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A que ponto chegamos: uma economia voltada para produção de pobreza

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33 milhões de pessoas passam fome - Getty Imagens
Economia está com seus motores direcionados à produção de pobreza

A palavra é “crise”. Mas, não uma crise qualquer. Assola o Brasil uma crise de múltiplas dimensões. Chegamos a 2022 com um quadro caótico, em que, ao mesmo tempo, tudo funciona e nada funciona.

Funciona tudo aquilo que visa o aprofundamento da agenda neoliberal, do sequestro do Estado e do orçamento público, bem como aquilo que fragiliza as instituições democráticas brasileiras. Por outro lado, na direção dos interesses do povo, pouco ocorre, apesar dos esforços e o poder das lutas populares e do senso de solidariedade que regem os movimentos sociais e o cotidiano da vida popular.

Economia voltada para produção de pobreza

A economia está com seus motores direcionados à produção de pobreza e ao reforço da concentração de renda, com forte queda na renda do trabalhador, desemprego persistente, inflação de custos (alimentos e combustíveis puxam a elevação dos preços) causada, em grande medida, por decisões políticas tomadas internamente, vide política de preços da Petrobrás (Preços de Paridade de Importação – PPI) e ausência de política de manutenção de estoque reguladores e compra pública de alimentos.

33 milhões de pessoas passam fome

O Estado brasileiro permanece sequestrado e chantageado para continuar a agir como garantidor da concentração de renda financeira, com a manutenção de juros altos e um emaranhado de regras fiscais, que só existem para frear o investimento em setores fundamentais para a vida do brasileiro.

Retoricamente, alimentam-se alguns tabus, os quais, para aqueles que querem efetivamente mudar os rumos do país, precisam ser enfrentados e desmontados, tais como: a “responsabilidade fiscal”, deslocada dos desafios civilizacionais que o país ainda enfrenta; a visão de um país “quebrado” e a criminalização da política fiscal; o de que não se deve “intervir” politicamente em uma empresa pública, argumento que desvia a atenção de que é o Estado e a sociedade que precisam garantir que empresa pública cumpra a função social para qual foi destinada no ato de sua criação.

São tabus que atentam contra a lógica e que estranhamente sobrevivem no Brasil, enquanto, ao redor do mundo, os países e seus Estados-nacionais se empenham para encontrar soluções para se reerguerem após uma década de crise econômica acentuada e de uma pandemia.  

Desindustrialização, enfraquecimento, deterioração e roubo

Acentuamos a perda de complexidade econômica relativa e a desindustrialização, nos colocando cada vez mais dependentes do que é produzido fora de nosso território e vulneráveis às oscilações dos preços de commodities, em um mundo cada vez mais instável. Segue e se intensifica a desarticulação de nosso mercado interno, junto da estagnação das economias reginais.

Alimenta-se a desesperança dos jovens enquanto não financiamos e colocamos em prática uma revolução educacional, e passo que damos nosso futuro de presente para oligopólios do setor, que paulatinamente passam a controlar, inclusive, a educação pública. Enquanto isso, o povo segue sem moradia, sem transporte, sem direito à cidade, porque nossos tabus nos impedem de financiar a infraestrutura urbana básica e a infraestrutura logística estratégica para a integração e ampliação dos setores econômicos.  

Temos um quadro de deterioração da infraestrutura do país

O que vemos é um quadro de deterioração da infraestrutura do país, com a ausência de investimentos públicos, sequer para a sua manutenção, e ainda mais ausentes para seu incremento.

Tudo vai ainda pior, porque roubaram (e não há outra palavra, a não ser que queiramos utilizar de sinônimos, como “rapinaram”, “usurparam” ou “subtraíram”) algumas de nossas “galinhas de ovos de ouro”, tais como as empresas que nos garantiam soberania energética, notadamente: as refinarias, gasodutos e oleodutos da Petrobrás; a BR Distribuidora; e a Eletrobrás, com sua catastrófica privatização, que desorganizará a lógica de produção e distribuição de energia em território nacional.

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Cerca de 33 milhões de pessoas passam fome. Os poucos empregos que ainda são gerados são, em geral, informais, de baixa qualificação e, ainda mais baixa remuneração. E pode piorar se forem efetivados os planos de privatização da CAIXA (por hora, abalado por um escândalo de assédios sexual e moral) e do Banco do Brasil.

Instituições estão funcionando?

Alguém ainda tem coragem de dizer que as instituições estão funcionando?

Começamos pela Presidência da República, ocupada por um inclassificável e efetivamente controlada por uma junta de militares de alta patente, ativos e inativos, escudados pelo fantoche que comete crimes (de responsabilidade, comuns e políticos) dia sim e outro também.

Diante dos crimes da presidência militar o desajuste institucional se completa com uma Procuradoria Geral da União que funciona como um escudo à punição. No Supremo Tribunal Federal (STF) temos Ministro que precisa justificar publicamente um voto porque teria desagradado os “terrivelmente evangélicos”, público para o qual se coloca como representante. E Ministro que ameaça “romper” com a Presidência da República, caso se efetive uma indicação de determinado nome para Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Não faz muito tempo, menos de um ano (o que parece uma eternidade nos dias atuais) circulou um áudio do banqueiro André Esteves, dono do BTG Pactual, em que ele revela ter colocado “guizo” nos ministros do STF, para que eles compreendessem a “importância” de um Banco Central (BACEN) Independente. Deixou claro, também, como influi nas decisões do BACEN, ao ser consultado pelo presidente da instituição sobre a trajetória da curva de juros e revela como tem doutrinado as instituições brasileiras.

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Esse áudio, que considero um dos documentos mais importantes da economia política contemporânea, é revelador sobre como uma tendência neoliberal tomou conta das instituições brasileiras e sobre como elas já se encontram incompetentes para segurar qualquer passo a mais na direção de um caos ainda maior. 

Isso se dá justamente porque, para se implementar a visão de mundo neoliberal e impregná-la na rotina de funcionamento das instituições, precisou-se ir além daquilo que institucionalmente seria possível dentro de uma “normalidade democrática”.

Da destituição não fundamentada e ilegítima de uma presidenta, rapidamente chegamos a um Termo de Compromisso e Cessão de Prática (TCC) entre CADE e Petrobrás para implementação de um regime concorrencial no setor de petróleo e gás, que levou a uma política de desinvestimento (leia-se privatização) dos ativos da empresa, em um setor que, mundialmente, a concorrência nunca é a regra.

Rapidamente chegamos a um modelo de privatização da Eletrobrás, com sinais reluzentes de corrupção e rapina, além de omissão regulatória.

Rapidamente chegamos ao Banco Central independente com mandato temporalmente díspar com relação ao mandato da Presidência da República.

Rapidamente chegamos ao Teto de Gastos.

Rapidamente chegamos ao orçamento secreto e a farra da alocação orçamentária criminosa, eleitoreira, pulverizada e sem efeito estrutural.

Rapidamente chegamos a alterações que fragilizam, ainda mais, o licenciamento ambiental no país, enquanto a “boiada” passa e repassa.

Rapidamente os que resistem ao ataque as instituições e ao projeto neoliberal começaram a ser mortos, com decorrentes processos de investigação nebulosos e pouco efetivos (haja vista as tragédias com Bruno Araújo, Dom Phillips – na Amazônia – e Marcelo Arruda – morto por bolsonarista em Foz do Iguaçu). Rapidamente cresceu o número de assassinatos de indígenas, dos múltiplos povos que habitam o Brasil.

Senso de urgência histórica

Resta claro que o ferramental institucional para a superação da crise é alvo dela própria. Diante de um quadro como esse, de uma crise de múltiplos campos e que se alimenta de seus próprios mecanismos de destruição, precisamos equilibrar ousadia e transparência programática, forte mobilização política, paciência – para se evitar atropelos – e, fundamentalmente, senso de urgência histórica.

A crise é produzida e representa a agenda de quem ganha com ela.

Coluna Economia e Democracia

Esse texto inicia a participação do Instituto Economias e Planejamento (IEP) na coluna “Economia e Democracia”, numa parceria junto ao Brasil de Fato e o Sindicato dos Economistas de Minas Gerais. O IEP nasceu da iniciativa de um grupo de pesquisadores, professores e planejadores, progressistas e de diferentes especialidades e áreas de atuação, comprometidos com o desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Nosso intuito é promover o conhecimento multidisciplinar em economia e, com isso, contribuir criticamente para o debate público brasileiro.

Weslley Cantelmo é economista, doutorando em economia pelo CEDEPLAR/UFMG, membro do Instituto Economias e Planejamento e do Sindicato dos Economistas de Minas Gerais

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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Edição: Elis Almeida