Minas Gerais

ENTREVISTA

Militante histórico e usuário do SUS: conheça o presidente do Conselho Municipal de Saúde de BH

Metalúrgico, Antônio de Pádua iniciou a trajetória política ainda durante a Ditadura Militar

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
ASCOM - CMSBH

Usuário do sistema Único de Saúde (SUS) e membro do Conselho Distrital de saúde da região do Barreiro, Antônio de Pádua foi eleito, no início deste mês, presidente do Conselho Municipal de Saúde de Belo Horizonte (CMSBH).

Com reconhecida trajetória política e de organização popular, a eleição de Pádua foi comemorada pelo movimento em defesa da saúde pública da capital mineira. Metalúrgico, iniciou a militância no período da Ditadura Militar e, na diretoria do Sindicato da categoria, Pádua se profissionalizou no tema da saúde do trabalhador.

Ao Brasil de Fato MG, o presidente do CMSBH contou um pouco sobre sua trajetória e a avaliação do atual momento político e social do Brasil. “A luta é muito grande. A gente precisa tentar recuperar um pouco do que a gente perdeu. A esperança é essa”, enfatiza.

Sobre a gestão do SUS na capital mineira, Pádua comentou a falta de pediatras no município e avaliou a atual gestão da Secretaria Municipal de Saúde. “Nosso papel enquanto CMSBH é cobrar a secretaria. A gente precisa ter, pelo menos, nas nove UPAs da cidade, médico pediatra”, argumenta.

Com a proximidade das eleições, o metalúrgico ainda destacou quais projetos estão em disputa. Para ele, o momento é de mobilizar e abrir um amplo debate com a sociedade sobre o tema.

“A sociedade pensa em hospital, clínica e remédio. Mas saúde não é isso. Saúde é ter alimentação saudável, direito a lazer, alimentos sem agrotóxico, água tratada de qualidade, é respirar ar puro. Tudo isso é saúde”, afirma.

Confira a entrevista completa:

Brasil de Fato MG: Como um metalúrgico e usuário do SUS se envolveu na militância e se tornou presidente do Conselho Municipal de Saúde de BH?

Antônio de Pádua: Eu trabalhei por 42 anos na categoria metalúrgica e comecei minha militância ali, a partir dos problemas que a gente conhecia na categoria. A primeira greve da qual participei durou oito dias, em 1979. Na época, criticamos a jornada de 48 horas semanais, que impunha aos trabalhadores uma escala penosa de sete dias de trabalho, sem folga. Saímos da greve com conquistas econômicas e a mudança da escala.

Em 1989 fizemos uma greve de ocupação, que tinha um caráter muito mais político que econômico. Foi uma greve de confronto muito grande. Me envolvi nessas movimentações como trabalhador da categoria, mas ainda não era sindicalizado.

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Só em 2002 fui convidado para entrar na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos, no qual atuei por 17 anos com responsabilidade, respeito e firmeza. Foi ali que iniciei minha militância na pauta da saúde. Eu era responsável pelo Departamento de Saúde do Trabalhador, orientando sobre seus direitos, cuidando de casos de acometidos por acidentes, acompanhando demandas do INSS, entre outras funções.

Fui convidado para fazer parte do Conselho Estadual de Saúde e do Fórum Estadual de Saúde e Segurança do Trabalho, que tem caráter sindical e popular. Também tenho atuação no Observatório de Saúde do Trabalhador, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Você iniciou a atuação política durante a Ditadura Militar no Brasil. Quais lições tirou desse período?

Era um momento muito difícil. Estávamos no governo Figueiredo e, anteriormente, tinha sido Geisel. Já havia um clamor muito grande pela abertura política, mas o país ainda estava na mão dos militares. O rigor repressivo ainda era muito grande. Naquela época, a cavalaria era chamada nos confrontos. E foi assim que aconteceu em 1979.

A assembleia que decidiu pela greve foi grandiosa, começou às 18h30 e terminou às 21h30. Dali, os trabalhadores já foram parar a empresa e fizeram piquetes nas portarias. Então, imediatamente no dia seguinte, a repressão chegou para coibir a luta.

Você vivenciou diversos momentos da luta política no Brasil. Como você caracteriza o atual momento do país?

Anteriormente, tivemos um momento que eu considerei importante, no qual a população, de modo geral, começou a participar de fato daquilo que lhe é de direito. A gente começou a ter acesso a coisas que era quase impossível, como às universidades. Dificilmente você teria alguém de família humilde, com raras exceções, chegando à universidade. Vimos que, a partir de uma política direcionada, é possível.

Nos últimos anos, temos visto a possibilidade de perder tudo isso. O próprio SUS é um exemplo. Antes dele, só tinha direito à saúde quem tivesse carteira assinada. Quem não tinha, vivia de misericórdia.  Hoje, o SUS é universal, mas está ameaçado, com a falta de financiamento.

Então, eu vejo que o momento está muito difícil. Inclusive existe uma tentativa de acabar com as organizações dos conselhos e do controle social. A luta é muito grande. A gente precisa recuperar o que a gente perdeu. A esperança é essa.

Qual é o atual cenário da saúde pública em Belo Horizonte? E qual o papel do Conselho Municipal de Saúde para fazer a gestão do SUS melhorar na capital?

A Saúde em Belo Horizonte viveu uma situação caótica por causa da pandemia. Mas, com muito trabalho, conseguimos lidar com o cenário pandêmico.

Hoje, enfrentamos o desafio da falta de médicos, principalmente pediatras.  Nós estamos com um déficit enorme. Nosso papel enquanto CMSBH é cobrar a secretaria. A gente precisa ter, pelo menos, nas nove UPAs da cidade, médico pediatra.

A solução que apresentaram de ter pediatras nos finais de semana em alguns postos de saúde não resolve.

Nós vamos dialogar com a Secretaria Municipal de Saúde de BH, mas, se for preciso, também vamos ser mais enfáticos na luta e mobilizar a população para exigir aquilo que é de direito.

A atual secretaria de saúde, Cláudia Navarro, foi muito criticada ao assumir a pasta, devido a sua vinculação com o Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG). Qual a sua avaliação sobre a atual gestão?

Um conselho de classe não é determinante numa administração municipal. Ele tem a sua própria tarefa de zelar pela classe que representa. O CRM-MG está vinculado ao Conselho Federal de Medicina (CFM), que tem tido ações que desagradam enormemente ao SUS. Nós não compactuamos com isso.

O Conselho Municipal de Saúde é uma espécie de vigilante do Executivo municipal e nós vamos estar atentos. Muitas coisas feitas pelo Executivo, no âmbito da saúde, precisam necessariamente passar pelo conselho. Nós vamos cobrar e questionar ações.

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Por exemplo, não passou pelo CMSBH a discussão sobre liberação da não utilização de máscaras em locais fechados do município. Como bom mineiro, a gente tem o pé atrás diante de muita coisa. Na minha avaliação, poderia ter esperado um pouco mais para tomar essa medida. Nós não fomos consultados, nem demos aval a isso.

Eu considero que os índices nacionais, em relação a covid-19, ainda são elevados. Temos em média 200 mortes por dia. Em um mês, são quase seis mil mortes. Não podemos naturalizar, 200 mortes representam um desastre aéreo por dia. Isso é muita coisa. Estamos vigilantes.

Diante do atual momento político, qual a importância da corrida eleitoral de 2022? Quais projetos de país e de gestão da saúde pública estão em disputa?

A sociedade, de um modo geral, viveu uma situação diferente da de hoje, no que diz respeito à economia e ao acesso a direitos. Estudo, moradia, transporte, lazer foram alguns dos direitos cujo acesso foi ampliado no período anterior.

Tivemos um retrocesso nítido. Então, é momento de nos mobilizarmos. O tom já está dado e aponta para termos um outro governo. Eu torço, inclusive, para que tenhamos sucesso num governo diferente do atual.

Precisamos avançar muito. Eu ainda vejo trabalhadores de aplicativo achando que são donos do próprio negócio. Tem coisas que não vamos conseguir desfazer imediatamente, como a uberização.

O projeto popular é próximo dos princípios do SUS, como igualdade, equidade e universalidade, já a visão neoliberal pensa muito mais no lucro.

Queremos abrir um amplo debate sobre a saúde. A sociedade pensa em hospital, clínica e remédio. Mas saúde não é isso. Saúde é ter alimentação saudável, direito a lazer, alimentos sem agrotóxico, água tratada de qualidade, é respirar ar puro. Tudo isso é saúde.

Edição: Elis Almeida