Rio Grande do Sul

ENTREVISTA

Livro República de Segurança Nacional terá lançamento em Porto Alegre

Rodrigo Lentz conversou com o Brasil de Fato RS sobre a publicação que aborda os militares na política brasileira

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Pesquisador Rodrigo Lentz lança seu novo livro nesta quinta-feira (11), às 18 horas, no Memorial Luiz Carlos Prestes, em Porto Alegre - Arquivo do autor

República de Segurança Nacional: Militares e Política, publicado pela Editora Expressão Popular, será lançado na quinta-feira (11), às 18 horas, no Memorial Luiz Carlos Prestes, em Porto Alegre. Na ocasião, o autor, Rodrigo Lentz, e os vereadores da Bancada Negra de Porto Alegre Laura Sito (PT) e Matheus Gomes (PSOL) realizam um debate com o público sobre o livro, no auditório do Memorial.

Rodrigo Lentz é advogado, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), professor de Ciência Política da UnB, pesquisador sênior do Observatório sobre Defesa e Soberania Nacional do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e integrante do Front - Instituto de Estudos Contemporâneos.        

Antes do lançamento, as pessoas que forem ao Memorial poderão fazer uma visita guiada às instalações. Já o bate-papo começa às 19h.

Militares no centro do poder

Em República de Segurança Nacional, Lentz analisa a volta dos militares ao centro do poder com o governo de Jair Bolsonaro (PL) e reflete sobre suas consequências políticas para o país. A partir de documentos oficiais da Escola Superior de Guerra, o pesquisador investiga a estrutura ideológica que fundamenta a organização militar e a contextualiza conforme as mudanças históricas que ocorreram no período.

Lentz explora a presença dos militares na política desde a formação da República até o atual governo, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes, mantendo as disputas sociais como pano de fundo para esse percurso.

O autor discute também alternativas para as forças democráticas assumirem, de fato, o controle político dos militares. Uma saída seria a reformulação da educação para a democracia, rompendo com a cultura política que bloqueia a discussão pública sobre a questão nacional e abre o caminho para a politização dos militares. 

“Compreender historicamente a questão militar e como os militares pensam a política pode nos ajudar a evitar novas ilusões e equívocos decorrentes de se ignorar os temas militares como 'apenas' de defesa nacional quando, em verdade, estão diretamente relacionados à disputa política entre classes sociais”, afirma Lentz.

Em entrevista ao Brasil de Fato RS, o professor da Universidade de Brasília dá detalhes sobre a sua obra e a ligação dos militares com a história da República brasileira desde o seu início. Ele passa pelo cenário dos anos 20 do século passado, quando os processos revolucionários em andamento no planeta atingiram as escolas de formação de oficiais das forças armadas.


República de Segurança Nacional: Militares e Política foi publicado pela Editora Expressão Popular / Divulgação

A entrevista:

Brasil de Fato RS - Por que escolheu o Memorial Luiz Carlos Prestes como o local do lançamento? 

Rodrigo Lentz - Porque Luiz Carlos Prestes é um símbolo político historicamente ligado à transformação social brasileira que integra civis e militares. É muito improvável, para não dizer impossível, pensarmos no conjunto de mudanças estruturais necessárias à materialização universal dos direitos individuais, políticos e sociais sem democratizar a burocracia militar. E o Prestes é um exemplo histórico dessa consciência.   

BdF RS - Existe uma relação entre o teu trabalho com A Ideologia da Segurança Nacional, do Padre Comblin, publicado nos anos 1970 em plena ditadura?

Lentz - Existe. O trabalho de investigação do Comblin foi pioneiro em demonstrar a reprodução estrutural de conceitos de segurança nacional dos EUA nas doutrinas de ação política de países como o Brasil. Há muita semelhança, em alguns casos reprodução, sobretudo na metodologia da ação política. E essa influência refletiu a hegemonia dos EUA no pós-guerra e o alinhamento do Brasil e de nossas forças armadas à política de segurança nacional dos EUA durante o período considerado democrático, inclusive nos governos Getúlio, JK e Jango. Porém, a leitura histórica que proponho é mais ampla, resgatando as origens nacionais da doutrina da ESG (Escola Superior de Guerra), enquanto produto das relações de conflito e cooperação entre classes sociais, burocracia militar e elites políticas do período republicano.     

A participação dos militares no governo é uma marca do período republicano. A forma, a intensidade, a visibilidade e os objetivos é que variaram ao longo do tempo

BdF RS - Entendes que esta forma de tomar o governo através de eleições faz parte de uma estratégia dos militares baseada na cultura formada entre eles da segurança nacional?  

Lentz - A participação dos militares no governo é uma marca do período republicano. A forma, a intensidade, a visibilidade e os objetivos é que variaram ao longo do tempo, conforme a dinâmica conflito-cooperação. Pela porta das eleições, na conquista da direção nacional com protagonismo militar podemos mencionar Hermes da Fonseca (1910-1914) e Eurico Gaspar Dutra (1946-1950). Sem contar que no período entre 1946 e 1964 todas as eleições presidenciais contaram com candidatos das forças armadas.

Ponha-se nessa conta também os governos e parlamentos estaduais, incluindo secretarias, assim como no Senado e Câmara federais, ministérios e empresas públicas. Tudo em períodos considerados democráticos. Então não há nenhuma novidade histórica, apenas a retomada de uma marca republicana que foi mitigada com o desastre político da ditadura de 1964, mas jamais eliminada da organização militar e do poder político.

BdF RS - A retomada do combate ao "comunismo" e a criação de um inimigo interno aponta uma retomada da guerra fria em nível internacional? 

Lentz - Sinceramente, não vejo nenhuma "retomada". A verdade é que nossas forças armadas, ao menos desde 1930, são majoritariamente anticomunistas. Inclusive os militares considerados nacionalistas, mais próximos ao trabalhismo, eram anticomunistas. Depois de 1985, as forças armadas preservaram ampla imunidade às reformas democratizantes e preservaram, com autonomia, seu caráter profundamente ideológico.

A grande missão da burocracia militar, que arriscaria dizer a organização mais ideológica do Estado brasileiro, foi manter as conquistas da "revolução de 1964". Sobretudo o Exército assume uma missão preventiva contrarrevolucionária, mantendo como terciária sua destinação para a defesa da pátria. Então os inimigos internos foram mantidos, com adaptações à nova conjuntura do sistema político mais plural e aberto: a criminalidade urbana organizada, os movimento sociais, a sociedade civil e os partidos sociais-democratas seguiram como potenciais inimigos internos. Da mesma forma, os aparelhos de segurança nacional no poder Executivo, tanto nacional quanto estadual.   

A relação entre o que chamamos de "bolsonarismo" e militares não é tão simples

BdF RS - No teu entender, o bolsonarismo e seus militares tomando postos chaves no poder Executivo tem relação direta com isso? 

Lentz - A relação entre o que chamamos de "bolsonarismo" e militares não é tão simples. Há um grupo de oficiais, sobretudo generais e coronéis, que exercem comando político alinhados ao grupo "bolsonarista". Porém, é preciso considerar também uma coesão ideológica da organização que vem antes do "bolsonarismo". Quer dizer, o bolsonarismo é fruto da formação histórica e recente de nossas organizações e instituições militares, assim como de organizações sociais. Considero um grande equívoco individualizar esse fenômeno. O buraco é muito mais profundo, enraizado, e começar a pensar as soluções democráticas passa por compreender isso. 

BdF RS - Sobre o que mais queres falar que esteja entre os temas tratados no livro? 

Lentz - Os militares, tanto das forças armadas quanto das forças auxiliares e reservas do Exército (que insistimos em chamar de polícias militares), são burocracias do Estado sob responsabilidade do poder político. Desde 1985, são quase 40 anos sem mudanças significativas e estruturais dessas burocracias, muito em razão da política laudatória e do pragmatismo eleitoral.

Sem que a política assuma a responsabilidade sobre a política de defesa, a política militar e a política de segurança interna (instituições e pública), essas burocracias seguirão como forças desestabilizantes da democracia e estabilizadoras do autoritarismo político e social. Estamos colhendo os frutos de décadas de irresponsabilidade política. Quando esse papel político será assumido efetivamente pelas organizações sociais e políticas? Por que isso não ocorre? E o que é preciso para que isso aconteça?

Serviço:

Lançamento do livro República de Segurança Nacional: Militares e Política no Brasil

Local: Memorial Luiz Carlos Prestes

Dia: 11 de agosto (quinta-feira)

Horário: 18h às 21h

Endereço: Avenida Edvaldo Pereira Paiva, 1527 -1889 – Praia das Belas – Porto Alegre – RS

Programação: 18h – Visita guiada pelo Memorial

                      19h – Lançamento do livro República de Segurança Nacional: Militares e política no Brasil – com o autor Rodrigo Lentz e convidados da Bancada Negra de Porto Alegre: Laura Sito – jornalista, vereadora PT e representante parlamentar do Brasil na FAO e Matheus Gomes – mestre em História, vereador do PSOL e membro do Instituto Front.

O livro estará à venda no local, durante o lançamento e no site da Editora Expressão Popular.

Realização Instituto Front de Estudos Contemporâneos e Editora Expressão Popular.


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Edição: Marcelo Ferreira