. Da mesma forma, nos mostram como a agroecologia pode se estabelecer enquanto um modelo de campo baseado na agricultura camponesa.

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Por isso, nesse bicentenário, é importante lembrarmos da nossa história de colonização, mas é fundamental reafirmar nossas veias abertas para a agroecologia.

 

Márcio Gomes da Silva é professor do curso de Licenciatura em Educação do Campo na Universidade Federal de Viçosa (UFV)

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*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida