Minas Gerais

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Luta pela terra e pelo teto faz crescer os objetivos e o horizonte de quem se envolve

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Capitalismo dissemina o individualismo, a luta coletiva reconhece o indivíduo, sem desconsiderar a sociedade - Foto: MST
Na luta pela terra e pela moradia acontece um rito de passagem

Cleonice Silva Souza, camponesa sem terra, hoje assentada no Assentamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, transbordando alegria, assim se expressou sobre a terra:

“Essa terra aqui estava praticamente morta. Nós ressuscitamos essa terra onde acampamos desde 26/8/2006. Antes, era só monocultura do capim. Hoje essa terra está produzindo muito e de acordo com a agroecologia. Já pensou se tantas terras por aí que está sem gente para plantar estivessem nas mãos dos camponeses? Sem a terra a gente não pode sobreviver. Deus deixou a terra para todos nós. Enquanto a gente vai plantando na terra e lidando com ela, a terra fica viva”

Logo após as primeiras conquistas, se descobre que ‘podemos mais’

A cosmovisão das camponesas, expressa acima, decorre da experiência de quem teve a oportunidade de nascer na terra e crescer trabalhando na terra.

A forma como os camponeses veem a terra é instrumento de emancipação humana, porque desconstrói a visão do capital que, ao mercantilizar a terra, retira a noção de terra como ‘mãe que nos sustenta’, como ‘criação de Deus para todos’, como ‘algo vivo’ que precisa ser respeitado e cuidado.

Essa concepção camponesa nega o individualismo

No mundo tido como moderno, o sistema do capital dissemina o individualismo, que é altamente ideológico no sentido de ofuscar os valores camponeses na sua relação com a terra. A luta pela terra, seja no campo para viver e plantar ou na cidade para morar e plantar, é luta que fortalece o resgate da visão que reconhece o indivíduo, mas em relação respeitosa com a sociedade, não recaindo no individualismo.

Na sociedade capitalista há processos que buscam desistoricizar e mitizar relações sociais de mudança, mas como os poetas, os profetas, as profetizas e quem anda na contramão, os camponeses e as camponesas na luta pela terra movimentam as estruturas da sociedade desafiando a ordem.

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Na luta pela terra e pela moradia acontece um rito de passagem. Passa-se de sem-terra, o camponês expropriado e oprimido, para Sem Terra, o camponês portador de uma nova identidade, um rebelde em relação às convenções sociais impostas pelo sistema do latifúndio e do capital.

Passa-se de um sem-teto para um Sem Teto, com moradia, sujeito com condições objetivas de trilhar um caminho de emancipação humana.

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“São os pequenos gravetos secos que fazem o fogo pegar e cozinhar o feijão na panela”, dizem muitos camponeses. Assim, um incentivo de um lado, um apoio de outro, um conhecimento aqui, outro lá, etc., acabam despertando entusiasmo, que expulsa o medo e a resignação e atrai processualmente a coragem, condição imprescindível para se engajar na luta pela terra e consequentemente em um movimento emancipatório.

Pode até começar com um objetivo pequeno: apenas conquistar um pedacinho de terra, mas como os gravetos fazem crescer o fogo, a luta pela terra faz crescer os objetivos e o horizonte do campesinato.

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Logo após as primeiras conquistas, os Sem Terra descobrem que ‘podemos mais’ e ‘temos direito a mais’.

Gilvander Moreira é frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica)

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Elis Almeida