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Crônica | Bugigangas

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Ele adoeceu. Entrou em depressão. Começou a fazer terapia de grupo no posto de saúde perto da sua casa. Contou que se sentia um “lixo” - Foto: Mabscoito/Creative Commons
Casaram-se ainda jovens, mas os problemas ficaram piores com o envelhecimento dos dois

O pau quebrou naquele apartamento minúsculo de 27 metros quadrados. Ficava num bairro conceituado de classe média. Era tudo que os dois tinham. Ela sempre o acusava de ser preguiçoso por não ter tido uma vida mais próspera como a dos irmãos de ambos. “Só eu trabalho duro nessa casa, só eu coloco comida na mesa”.

Eles eram os “primos” pobres da família. Casaram-se ainda jovens. Ela, uma moça muito bonita de uma família muita rica. Muito disciplinada. Tocava piano. Viajava todo ano para passar as férias na Europa. Falava inglês, francês, espanhol e arranhava um alemão. Amava psicanálise.

Ela o conheceu numa calourada das ciências humanas. Ele tocava violão muito bem. Ele também vinha de uma família de posses. Só que falida. Sua família tinha uma rede de escolas de datilografia nos anos 1970 e 1980. Com a chegada do computador e da internet, veio a derrocada. Seu pai ajudou acabar com a fortuna apostando em corridas de cavalos e farras intermináveis.  

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Ele sempre sonhou em ser artista famoso. Ela sempre sonhou em ser uma grande cientista e professora.

Os problemas ficaram piores com o envelhecimento dos dois. Eles não viajavam. Não tinham plano de saúde. Não participavam de vernissage e nem comiam fora.  

Ela cada vez mais “brigona” com ele.

- Você é um lixo. Nunca trabalhou. Só ficou escrevendo bobagens a vida toda e amontoando bugigangas. Olha a vida que nós levamos! Toca esse violão o dia inteiro. O que você ganha com esses seus textos? Não dá para fazer a feira do mês. Já deu para mim. Vou morar com a minha irmã riquíssima.

Bateu a porta e foi embora.  Ele adoeceu. Entrou em depressão. Começou a fazer terapia de grupo no posto de saúde perto da sua casa. Contou que se sentia um “lixo”. Não tinha dinheiro. Que só tinha um amontoado de bugigangas. Ele melhorou. Fez amizades. Começou a sorrir.

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Um dia de muita chuva e um trânsito infernal, ela foi atropelada por um carro em alta velocidade, em uma avenida muito movimentada e arremessada muitos metros à frente.

Por sorte, caiu em cima de um amontoado de bugigangas de um morador em situação de rua que lhe salvou a vida. Saiu sem um arranhão. Foi acordar no velho apartamento de 27 metros quadrados, com todo aquele amontoado de bugigangas.

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa