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UEMG em greve: a luta dos docentes é de todos nós

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Pela dignidade dos trabalhadores, pela valorização da educação e em defesa da função social da universidade pública e gratuita, a greve se mostra justa e necessária - Foto: Reprodução ADUEMG
Muitos docentes especialistas, contratados para 20 horas semanais, ganham menos de um salário mínimo

Por Wallace Faustino, Daniela Paiva e Luiza Dulci

Os docentes da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) estão em greve desde o dia 15 de março de 2022. A pauta de reivindicações inclui a demanda por reajuste do salário e a defesa das condições de trabalho e de produção científica pela comunidade acadêmica.

Comparada com outras Instituições de Ensino Superior (IES) no Brasil, a UEMG é relativamente jovem, tendo sido fundada em 1989. Nos 32 anos de vida, a universidade vem consolidando sua produção científica e tem se revelado um importante ator no desenvolvimento de nosso estado. Os números não nos deixam mentir: são mais de 23 mil alunos, 1500 professores e 600 técnicos administrativos em educação.

Nota-se ainda que aproximadamente 11,5% dos alunos matriculados no ensino superior, na modalidade presencial, em Minas Gerais são da UEMG – o que corresponde a cerca de 5% das matrículas em universidades estaduais do Brasil, considerando uma lista que inclui Uerj, Unicamp e USP, segundo dados do EducaSenso.

A UEMG  forma professores para as redes pública e privada de ensino básico e superior, bem como profissionais das mais diversas áreas. Produz ciência e conhecimento, dinamiza a economia e promove o desenvolvimento das regiões de Minas onde se faz presente. Qual a relevância dessa distribuição geográfica? São 21 unidades, distribuídas em 17 municípios mineiros, que constituem polos de conhecimento no estado.

Apesar da relativa precariedade de alguns prédios e outros equipamentos da universidade – o que certamente impacta o andamento das atividades científicas – cabe ressaltar que a UEMG possui uma capacidade expressiva em termos de estrutura física e da própria rede de professores, técnicos e estudantes de graduação e pós-graduação, assim como da variada gama de serviços que gira em torno das unidades.

Falta investimento

Mesmo com toda essa relevância acadêmica, econômica, social e cultural, os investimentos aportados pelo governo de Minas não têm se mostrado suficientes para manter e expandir o potencial da universidade. Quando considerados os editais dos concursos para docentes dos últimos anos, desde 2012 não houve melhorias nos valores das remunerações.

Na prática, essa paralisia salarial representa perdas reais, haja vista que, conforme o Dieese, a inflação acumulada no período foi de 71%, que o salário mínimo foi reajustado em 77% e que o preço da cesta básica aumentou 105%. Em razão disso, enquanto em 2012 um docente da UEMG com título de doutorado comprava 24 cestas básicas com o salário de referência da universidade, atualmente apenas 12 cestas podem ser adquiridas. A desvalorização é evidente – e a recomposição salarial é, dessa forma, urgente.

A atenção com os professores é essencial para a valorização de qualquer instituição de ensino, sobretudo as escolas públicas, que ofertam educação gratuita para a população. Cabe a essas instituições desenvolver linhas de pesquisa e projetos de extensão com capacidade de extrapolar os muros das universidades e produzir inovação tecnológica e desenvolvimento a partir das mais diversas áreas do conhecimento.

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Vejamos: o município de Passos, no Sudoeste de Minas, possui curso de medicina da UEMG. Qual poderia ter sido o papel da unidade de Passos no combate à pandemia da covid-19 se houvesse mais investimento nos professores, técnicos e na unidade de saúde de Passos de maneira geral?

Não é difícil imaginarmos outras contribuições semelhantes, considerando a diversidade de cursos de graduação e pós-graduação existentes na UEMG. Qual pode ser o papel dos cursos de tecnologia em gestão ambiental (Ituiutaba), biomedicina (Passos), ciências sociais (Barbacena), comunicação social (Frutal, Passos, Divinópolis), das várias engenharias (distribuídas por Divinópolis, Frutal, Ituiutaba, Passos, João Monlevade), serviço social (Abaeté, Cláudio, Carangola, Divinópolis, Passos e Poços de Caldas), tecnologia em cinema e animação (Carangola/Cataguases), música (Belo Horizonte), designs (BH e Ubá) e tantos outros se houver mais investimento e a real valorização da UEMG?

Se bem articulada e apoiada, a UEMG pode contribuir para alavancar o desenvolvimento de Minas, em sintonia com os desafios sociais e ambientais do século 21.

Desvalorização dos profissionais

A greve dos docentes confere relevo a uma questão sensível: a forma de contratação dos professores. Ainda hoje, parcela expressiva dos docentes da UEMG encontra-se na condição de “convocados”. Ou seja, são profissionais com vínculos precários, cujo contrato é renovado anualmente por meio de um processo seletivo simplificado.

Essa condição gera insegurança e dificulta o engajamento dos docentes em projetos de pesquisa e extensão de médio e longo prazos – precisamente os perfis de projeto com maior potencial inovador e transformador. À insegurança no vínculo com a universidade, soma-se à insegurança de renda, outro fator que dificulta o desenvolvimento de pesquisa e extensão no âmbito da UEMG.

Com salários baixos, insuficientes para manter padrões mínimos de vida para os docentes e suas famílias, muitos professores precisam buscar fontes de renda alternativas, para complementar o orçamento familiar. É grande o número de docentes contratados para jornadas de 20 horas semanais, com nível de especialista. Esses chegam a ganhar menos de um salário mínimo, conforme apontam dados do Portal da Transparência do Governo de Minas Gerais.

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Por tudo isso, a luta pela recomposição salarial – aliada à demanda pela incorporação das gratificações aos salários-base – é um dos itens mais importantes da pauta dos grevistas. O adoecimento físico e mental dos docentes, tão comum, sobretudo em tempos de pandemia, escancara a gravidade e a precariedade da situação, pois a licença médica garante apenas a remuneração mínima prevista na folha, ou seja, não inclui as gratificações. No caso de docentes “convocados”, temporários, a base de cálculo é inferior a um salário mínimo.

Pela dignidade dos trabalhadores, pela valorização da educação e em defesa da função social da universidade pública e gratuita, a greve se mostra justa e necessária. A UEMG deve ser vista como um patrimônio público de todos os mineiros. Eis a urgência da greve.

Wallace Faustino e Daniela Paiva são professores da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG)/Barbacena.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa