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Como se cria uma avó?

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Eu soube, em algum momento, que não seria uma avó como minha mãe foi - Foto: Reprodução
Torna-se avó na transmutação do amor à uma filha a um amor quase selvagem e tremendamente humano

Ei pessoal, olha eu de novo aqui. E dessa vez até antes do previsto. Mas é que queria compartilhar com vocês dois retornos sobre a coluna da semana passada. No texto, falei sobre como precisamos discutir mais sobre a experiência do parto, que pode ser muito mais dolorosa do que precisaria ser.

E deixei na coluna meu e-mail pra quem quisesse dividir experiências, trocar ideias sobre esse assunto. E recebi dois retornos superinteressantes:

Um deles foi de uma doula, a Luciana Oliveira, que compartilhou sobre um projeto de lei contra a violência obstétrica em Belo Horizonte. Ela escreveu:

“[O projeto de lei] foi construído por muitas mãos.

Hoje, está fora de pauta, pela associação que a bancada conservadora está procurando fazer com o aborto.

A expectativa é que, com a abertura para a pressão popular, possa voltar pra votação. 

Esse é um assunto necessário a todas nós”.

E mandou uma cópia do projeto, que está com o pessoal da redação do Brasil de Fato MG pra fazer uma matéria.

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O outro retorno que recebi foi um texto, muito especial pra mim, da minha mãe, sobre a experiência de se tornar avó. Compartilho o texto na íntegra aqui embaixo.

E reforço o convite para quem quiser escrever também.

Um abraço e vamos juntas!

Joana

Como se cria uma avó?

Por Mariana Tavares

Todo mundo tem uma ideia do que é ser avó.

Parece também que o destino de toda mãe é ser uma.

Eu achava que ser avó era um tipo de projeto em elaboração desde a primeira vez que imaginei como seria bom minha filha ter filhinhas ou filhinhos, lindos e rechonchudos! Ser avó parecia algo lindo, de um amor puro, de muita brincadeira e festa.

Bem, eu soube, em algum momento, que não seria uma avó como minha mãe foi. Afinal, não sei costurar, cozinhar, cantar, nem fazer mingaus, canja de galinha, canjica, esses mágicos alimentos que fazem o leite descer. Aliás, esses são alimentos que em algumas circunstâncias nem são benéficos...

Entendi, portanto, que precisaria abrir o espaço para criação do meu jeito de ser avó, já que não seria a avó da tradição, que tem papéis claramente preestabelecidos.

Enquanto minha filha gestava, eu comprava roupinhas, ajudava aqui e ali a montar quarto, namorava decorações, cortinas, abajures e macacões, e o mundo seguia. O bebê e minha filha passavam bem, a gestação seguia o curso natural e eu sonhava.

Vivenciei também que era preciso descobrir a distância adequada (ia escrever a distância ideal, que besteira imaginar qualquer ideal) para não invadir a privacidade e a intimidade de um casal às voltas com as novas exigências ou ficar distante demais. Essa é uma experiência não terminada, já sei que será uma construção permanente. É um passo a passo, uma dança, um balé para não bailarinas – é preciso que se diga.

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Eis que um dia, com minha filha já no hospital para “ganhar” o neném, acordo do sonho.

Eu, uma  avó meio em devaneio, mas  em  processo de formação,  passei direto para o estágio de mulher alerta, atenta, quase como uma fera.

Todo parto fere, todo parto transgride o que dele pudemos imaginar. Todo nascimento envolve alguma coisa de brutal que vai além do que se imaginou. Mas, será que não precisamos repensar um pouco mais e de novo, e de novo, a forma como se estruturam ou se “des-estruturam” os sistemas se tudo não corre estritamente como o planejado?

No momento inaugural para aquela família, mas inteiramente cotidiano para os profissionais de uma instituição hospitalar, percebeu-se uma curiosa inversão. A mãe, acabada de nascer, e também o pai, eram tratados como se já devessem saber o como fazer, o que fazer, pois sempre havia uma espécie de inadequação sutilmente apontada.

E será possível ser pai ou mãe adequados justamente ali naquela confusão inaugural? E, com tantos momentos inaugurais de uma família, será que não haverá algum outro saber-fazer possível numa instituição hospitalar que não apenas o estritamente protocolizado, os “isso pode, isso não pode”?

Até que ponto a racionalidade científica justifica o uso rígido das regras?

Aproveito o momento para dizer – já que ser avó é ser algo duas vezes – que quero fazer uso deste  espaço generoso do Brasil de Fato MG novamente para falar um pouco mais deste assunto: da importância de relações mediadas por afetividade, mesmo num contexto hospitalar, da importância de prover informações de forma objetiva, nítida e o mais possível consistente, de tomada de decisões e de condutas oportunas, da necessidade de um exame profundo sobre as percepções coletivas sobre a autonomia da mulher e criar formas de diminuir ou suprimir a necessidade de submissão à norma prescritiva hospitalar que já foi tão duramente criticada (e que persiste, em especial, em casos em que a situação escapa ao prescrito).

Por ora, quero é ver o amor ganhar corpo, ver ser criado o vínculo tão poderoso de uma mãe e de um pai com a recém-chegada.

Essa é uma tarefa que se faz no silêncio, na calma, no intervalo de um olhar, no quente de um xixi, na emoção de ver o jorro do leite, no modo de ver como a neném tem gestos e movimentos só dela, como quando cruza as perninhas ou põe a mãozinha na orelha.

Acho que as avós nascem dessa admiração, desse vislumbre da forma tão única, tão singular que se dá no cotidiano. Por isso que avó mesmo, no duro, no duro, aliás, no duríssimo, virei foi agora.

Concluo que não se nasce avó pelo nascimento de uma neta, torna-se avó na áspera suavidade da experiência de transmutação do amor à uma filha a um amor quase selvagem e tremendamente humano.

E para você, o que é ser avó?

Joana Tavares é jornalista, militante por um projeto popular para o Brasil e adora comunicação popular, cachorros, boas perguntas e conversa fiada.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa