Rio Grande do Sul

PRECONCEITO

Artigo | Sobre a varíola do macaco e a homofobia estrutural

"É muito fácil transformar a varíola do macaco na nova peste gay, pois a nossa sociedade tem uma estrutura homofóbica"

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Tema que deveria ser tratado no espectro da saúde pública acaba se tornando embate discursivo - Reprodução / Facebbok do autor

Ontem à noite recebo uma notícia com o título “Varíola do macaco - OMS pede para que ‘homens que fazem sexo com homens’ diminuírem contato sexual’. Oi?

Embora o diretor da OMS, Tedros Adhanom, tenha frisado que a doença possa infectar qualquer pessoas exposta, a maioria dos casos noticiados (98%) é entre homens que fazem sexo com homens.

Penso no impacto discursivo que essa fala produzirá em um mundo que já rechaça formas não heteronormativas de existência.

Em 1982 surgiram os primeiros casos de infecção por HIV e não tardou para que a grande mídia nomeasse o vírus da imunodeficiência humana como “peste gay”. A população passa do medo do desconhecido para o alívio de que a AIDS atingiria somente o público homossexual. Uma desinformação que propagou tanto a transmissão do vírus quanto catalisou a fobia à orientações não heterossexuais.

Hoje sabemos que a chance de contato com o vírus do HIV aumenta devido ao comportamento de risco e não à orientação sexual. LGBT’s e heterossexuais podem usar os mesmos métodos de prevenção pois a transmissão não está associada ao desejo sexual e afetivo, mas sim ao contato sexual desprotegido.

E me parece que a varíola do macaco passa pela mesma malha discursiva. Ancora-se uma informação ainda em construção em um determinado público, criando tabus e rechaços e como efeito, há um significativo aumento das chances da propagação fora do grupo eleito.

E é muito fácil transformar a varíola do macaco na nova peste gay, pois a nossa sociedade tem uma estrutura homofóbica que “naturalmente” já associa existências não normativas a "tudo que não presta”, como disse um atual senador gaúcho. Ela aparece em conversas, opiniões, atitudes. Muitas vezes as pessoas nem percebem que estão propagando violência e discriminação. E a fala de Adhanom vai na mesma direção.

Diferenciar orientação sexual e comportamento de risco é fundamental. Seria de uma maior responsabilidade ética que as orientações fossem tecidas em outra direção. Agora cabe a nós, mais uma vez, entrar em um embate discursivo para tentar minimizar o impacto brutal de tal fala em existências não-heteronormativas.

* Graduado em Psicologia Clínica e Ciências Biológicas, mestre em Genética e Biologia Molecular. Atualmente realiza atendimento clínico embasado no referencial teórico e ético de Jacques Lacan.

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcos Corbari