Minas Gerais

DISPUTA

Mais de 130 entidades assinam manifesto contra a indicação de nova secretária de Saúde de BH

Coletivos avaliam que indicação é prejudicial para a gestão do SUS no município

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |

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Durante os últimos 14 anos, Claudia Navarro esteve na direção do CRM-MG - Foto: Fábio Vieira

A indicação de Claudia Navarro Carvalho Duarte Lemos para conduzir a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte gerou incômodo a coletivos e entidades do município.  O motivo é a vinculação da médica ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG). 

Durante as últimas semanas, um manifesto intitulado “Por que não queremos o CRM na gestão do SUS/BH?” tem recolhido assinaturas em repúdio à indicação de Claudia para o cargo. Até a tarde de segunda-feira (18), 133 entidades já assinaram o documento. 

“O que repudiamos são os princípios, a ideologia e as políticas  que sempre nortearam as ações, campanhas e posicionamentos do CRM-MG nos últimos anos e que vão no sentido contrário à defesa de um SUS 100% público”, afirma o texto. 

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Para os signatários do manifesto, a presença de alguém vinculado ao CRM-MG na gestão na secretaria de saúde pode trazer impactos negativos à gestão do SUS em Belo Horizonte. 

Entre os motivos para preocupação, está a vinculação do órgão ao Conselho Federal de Medicina (CFM). Durante a pandemia da covid-19, o CFM apoiou de forma irrestrita as medidas tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e defendeu a autonomia dos profissionais em receitarem medicamentos cuja eficácia no combate à doença não é comprovada. As entidades ainda criticam o papel que o CRM-MG tem cumprido diante das políticas municipais e estaduais de saúde. 

Oposição às práticas de parto humanizado no Hospital Sofia Feldman, referência nacional no atendimento; defesa da não abertura da maternidade Leonina Leonor, localizada na região de Venda Nova em BH, e pronta desde 2009; e ameaça de interdição dos Centros de Referência em Saúde Mental (Cersam). Essas são algumas das ações tomadas pelo CRM-MG que, na avaliação das entidades, são “lastimáveis”.

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Durante os últimos 14 anos, Claudia esteve na direção do CRM-MG, foi presidenta da entidade entre 2018 e 2020, e vice-presidenta entre 2020 e 2022.

Assine o manifesto

O manifesto também recebe assinaturas individuais. Para assiná-lo e conferir a lista atualizada de signatários, clique aqui.

Leia o manifesto completo

Por que não queremos o CRM na gestão do SUS/BH?

Todos nós, cidadãs, cidadãos, profissionais da saúde, parlamentares, entidades da sociedade civil e movimentos sociais, que prezamos a ciência, os direitos humanos e a vida, ficamos perplexos diante do papel vergonhoso do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da maioria dos Conselhos Regionais, aí incluído o de Minas Gerais (CRMMG), na pandemia de COVID-19. 

Estas entidades médicas, das quais se esperava que, em momento tão crítico para a Saúde Pública do país, cumprissem seu papel institucional de zelar pela ética e pelas boas práticas médicas, não hesitaram em manter uma posição de criminosa cumplicidade com o negacionismo e a política genocida do governo federal. 

Durante toda a pandemia o CFM e suas afiliadas optaram por manter apoio político irrestrito ao governo Bolsonaro, fazendo vistas grossas ao uso indiscriminado e à propaganda realizada por médicos e não-médicos, de medicamentos e tratamentos sem nenhuma comprovação de efetividade e que, ao contrário, trouxeram sérios danos à saúde da população. 

Com esta posição, o CFM e os CRMs contribuíram com o número trágico de mortes e sequelas da COVID-19, já que ficou amplamente demonstrado que grande parte das mortes e adoecimentos poderiam ter sido evitados, se tivesse sido outra a política sanitária adotada no Brasil. 

A cumplicidade do CFM e dos CRMs com o governo federal valeu seu indiciamento pela CPI da COVID no Senado Federal e na Justiça.

Para além deste deplorável papel na pandemia, sabemos de antemão que as atuais diretorias do CFM e do CRMMG nunca, de fato, defenderam o SUS. 

Se, em nenhum momento se posicionaram contrários à Emenda Constitucional 95 e o consequente desfinanciamento e desmonte progressivo do SUS e de suas políticas de saúde exitosas, por outro lado nunca esconderam sua proximidade com o atual presidente da República e sua necropolítica e nem sua defesa de princípios neoliberais, inclusive na saúde pública,  com uma visão privatista desta e aliando-se  a empresários para quem saúde nada mais é que uma mercadoria com grande potencial de ganhos materiais para quem a explora.

É lastimável o papel corporativista dos conselhos de medicina, extrapolando seu papel institucional e muitas vezes priorizando os interesses da categoria em detrimento do bem coletivo. E também suas posições morais conservadoras, de defesa de práticas médicas obsoletas e retrógradas, médico-centradas e hospitalocêntricas, que não coadunam com os princípios assistenciais do SUS, com a Reforma Sanitária, com a Reforma Psiquiátrica brasileira, com o Novo Modelo de Assistência Obstétrica, com as melhores evidências científicas e nem mesmo com diretrizes da Organização Mundial de Saúde, da qual o Brasil é signatário.

Sob o apoio tácito do CFM e dos grupos que representa, temos assistido grandes retrocessos em várias políticas públicas de saúde de destaque mundial desenvolvidas pelo SUS, como a Estratégia de Saúde da Família, o Programa Nacional de DST/AIDS, a Política Antimanicomial de Saúde Mental, a Política de Humanização do Parto e Nascimento e de Saúde Sexual e Reprodutiva.

Mais especificamente em Belo Horizonte, assistimos em 2021 a ação truculenta do CRMMG em uma tentativa de inviabilizar a Rede Municipal de Atenção Psicossocial (RAPS) e todos os avanços na Política de Saúde Mental da cidade, ao ameaçar de interdição o trabalho dos médicos de todos os Centros de Referência em Saúde Mental (CERSAMs), sem qualquer diálogo prévio com estes servidores e nem com o controle social do SUS. 

Felizmente, tal tentativa não prosperou, graças à forte reação dos trabalhadores, usuários e movimentos sociais da luta antimanicomial e seus apoiadores. Por outro lado, fazem vista grossa às más práticas e ao desrespeito aos direitos humanos nas chamadas comunidades terapêuticas ou clínicas de recuperação, instituições privadas que se arvoram a tratar, em regime de privação de liberdade, pessoas em uso de álcool e outras drogas, as quais são, em grande parte, financiadas por dinheiro público, apresentam um forte viés religioso e manejos baseados em concepções moralistas, culpa e punição.

O CFM e o CRM-MG têm, também, tentado impedir o movimento pela humanização do parto e nascimento, nos níveis nacional, estadual e municipal, na contramão do maior protagonismo e autonomia da mulher e das melhores práticas e evidências científicas na assistência ao parto. Neste sentido, têm empenhado várias ações dentre as quais podemos citar:

o Oposição às boas práticas do Hospital Sofia Feldman, maternidade de referência na humanização da assistência ao parto no Brasil e no mundo, com a perseguição de médicos e da diretoria do hospital. Chegaram ao extremo autoritário e ideológico da cassação do direito ao exercício profissional do médico obstetra Dr. Ivo Lopes, grande líder nacional deste movimento;

o Proibição do uso do “Plano de Parto” por médicos, que consiste em um instrumento de informação correta e de divulgação das evidências científicas relacionadas ao parto para as mulheres apoiarem suas escolhas;

o Proibição da participação do profissional médico como retaguarda em partos domiciliares planejados, assistidos e seguros, prática amparada por evidências científicas, nas Diretrizes Nacionais da Assistência ao Parto da ANVISA/MS e da OMS;

o Posicionamento contrário a Centros de Parto Normal, com apoio à destruição da Maternidade Leonina Leonor, localizada na regional Venda Nova de Belo Horizonte, pronta para uso desde 2009 e que nunca funcionou devido aos empecilhos políticos e ideológicos; 

o Neste episódio de apoio à destruição da maternidade Leonina Leonor, vislumbramos também o descaso e o desrespeito ao controle social do SUS, uma vez que a maternidade conta com a aprovação de todas as instâncias do Conselho Municipal de Saúde. Ficou evidente o apoio à privatização e exploração de um patrimônio público, com interesse mercantilista e corporativo de fomentar o consumo de especialidades médicas; 

o Pressionaram o Ministério da Saúde para proibição do uso institucional do  termo “Violência Obstétrica”, negando sua existência e invertendo de forma perversa a lógica do problema: a vítima passa a ser o médico e não as mulheres que, historicamente, sofrem com más práticas no parto 

o Impedimento da participação de doulas no processo de parto.

Mesmo sem argumentos técnicos ou científicos, o CFM e o CRM-MG fazem campanha e movem ações judiciais para impedir a realização de exames, prescrições e procedimentos protocolares por enfermeiros e enfermeiras, práticas benéficas e custo efetivas, baseadas em evidências científicas, recomendadas pela OMS, já correntes em vários sistemas de saúde do mundo desenvolvido e que poderiam ampliar o acesso da população aos serviços de saúde do SUS e sua resolutividade. 

No caso da Atenção Primária à Saúde no SUS de Belo Horizonte, em todos os 152 Centros de Saúde os enfermeiros realizam consultas de enfermagem, inclusive para pessoas com Hipertensão Arterial e Diabetes, fazem coleta de exames citopatológicos para rastreio do Câncer do Colo Uterino e são parte fundamental da realização do pré-natal e puericultura, respaldada em protocolo técnico-científico. Caso colocadas em prática as ideias do CFM  e do CRM-MG contrárias à solicitação de exames e prescrição de medicamentos por enfermeiros, certamente haverá um colapso nos atendimentos prestados por estas Unidades Básicas de Saúde. 

Portanto, nosso repúdio ao nome da Dra. Cláudia Navarro como Secretária de Saúde de Belo Horizonte se deve ao fato de que, além de não ter qualquer formação ou experiência em saúde coletiva e administração pública, ela participou ativamente da direção do CRMMG nos últimos 14 anos, sendo, sua presidente (2018 a 2020), vice-presidente (2020-2022). Portanto, ela claramente representa o CRM-MG e os grupos que nos últimos anos o cercam. 

O que rechaçamos, pois, é a entrega da gestão de uma rede de saúde pública ampla e potente como a de Belo Horizonte, construída ao longo dos últimos 30 anos de forma democrática, coletiva, interdisciplinar e dentro de rigorosos princípios científicos em saúde coletiva, ao conselho de classe de uma única categoria profissional, das muitas que compõem o SUS. 

Além de referência concreta na assistência em saúde de todo o estado de Minas Gerais, a rede de Saúde Pública de Belo Horizonte, por seus avanços e estrutura, é hoje referência estadual e nacional da viabilidade e grande potencial do SUS enquanto política social de largo alcance. 

O que repudiamos são os princípios, a ideologia e as políticas  que sempre nortearam as ações, campanhas e posicionamentos do CRMMG nos últimos anos e  que vão no sentido contrário à defesa de um SUS 100% público, de seus princípios fundamentais de universalidade, equidade e integralidade do cuidado, da superação do cuidado hospitalocêntrico e médico-centrado, de políticas públicas de saúde  inclusivas e democráticas,  baseadas nas melhores evidências científicas e que, de fato, possam contribuir para diminuir as iniquidades e desigualdades, garantindo bem-estar e inclusão social para  toda a população brasileira. 

Por tudo acima exposto, para proteger a rede SUS de Belo Horizonte das políticas do CRM-MG e seus parceiros, é que conclamamos trabalhadores da saúde, usuárias e usuários do SUS, movimentos sociais, parlamentares progressistas, para que se juntem à nossa luta em defesa da rede SUS de Belo Horizonte e de todo o Brasil.

O SUS é de todos nós!

Saúde não é mercadoria!

CRM no SUS de BH, NÃO!

 

Edição: Larissa Costa