Minas Gerais

Coluna

Da colônia ao liberalismo, a exploração da trabalhadora negra

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Como consequência da escravidão, a população negra ainda ocupa posições subalternizadas, ainda que essenciais - Foto: Freepik
As relações trabalhistas no Brasil carregam resquícios da colônia

Dia da Empregada Doméstica (27 de abril) e Dia do Trabalhador (1º de maio). Datas próximas no calendário, mas que só se aproximaram em direitos há menos de dez anos.

Hoje, ocupo o lugar de servir ao povo de Minas Gerais como deputada estadual. Mas, minha trajetória como trabalhadora começou ainda criança, quando, com apenas 12 anos, me tornei empregada doméstica – ofício passado de geração para geração de mulheres negras que, apenas após políticas afirmativas e muita luta, algumas famílias conseguiram de fato romper esse ciclo. Foi o meu caso.

Passado o Dia da Empregada Doméstica e diante do Dia do Trabalhador (percebam as flexões de gênero já associadas às datas), me vi relembrando dos anos que passei exercendo essa função em que vi e vivi muita coisa. E apenas quando comecei a me entender como corpo político, tive a certeza que muitas coisas que vivenciei estavam longe da experiência digna que qualquer trabalhador(a) deveria ter. Aproveitando da extrema necessidade, ofereciam até roupas velhas como remuneração.

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As relações trabalhistas no Brasil, principalmente aquelas ligadas aos serviços domésticos, carregam muitos resquícios da colônia. Prova disso é que só 72 anos depois da CLT, em 2015, empregadas e empregados domésticos conseguiram ter seus direitos garantidos, ainda sim sob muito protesto da elite. Pensar que antes disso, dependiam da “boa vontade” da patroa em acordos individualizados para receber salário-mínimo, ter descanso semanal remunerado, férias, jornada de trabalho máxima estipulada, décimo terceiro e FGTS.

Lamentavelmente, a grande maioria ainda segue na informalidade e precarizada. Acredito que isso ocorra tanto pela dificuldade de se fiscalizar esse trabalho pulverizado que ocorre em espaços privados, como pela mentalidade escravagista que ainda está impregnada nas elites brasileiras. Isso afeta toda a classe trabalhadora, mas, principalmente, aos já historicamente prejudicados.

Não é coincidência que 65% das pessoas que atuam em trabalhos domésticos – como empregadas domésticas, diaristas, babás, jardineiros e cuidadores – sejam mulheres negras. Nem se trata de diminuir qualquer profissão, mas de perceber como os papéis seguem a lógica das capitanias hereditárias, ou, na melhor das hipóteses, dos ofícios que eram ensinados de pais para filhos. E assim, são mantidos os interesses das elites, em uma perspectiva que divide o trabalho de acordo com o tom da pele. E os de sempre, ou seja, o povo negro, em posições que exigem maior desgaste físico e com remunerações mais baixas.

A força de trabalho move o mundo

No Brasil, a força do trabalho dos negros escravizados foi a base da economia durante três séculos. Foi com muito sangue e suor dos meus ancestrais, a construção de boa parte do país que temos hoje. Seguimos sendo a maior parte dos trabalhadores do país. E como consequência do período de escravidão, ainda ocupamos posições historicamente subalternizadas, ainda que essenciais.

O trabalho é sustento, mas também espaço de realização para uma elite que pode escolher sua profissão de acordo com seus interesses pessoais. Enquanto a maioria do povo negro se vê obrigado a aceitar o que aparece para garantir a comida na mesa.

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Segundo o último Índice de Inclusão Racial Empresarial (IIRE), pessoas negras ocupam apenas 4,7% dos quadros de chefia executiva. É preciso que políticas públicas afirmativas e políticas de incentivo para que se ampliem as possibilidades profissionais da população negra, mas o que temos visto é um grande retrocesso, inclusive para as trabalhadoras e trabalhadores em geral.

Se há alguns anos, o país ensaiava uma redução de jornada, inclusive considerando todos os avanços tecnológicos das últimas décadas e a consequente redução de postos de trabalho, o golpe nos jogou em um precipício de retrocessos, com a degradação diária das condições de vida das trabalhadoras e trabalhadores.

Os termos e cenários foram atualizados e hoje o liberalismo está a serviço dessa mesma elite, com "reformas" e flexibilizações que já estão nos levando de volta para o estágio de trabalhar apenas para sobreviver.

A união da classe trabalhadora consciente de seus direitos nunca foi tão urgente e, em ano de eleição, o voto de cada uma e de cada um é ferramenta de transformação.

 

Andréia de Jesus é deputada estadual de Minas Gerais pelo PT.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa