Minas Gerais

Coluna

Mais transporte público, mais acesso à saúde

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De acordo com a proposta, alguns centros seriam demolidos e reconstruídos no mesmo lugar, enquanto outros seriam construídos em novos locais - Créditos: Tarifa Zero
A reestruturação da rede de saúde precisa ser planejada e acompanhada da oferta de transporte públic

Em agosto de 2021, escrevemos aqui sobre a - ainda em vigor - reestruturação de equipamentos da rede municipal de saúde de Belo Horizonte.

Discutimos a falta de diálogo do poder público com algumas comunidades, principalmente sobre a localização e acesso aos equipamentos por meio de transporte público.

A reestruturação previa obras e mudanças em 40 centros de saúde, cerca de 25% do total dos equipamentos no município.

Com a precarização do sistema de transporte público, os ônibus não passam ou demoram

De acordo com a proposta, alguns centros seriam demolidos e reconstruídos no mesmo lugar, enquanto outros seriam construídos em novos locais. Até então, 17 das 40 obras haviam sido concluídas. Hoje são 29, de acordo com informações disponibilizadas na página da Prefeitura.

As novas unidades possuem estruturas ampliadas, são totalmente acessíveis às pessoas com mobilidade reduzida e, obviamente, são muito bem-vindas pela população.

Porém, argumentamos que nos causava preocupação - e ainda causa - a mudança de local de alguns equipamentos, dada a distância significativa em relação ao anterior, podendo piorar o acesso aos equipamentos por caminhada ou ônibus.

O aumento no tempo de deslocamento ocorreu justamente em bairros mais vulneráveis

De acordo com indicadores do Projeto Acesso a Oportunidades, do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2019, Belo Horizonte possuía as maiores desigualdades de acesso por transporte coletivo (ônibus) a equipamentos de saúde, quando comparado com capitais como São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Recife e Rio de Janeiro.

O resultado também é ruim considerando somente os equipamentos de baixa complexidade, que incluem os centros de saúde.

Identificando áreas de piora no deslocamento

Ainda na coluna de agosto, destacamos algumas mudanças de equipamentos questionadas por moradores, devido à distância do novo local e à falta de diálogo da Prefeitura. Dentre elas, as que ocorreram nos bairros Confisco (Regional Pampulha), Vila Maria (Nordeste), Paulo VI (Nordeste) e Havaí (Oeste).

Posteriormente, em novembro de 2021, moradores do bairro Ribeiro de Abreu (Nordeste) também protestaram contra a mudança do Centro de Saúde MG-20 para o Bairro Maria Tereza (Norte), distante mais de 2 km do local anterior. Segundo moradores, a única linha de ônibus que atende o novo local demora e a maioria dos usuários são pessoas idosas.

A piora no deslocamento se confirma não só nesses locais, mas em vários outros.

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Comparando as rotas de deslocamento por ônibus até os centros de saúde antes e depois das reestruturações, identificamos pelo menos 19 áreas onde ocorreu - ou ainda ocorrerá, caso a obra não esteja concluída - aumento no tempo de deslocamento até o novo local do equipamento. Ou seja, praticamente em metade das 40 intervenções propostas.

Algumas áreas são bastante significativas, englobando vários bairros. O mapa a seguir apresenta todas elas, inclusive as citadas anteriormente.


 

 

Por mais que moradores do entorno dos novos locais dos equipamentos sejam beneficiados com a diminuição no tempo de deslocamento, é preciso fornecer alternativas para que os moradores próximos aos locais anteriores não fiquem prejudicados, acentuando ainda mais a desigualdade de acesso deste serviço no município.

Em vários bairros, a comunidade pediu que a Prefeitura disponibilizasse mais linhas de ônibus, mas em poucos a demanda foi atendida. Nos bairros Havaí, Vila Havaí, Ventosa, Vila Barão e Salgado Filho, moradores chegaram a apresentar uma proposta de linha de vilas e favelas que conectasse todos os bairros e o local do novo equipamento, mas não foram atendidos.

Para Flávio, morador do Salgado Filho e representante na CRTT Oeste (Comissão Regional de Transportes e Trânsito), a mudança aumentou quase 1 km em uma subida sem passeios, impossibilitando a inúmeros usuários acesso ao novo posto de saúde.

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“A PBH precisa encontrar uma solução, saúde é um direito e as dificuldades representam um descaso com idosos e demais pessoas. A linha proposta é uma maneira de integração de toda a região”, afirma ele.

Cabe ressaltar que a mudança neste local é um exemplo da provável piora na desigualdade de acesso ao equipamento.

O aumento no tempo de deslocamento ocorreu justamente em bairros mais vulneráveis, enquanto a redução do deslocamento ocorreu em áreas do bairro Buritis, menos vulnerável e de maior renda, segundo os dados do IBGE.

No gráfico abaixo, é possível comparar o tempo que os moradores dessas áreas gastavam para acessar os locais de saúde com o tempo que vão gastar agora.

No bairro Paquetá, por exemplo, antes da mudança de local, moradores demoravam 20 minutos em ônibus em média para chegar até o centro de saúde. Agora demorarão 24.

No bairro Confisco, com menor oferta de ônibus, moradores acessavam o centro de saúde em menos de 5 minutos. Com a mudança de local para o bairro Bandeirantes, demorarão em média 23.

Como comparação, na região interna da Avenida do Contorno, com maior oferta de transporte público, o tempo médio de deslocamento até um centro de saúde é de 13 minutos.  


 

 

Considerando todos estes locais a média anterior de deslocamento era de 12,5 minutos. Após as mudanças será de 16,3 minutos.

Parece pouco, mas é significativo, principalmente considerando que nessas áreas moram mais de 100 mil pessoas, sendo 62% pessoas negras, de acordo com dados do IBGE.

Sabemos que esse tempo médio muitas vezes é maior: com a precarização do sistema de transporte público, os ônibus não passam ou demoram por causa do turno ou final de semana.

Afirmamos novamente: a Prefeitura parece ignorar que acesso à saúde é mais do que construir novos equipamentos.

A reestruturação da rede de saúde precisa ser planejada e acompanhada da oferta de transporte público. Não adianta postar nos stories a inauguração de novos e belos centros de saúde se a população levará muito mais tempo para chegar até eles.

 

Bill é integrante do Tarifa Zero BH.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

 

Referências utilizadas nesta coluna:

PPP - Atenção Primária

BH Map - SMSA/Centros de Saúde.

Portal de Dados Abertos da PBH - BHTRANS/GTFS Estático do Sistema Convencional.

Projeto Acesso a Oportunidades: Pereira, R. H. M., Braga, C. K. V., Serra, Bernardo, & Nadalin, V. (2019). Desigualdades socioespaciais de acesso a oportunidades nas cidades brasileiras, 2019. Texto para Discussão Ipea, 2535 . Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Available at http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/9586.

r5r: Pereira, R. H. M., Saraiva, M., Herszenhut, D., Braga, C. K. V., & Conway, M. W. (2021). r5r: Rapid Realistic Routing on Multimodal Transport Networks with R5 in R. Findings, 21262. https://doi.org/10.32866/001c.21262.

Edição: Ana Carolina Vasconcelos