Rio Grande do Sul

ESVAZIAMENTO

Reestruturação da Agência Nacional de Transportes Terrestres deixa setor e servidores em alerta

Transferências forçadas e extinção de Unidades Regionais no RS e no MA são algumas das críticas apontadas por servidores

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Servidores afirmam que mudanças propostas pela diretoria da ANTT não têm embasamento técnico e esvaziam a fiscalização existente - Foto: Reprodução/ ANTT

A reestruturação anunciada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), prevista para ser votada pela diretoria da Agência nesta quinta-feira (7), preocupa os servidores e servidoras do órgão. Em nota endereçada a instituições representativas, eles apresentam sua insatisfação com a forma como está sendo conduzido o processo, que segundo eles “tende a impactar direta e significativamente centenas de servidores em todo território nacional”.

O texto afirma que está ocorrendo “o esvaziamento da fiscalização atualmente existente”, apresentando os impactos e riscos da reestruturação, que extingue Unidades Remotas, Postos de Fiscalização e Unidades Regionais. Destaca que não foram constituídas comissões internas ou externas para debater a proposta, que “atinge usuários e mercado regulado de forma que uma consulta pública seria bastante adequada para legitimar o processo”.

Uma das mudanças criticadas é a extinção de Unidades Remotas pela diretoria da ANTT, que “criou uma insegurança jurídica sem precedentes na história da Instituição” ao transferir forçadamente colegas para Brasília “sem qualquer procedimento que fosse pautado sobre os princípios constitucionais da isonomia, do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade”. Afirma que coube aos servidores somente “aceitar a adoção ou não do Regime de Trabalho Remoto”.

Em nota da ANTT divulgada pelo Correio do Povo, a Agência justifica que o objetivo da reestruturação é “compatibilizar a força de trabalho da agência a uma nova realidade de infraestrutura do país e aproximar os servidores dos seus locais de atuação”.

Relevante no transporte internacional, RS pode ficar sob fisco de SC

Os servidores criticam ainda o encerramento das Unidades Regionais do Rio Grande do Sul e do Maranhão. “O nosso entendimento é de que as propostas carecem igualmente de uma fundamentação técnica robusta”, diz a nota. A mudança prevista para o RS rebaixa a Unidade Regional, transformando em quatro escritórios, um em Porto Alegre e um em Pelotas.

O tema foi debatido na Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização da Assembleia Legislativa do RS, em 31 de março. A convite do deputado Edegar Pretto (PT), servidores participaram da audiência, quando pediram apoio dos deputados para rever a decisão do governo federal de fechar a Unidade.

Na ocasião, os servidores ressaltaram que a Unidade Regional atua na fiscalização e acompanhamento de concessões rodoviárias em 1.550 quilômetros, 380 linhas de passageiros, operadas por 38 empresas, transporte fretado, transporte de cargas, transporte de cargas perigosas e combate ao transporte clandestino.

A reportagem do Brasil de Fato RS conversou com um servidor que atua na Unidade Regional do RS, que preferiu não se identificar. Segundo a fonte, não há respaldo técnico algum para a reestruturação e a extinção da Unidade do RS, que vai trazer prejuízos à prestação de serviço de transporte no estado.

“A mudança reduz consideravelmente a estrutura e ficaríamos sob fiscalização de Santa Catarina”, afirma, destacando a relevância do estado na questão de transportes: “O RS é a porteira do Mercosul, temos um papel estratégico no transporte internacional, temos o quarto maior PIB do Brasil”.

A fonte destaca os diversos apoios que os servidores receberam nos últimos dias, desde deputados estaduais e federais a vereadores de municípios gaúchos e entidades do setor. “Com o fechamento da Unidade, quem perde é o estado do Rio Grande do Sul. Queremos o fortalecimento da fiscalização da ANTT, esse é o nosso objetivo, mas não nas custas do RS”, finaliza

FECAM-RS expressa preocupação

A Federação dos Caminhoneiros Autônomos do RS (FECAM-RS) manifestou preocupação com as notícias da extinção da Unidade Regional da ANTT no RS. Em nota, a entidade afirma reconhecer que a ANTT tenha a necessidade de abrir unidades em outras regiões do Brasil, como vem sendo exposto, mas salienta que o Rio Grande do Sul representa uma das principais rotas de transporte de cargas e passageiros no país, além de ter a maioria dos postos de fronteira (36,6%).

O presidente da FECAM-RS, André Costa, avalia que a possibilidade da troca da unidade para Santa Catarina não parece ter embasamento, visto que o estado representa muito menos em malha rodoviária e ferroviária. Ele também salienta a importância do trabalho de fiscalização da ANTT, o que garante a segurança dos transportadores autônomos de cargas.

“O trabalho de quem dirige pelo estado depende também da eficiência da Unidade Regional e que ela esteja próxima e acessível. Ainda não temos nenhuma justificativa relevante para essa mudança, que com certeza vai afetar a segurança nas rodovias”, explica o presidente na nota.

Nota dos servidores da ANTT

Às Instituições Representativas dos Servidores da ANTT

Nós, servidores efetivos e específicos da Agência Nacional de Transportes Terrestres, vimos pelo presente apresentar nosso mais profundo lamento e insatisfação pela forma como está sendo conduzido o processo de Reestruturação da Agência, o qual tende a impactar direta e significativamente centenas de servidores em todo território nacional.

Ao longo das últimas semanas, os servidores desta Autarquia têm observado diversas especulações, mais recentemente concretizadas em atitudes já adotadas pela Diretoria-Geral, e outras com propostas já publicamente apresentadas, acerca do encerramento de atividades de Unidades Remotas, Postos de Fiscalização e Unidades Regionais.

Em relação às Unidades Remotas, é importante reconhecer o ganho de eficiência à Administração Pública e o impacto positivo nos serviços prestados à sociedade dos trabalhos realizados por esses órgãos da ANTT, onde colegas, das mais diversas localidades, poderiam executar seus trabalhos com a tecnicidade que é característica dos servidores desta Agência Reguladora, contribuindo com o aprimoramento da Coisa Pública. Uma inovação que garantiu sobremaneira economia de recursos públicos e aplicação direta de mão de obra altamente especializada em assuntos que sempre mereceram uma atenção especial por parte da Instituição.

Surpreendentemente, a Diretoria da ANTT não apenas extinguiu as Unidades Remotas, mas criou uma insegurança jurídica sem precedentes na história da Instituição, removendo formalmente colegas a Brasília sem qualquer procedimento que fosse pautado sobre os princípios constitucionais da isonomia, do devido processo legal, da razoabilidade e da proporcionalidade. Coube somente aos servidores aceitar a adoção ou não do Regime de Trabalho Remoto.

A Administração não soube dimensionar o impacto da medida, que deixa praticamente o servidor refém de seu gestor, o qual pode, a qualquer momento, retirar do servidor a possibilidade do Trabalho Remoto, levando a necessidade de realmente ter transferido o seu local físico de trabalho para Brasília.

O procedimento de alocação eficiente da força de trabalho é adequado as reais necessidades do Estado, entretanto, a forma e os instrumentos que foram utilizados nessa particular situação são de causar espanto a qualquer pessoa com um senso crítico médio. Há inúmeros exemplos na própria Administração Pública Federal que poderiam ser bem aplicados. Nada impediria, a título de exemplo, a adoção de uma estrutura administrativa híbrida, onde o servidor responderia hierarquicamente a uma estrutura regional geograficamente estabelecida e a outra estrutura funcional, para quem, de fato, prestaria o seu serviço.

Os servidores reivindicam a anulação de todas as Portarias de Remoção dos colegas, em função de ferirem diretamente os princípios constitucionais já elencados, sob pena de serem desconstituídos pelo Poder Judiciário. Solicitam ainda à Administração da ANTT que abra amplamente o debate de forma a possibilitar uma execução de uma proposta que venha a atender de forma robusta o interesse público, sem que seja totalmente desprezado o fator humano desta equação.

Os servidores que assinam esta nota, veem com real preocupação os desdobramentos inerentes aos atos administrativos que estão prestes a serem realizados pela Diretoria Colegiada da ANTT.

Parece-nos claro que a Administração Pública é detentora de Poder Discricionário para alocar os seus recursos da forma que entenda ser mais adequados para o atingimento do interesse público. Entretanto, qualquer ato discricionário, especialmente em questões que envolvam amplas modificações da estrutura do Poder Público, deve ser devidamente motivado. Ademais, o atendimento aos princípios que regem a Administração Pública deve ser plenamente maximizado, em seus núcleos essenciais, sob pena de se cometer ilegalidades. É importante que Poder Discricionário não se confunda com arbitrariedades.

Nesse sentido, a extinção de diversos Postos de Fiscalização e Atendimento (PFAs), conforme proposta remetida pela Superintendência de Fiscalização aos servidores, bem como pela minuta de Regimento Interno que chegou ao nosso conhecimento, demonstra o perfeito desconhecimento técnico e operacional da importância estratégica de diversos PFAs, em benefício da abertura de outros Postos para os quais não há qualquer razoabilidade. Os argumentos da proposta técnica estabelecida pela Superintendência de Fiscalização são extremamente rasos e demonstram um perfeito descompasso com as atividades técnico-operacionais da ANTT no cenário nacional. Não há como justificar a proposta apresentada com argumentos técnicos, motivo pelo qual é extremamente razoável supor que ao pano de fundo de uma proposta técnica reside, de fato, uma demanda política que pouco interessa aos interesses da sociedade.

Com relação aos Postos de Pesagem Veicular, alertamos para os riscos da ausência de controles administrativos adequados à operacionalização dessas estruturas. Entre elas destaca-se a importância do trabalho dos servidores no atendimento aos usuários, aos fiscalizados, e na gerência da equipe, que em sua maioria é composta por funcionários diretos ou indiretos das concessionárias.

Não menos importante, os servidores diretamente impactados não foram consultados, muito pelo contrário. A proposta foi conduzida pela Diretoria-Geral da ANTT às escuras, com impacto na vida de centenas de servidores e suas respectivas famílias. A Diretoria-Geral da ANTT vem seguidamente a público informar que os servidores não serão impactados, mas vê-se um movimento exatamente contrário na condução desse processo. Divulgação de concursos de remoção em um primeiro momento, seguidos de remoções de ofício dão conta de que inevitavelmente diversos servidores não mais atuarão em seus atuais locais de trabalho em questão de meses, ou ainda, de dias. Esses fatos, atrelados a ausência de transparência do processo ao longo dos meses, causam os mais diversos danos morais a boa parte da categoria. Há relato de colegas que já estão se submetendo a tratamento psiquiátrico pelo receio de serem impactados por essas medidas.

Ademais, em relação ao encerramento das atividades organizacionais das Unidades Regionais do Rio Grande do Sul e do Maranhão, o nosso entendimento é de que as propostas carecem igualmente uma fundamentação técnica robusta. Prova disso resta caracterizada em parecer proferido pela Procuradoria da ANTT, que, em que pese ser opinativo, elenca uma série de demandas que deveriam ser atendidas antes de sua concretização.

Ainda, em nenhum momento fora constituída qualquer comissão para o trato do assunto, seja no âmbito interno ou externo, de forma a legitimar a proposta. A demanda atinge usuários e mercado regulado de forma que uma consulta pública seria bastante adequada para legitimar o processo.

É notório que as demandas da sociedade clamam por uma prestação de serviço público mais eficiente, eficaz e efetiva. Entretanto, a natureza do trabalho prestado pela ANTT efetiva-se, de fato, nas “pontas”. Em que pese o discurso ser no sentido de fortalecer a fiscalização dos serviços regulados, assim como a devida orientação com vistas ao aperfeiçoamento dos serviços prestados à população, as medidas concretas vão em sentido contrário. O que de fato está ocorrendo é o esvaziamento da fiscalização atualmente existente. Nossa compreensão é que a atividade do Estado deve se dar em um tamanho adequado, porém o mais próxima possível à população.

Por fim, compreendemos os anseios dos gestores em dotar a ANTT com uma estrutura moderna, mas a demanda passa pelo correto dimensionamento da estrutura organizacional e da força de trabalho. A ideia de economia resta incompleta se não dotada de elevado nível de qualidade, com vistas a prestação de um serviço público de excelência. Não é possível imaginar que decisões deste porte possam ser tomadas de forma abrupta, sem que essas sejam embasadas com elevado teor técnico que privilegie os anseios de toda sociedade.


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Edição: Katia Marko