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A Revolução Cubana ameaçada: agressões norte-americanas e adesão ao socialismo

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Ilustração: - Gabriela Lucena
Vida no campo era miserável antes da reforma agrária


O mundo vivia sobre a Guerra Fria, resultado da disputa entre a Rússia socialista e os Estados Unidos da América capitalista por hegemonia, disputando cada país do mundo. 

Na Cuba pós revolução de 1959, havia um enorme desejo de Fidel, o comandante em chefe do processo revolucionário, e presidente do país, e de seu governo,  de permanecer independente nas relações exteriores.

Situação econômica de Cuba e a reforma agrária

Buscavam conquistar estabilidade política e segurança econômica interna. Fidel citava sempre uma frase de José Martí: “sem independência econômica, não pode haver política independente”.

A economia cubana, sempre esteve assentada na agricultura. Sua colheita mais importante era a da cana-de-açúcar, cuja produção absorvia mais de um terço da força de trabalho. Um quarto do país era coberto por canaviais, sendo que o açúcar representava mais de 80% de suas exportações.

Apenas um pequeno grupo possuía a maior parte da terra produzida, na época da revolução, pertencente a indivíduos e companhias, muitas delas com sede nos EUA. Os agricultores nacionais eram proprietários de pequenas porções de terra; enquanto outros arrendavam a terra que cultivavam ou trabalhavam como meeiros, recebendo apenas uma parte da colheita do que produziam como pagamento por cultivarem a terra que não lhes pertencia. 

A vida no campo era miserável, onde poucos camponeses podiam prover suas famílias com alimentos, apenas a metade deles sabia ler ou escrever, e quase ninguém tinha acesso à água encanada, ou a eletricidade.

No início do Movimento 26 de Julho, Fidel havia colocado a reforma agrária como prioridade da Revolução. Prometera que o novo governo daria terra aos camponeses sem-terra, ou mais terra àqueles com fazendas pequenas. Prometeu ainda pagar aos proprietários anteriores pela terra expropriada, ou encampada, pelo governo.

Distribuição da terra

Então, no dia 17 de maio de 1959, em La Plata, local da primeira vitória com o exército revolucionário, Fidel anuncia uma nova Lei de Reforma Agrária.

Onde quase todas as fazendas, estavam agora limitadas a uma extensão máxima de 405 hectares, menos aqueles que tivessem, por hectare, uma colheita no mínimo 50% maior do que a média nacional. 

Portanto, toda propriedade que excedesse o limite de 405 hectares ia ser expropriada pelo governo e seus proprietários seriam compensados com bônus de 20 anos de garantia. 

Uma parte da terra seria distribuída aos camponeses individuais e a outra parte transformada em cooperativas agrícolas. As cooperativas, seriam dirigidas por um órgão, o IN-RA (Instituto de Reforma Agrária).  Este órgão tornou-se a instituição mais importante da Cuba Revolucionária. Além de expropriar e redistribuir a terra, o INRA organizava a construção de estradas, postos de saúde, escolas e moradias.

Poderosos reagem resistindo a desapropriação

Antes do programa de Reforma Agrária ser colocado em prática, as críticas ao governo se mantinham em níveis relativamente moderados. Seus potenciais adversários haviam sido contidos pela imensa popularidade de Fidel, além de sua notável habilidade de formar a opinião pública. Entretanto, essa reforma ameaçou diretamente os interesses de poderosos setores da sociedade cubana, deflagrando a primeira oposição aberta e real ao regime de Fidel. 

No início do mês de junho, o governo chegou a confiscar 131 grandes fazendas de gado, próximas à cidade de Camagüey, muitas delas, pertencentes a empresas dos EUA e de ricas famílias cubanas. Os pecuaristas reagiram à expropriação, comprando tempo no rádio e na televisão para atacar o governo. Além disso, recorram à sabotagem econômica; abatendo um grande número de gado, super-colheitas, manutenção deficiente e sub-investimento na produção.

Fantasma do comunismo e queda de Urritia, então presidente

Ao lado desses protestos, Fidel enfrentou também o fantasma do comunismo, levantado por seus opositores. 

O jornal conservador Diario de la Marina comparou os apoiadores de Fidel como melancias: “verdes por fora e vermelhos por dentro”. No dia 29 de junho, o comandante da Força Aérea Cubana, Pedro Díaz Lanz, deu uma entrevista à imprensa dizendo dos perigos do comunismo. Ele então foi severamente censurado por Fidel, devido às suas declarações, o que faz com que, ele reúna sua família e vai para a Flórida. 

Em 13 de julho de 1959, o então presidente Urrutia ataca publicamente o PCC dizendo que este estaria “causando um mal terrível a Cuba”, na esperança de que Fidel denunciasse publicamente os comunistas, o que não acontece.

Acontece é que, no dia 17 de julho os cubanos têm uma surpresa quando pela manhã abrem o jornal Revolución e encontram a seguinte manchete: “Fidel Castro renuncia a sua posição de Primeiro-Ministro”. Essa notícia surpreendeu até os colaboradores mais íntimos de Fidel, pois ele não contou seu plano para ninguém; tendo ido pessoalmente à gráfica do jornal e redigido sua renúncia. 

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Na mesma noite desse dia, ele vai à televisão e pronuncia um discurso violento à Urrutia. Fidel, em seu pronunciamento disse que Urrutia estaria difundindo rumores de comunismo, visando provocar uma agressão estrangeira em Cuba. Ele deliberadamente insti-gou o público para que este pedisse a renúncia de Urrutia.

Enquanto ele discursava na TV, uma grande multidão reuniu-se na rua, exigindo a saída do presidente, o que ocorreria no dia seguinte, após esse episódio. Fidel não fez mais afirmações anticomunistas em seus discursos ou conversas privadas; reservando sim crí-ticas àqueles que eram anticomunistas. 

Dizendo: “todos os setores revolucionários devem apoiar a Revolução. Precisamos manter o controle em nossas mãos ou a Revolução se despedaçará como em 1933. Ninguém nos deu o poder de presente”. Ele percebeu que precisava do apoio do PCC, dizia ainda, que o PCC “tinha homens que eram verdadeiramente revolucionários, leais, honestos e treinados”. Como ele mesmo disse certa vez, “Eu precisava deles”.

Oposição do império norte americano 

Alguns aviões americanos sobrevoavam a ilha lançando panfletos que instigavam a população contra seu governo. No final daquele ano Fidel falou em uma convenção de trabalhadores dos canaviais: “Em 1960, teremos de defender a revolução com armas...devemos nos preparar psicologicamente para lutar contra muitos...lutaremos até o último homem”.

O então presidente dos EUA, Eisenhower estava sendo pressionado para dar ajuda aos exilados cubanos nos EUA, na esperança de derrubar Fidel, mas ele decidiu fazer um esforço para restabelecer as relações cordiais com Cuba. 

Orientando alguns de seus emissários, ele pedia que sugerissem a Fidel, que este parasse a campanha de guerra verbal contra os EUA e que trabalhasse com o embaixador norte-americano no sentido de resolver as divergências entre os dois países. Em troca, os EUA ofereceria assistência financeira a Cuba.

No entanto, ao mesmo tempo dessas conversações, exilados cubanos usavam a Flórida como base, de onde partiam para realizar pequenas operações de bombardeios sobre Cuba. Nessa época, os ataques não eram apoiados pelos EUA, mas também não foram impedidos, o que alimentava o ressentimento em Cuba.

Parceria econômica com a Rússia e rompimento com os EUA

Em fevereiro de 1960, o vice-primeiro ministro soviético, Anastas Mikoyan visitou Cuba a fim de inaugurar uma nova era de relações entre cubanos e soviéticos. A URSS concordou em comprar grandes quantidades de açúcar cubano pelos próximos cinco anos, além de prover Cuba de implementos agrícolas e maquinaria industrial, e também de ajuda técnica.

Os EUA, ficaram descontentes com esse fato. Cuba, que já estava com as relações tensas, devido aos ataques dos exilados, rompe definitivamente sua relação com os EUA. Em 04 de março de 1960, ocorre um incidente que poria mais lenha na fogueira entre EUA e Cuba; um cargueiro francês, o Le Coubre, que foi a Cuba entregar fuzis e granadas da Bélgica, explode no porto de Havana. Setenta e cinco trabalhadores das docas morreram e outros duzentos ficaram feridos. 

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A causa da explosão nunca foi descoberta, mas Fidel disse em um discurso, acusando à nação americana: “Vocês, não nos submeterão nem pela guerra nem pela fome”. Os EUA negaram a responsabilidade pelo fato ocorrido com o navio francês, mas as possibilidades de relações amigáveis entre os EUA e Cuba explodiu ainda mais com o Le Coubre.

EUA organiza invasão de Cuba

Após algumas semanas da terrível explosão, Eisenhower aprovou um plano, proposto pela CIA, de recrutar e treinar exilados cubanos anticastristas para uma invasão de Cuba. 

Aviões americanos sobrevoavam a ilha lançando panfletos contra o governo

No final de março de 1960, as plantações de cana e as instalações governamentais eram bombardeadas quase todos os dias por aviões dos EUA. Fidel faz um discurso aos americanos: 
“Ponham-se em nosso lugar, suponham que aviões com base em Cuba voem até Washington e lancem panfletos ou mesmo bombas e tenhamos em nosso governo elementos que estimulem criminosos e revolucionários em planos de derrubar o governo dos Estados Unidos. Como se sentiriam? Como pensam que os cubanos se sentem?”

Em maio de 1960 as relações Cuba-EUA ganham velocidade quando companhias norte-americanas são pressionadas pelos EUA a recusarem o pedido de Cuba de refinarem um carregamento de óleo cru proveniente da URSS. Fidel chama a medida de uma declaração de guerra econômica”. E disse mais, “se as refinarias continuarem a negar processar o petróleo, elas seriam expropriadas pelo governo cubano”. 

Uma semana depois, Eisenhower assina uma lei que reduziria a cota de açúcar, que significava sanções econômicas contra Cuba.

Nacionalização de empresas norte-americanas

Nikita Kruschev, líder soviético na época, reagiu imediatamente contra esse fato. Em julho de 1960, ele disse que a URSS compraria o açúcar rejeitado pelos EUA e que prestaria toda a ajuda militar a Cuba. Nas semanas seguintes a maior parte das companhias norte-americanas sediadas em Cuba, foram nacionalizadas.

Kruschev: “Atualmente Fidel Castro não é comunista, mas a política dos Estados Uni-dos o transformará em um em dois anos”

Em setembro de 1960, Fidel e um grande número de dirigentes cubanos viajam até Nova Iorque a fim de participar das comemorações do décimo quinto aniversário das Nações Unidas. O líder cubano foi o centro das atenções das festividades. Ele recusa o elegante hotel destinado a sua delegação, e vai com seu grupo para um hotel no Harlem, centro da comunidade negra de Nova Iorque. 

Alguns líderes do chamado Terceiro Mundo, presentes a esse evento das Nações Uni-das, como Gamal Abdel Nasser, do Egito; Jawaharlal Nehru, da Índia; foram com Krus-chev ao Harlem encontrar com Fidel onde lhe dá um caloroso e sorridente abraço. 

Os jornais perguntam a Kruschev sobre a política dos EUA em relação a Cuba, no que ele responde: “Atualmente Fidel Castro não é um comunista, mas a política dos Estados Unidos o transformará em um dentro de dois anos”.

De fato, um ano mais tarde, Fidel declara-se comunista, tornando Cuba um Estado Socialista, no que diria em seu discurso em 1961: “Sou marxista-leninista e o serei até morrer!”. 

Antonio Manoel Mendonça de Araujo é professor de Economia, conselheiro do Sindi-cato dos Economistas de Minas Gerais (Sindecon) e ex-coordenador da Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED-MG).

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal
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Edição: Elis Almeida