Minas Gerais

ARTIGO

Empresa alvo de ações judiciais na Itália ganha leilão do Rodoanel. Por quê?

A empresa italiana INC S.P.A. ostenta relações bastante amistosas com setores extremistas da direita italiana

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Crédito - Alenice Baeta

O leilão de licitação do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte ou Rodominério - como é popularmente conhecido - foi realizado em São Paulo, no dia 12 de agosto de 2022 na Bolsa de Valores.

O leilão, assim como as fases antecedentes do projeto, também foi marcado por arbitrariedades e ilegalidades, recaindo ainda sobre o processo licitatório denúncias gravíssimas sobre um jogo de cartas marcadas. Segundo revelou matéria do Jornal O Tempo, três dias antes do leilão, o intuito foi favorecer uma empresa italiana, e gerar R$ 90 milhões para a campanha de reeleição do governador Romeu Zema.

A empresa italiana INC S.P.A., que ostenta relações bastante amistosas com setores extremistas da direita italiana e coleciona ações judiciais justamente em projetos rodoviários, tornou-se a vencedora do leilão do Rodoanel Metropolitano. A obra custará ao Estado de Minas Gerais R$ 3 bilhões e sua administração será da iniciativa privada que vai explorar o pedágio da rodovia por trinta anos.

Passados 30 dias da realização do leilão não há informações da empresa

Confirmando as denúncias tornadas públicas por ex-colaborador do governo Zema em setores estratégicos, ouvido pela matéria, é muito estranho que apenas dois consórcios tenham apresentado propostas ao certame, especialmente se considerarmos se tratar de um empreendimento com altíssima lucratividade. O denunciante antecipou de maneira clara que “a opção mais provável seria dar por vencedora uma empresa com sede na Europa”, que, em seguida, se "arranjaria" com os parceiros que, no momento, "precisam ficar ocultos".

Causa perplexidade ainda o fato de que até a presente data, passado quase um mês do leilão, ainda não tenha sido publicado na página do projeto qualquer documento do processo licitatório, com exceção da publicação do edital.

Impossível verificar se outros consórcios tentaram participar e por quais motivos não apresentaram propostas.

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Ainda mais grave e escandaloso. Nada se sabe por documentos sobre como a empresa INC S.P.A pôde participar do processo licitatório, se demonstrou sua capacidade técnica em executar o projeto, e financeira em suportar os investimentos que estão por ser contratados.

O que temos é apenas o agradecimento do executivo italiano Nicola Trovato após a conclusão do leilão. Vale notar que segundo seu perfil na rede social LinkedIn, o executivo Nicola Trovato trabalha hoje para “Koch Industries” de propriedade dos bilionários irmãos Koch que financiam pelo mundo a difusão do pensamento ultra-liberal e candidaturas extremistas hostis aos impostos, aos direitos sindicais e ao controle de emissões. Essa informação demonstrará sua importância mais adiante quando se falará das relações políticas de INC S.P.A.

Mas se o Governo Zema prefere manter o mais que suspeito leilão nas sombras vamos colocar luz e transparência sobre o que é a empresa INC S.P.A. e qual é o seu histórico em seu país de origem.

Autoestrada “Pedemontana Veneta”

No distante ano de 2006 a Região Vêneto, uma das vinte regiões da Itália, após a individualização, descrição e avaliação de impactos socioambientais, iniciou o processo de licitação da autoestrada “Pedemontana Veneta”, que foi vencido pelo consórcio “SIS Società Consortile per Azioni ScpA”, formado majoritariamente pela empresa INC S.P.A., controlada pelo grupo econômico “FININC SpA” de propriedade da família Dogliani.

Devido a inúmeros recursos apontando irregularidades do processo licitatório, somente após decisão do Conselho de Estado (órgão máximo da justiça administrativa) foi possível iniciar as obras em 2012, com seis anos de atraso.

Embora entre 2005 e 2006 tenham sido aprovados por Ministérios e Províncias competentes os estudos de impacto ambiental, chamados de “VIA-Valutazione Impatto Ambientale”, diversos impactos não foram previstos ou foram negligenciados, tanto ambientais quanto sociais. Mais de três mil desapropriações foram realizadas durante a execução das obras.

Com previsão para ser completada em 2020, a obra continua inacabada com apenas 65% do traçado concluído. Os mais de dezesseis anos passados desde o processo licitatório são reveladores de que a empresa INC S.P.A. é absolutamente incapaz de conduzir projetos rodoviários de grande porte em seu próprio país.

Diante de tanto atraso da empresa e de demonstrações de desequilíbrio econômico-financeiro do projeto, a entidade de defesa e tutela de consumidores e do meio ambiente Codacons, entendeu que havia imposição legal de realização de nova licitação, que deveria ter acontecido em 2017. Mas a nova licitação terminou descartada por um ato administrativo muito controverso do presidente da região Vêneto, Luca Zaia, favorecendo financeiramente a empresa INC S.P.A.. O Codacons apresentou recurso ao Conselho de Estado com o intuito de corrigir o que considera grave violação do interesse público, da Constituição italiana e da legislação vigente.

A execução da autoestrada “Pedemontana Veneta”, a cargo da empresa italiana INC S.P.A., chama atenção também pelo forte comprometimento de líderes regionais e nacionais do partido de extrema-direita “Lega Nord”, que ao longo de todos esses anos tentam garantir a realização do projeto a ferro e fogo. Bem como, tentam blindar o projeto, em meio a advertências sobre o risco de infiltrações de organizações mafiosas por meio de empresas fornecedoras ou prestadoras de serviços.

Pessoas como Luca Zaia, presidente da Região Vêneto desde 2010, Matteo Salvini e Roberto Maroni, ambos senadores e ex-ministros da República Italiana, foram e são defensores irredutíveis da execução das obras a todo custo, mesmo diante de graves denúncias como é o caso de forte desequilíbrio econômico-financeiro a favor da concessionária INC S.P.A.. Agem para antecipar ou mascarar suspeitas da possibilidade de infiltração mafiosa, por meio de protocolos de prevenção como aconteceu em 2010 entre Luca Zaia e Roberto Maroni, e em 2018 entre o presidente da Região Vêneto e Matteo Salvini.

Autoestrada “Roma-Latina”

O legado da INC S.P.A. na Itália não para aí. Um intrincado processo de licitação da autoestrada “Roma-Latina” iniciado em 2011, teve sua anulação definida pelo Conselho de Estado em 2018, sendo confirmada por sucessivas decisões em recurso, a última em 2021. Decisões tomadas a partir de avaliações feitas com a colaboração do Banco da Itália, que considerou a proposta do consórcio vencedor, majoritariamente dirigido pela empresa que venceu recentemente o leilão do Rodoanel Metropolitano de Belo Horizonte, como contendo um plano econômico-financeiro não sustentável.

O Banco da Itália evidenciou que as retribuições contratuais aos cofres públicos possuíam “risco de inadimplência, pois é diferido ao longo do tempo e depende da capacidade do devedor de cumprir os pagamentos esperados exclusivamente com base nos fluxos de caixa produzidos pelo projeto”. Concluindo que se tratava de um negócio seguro para a concessionária e para bancos, mas não para a administração pública, sobretudo pelo fato de que a empresa INC S.P.A. demonstrou “precariedade na capacidade de reembolso”.

Mas o impasse a que se chegou no processo licitatório da autoestrada “Roma-Latina” não resume apenas a demonstrada incapacidade econômico-financeira da concessionária em garantir e restituir recursos públicos antecipados ao projeto.

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Também se reconheceu graves “equívocos” na fórmula de atribuição de pontos entre os concorrentes em aberto favorecimento à empresa INC S.P.A. Segundo emergiu das disputas judiciais, que ainda hoje impedem a realização de novo processo licitatório, «não pode ser considerado adequado para comparar as duas ofertas dos diferentes concorrentes, aos quais foram atribuídas pontuações com base em um mero (e inadequado) cálculo aritmético de elementos entre si absolutamente não homogêneos" o que determinou a transferência do risco do negócio para a administração pública.

Fica claro que a empresa INC S.P.A. não ostenta um acervo de projetos bem sucedidos e exitosos sequer em seu próprio país. E nos surpreende que com esse perfil tenha o Governo de Minas Gerais admitido e habilitado seu consórcio, o que em tese até poderia ter sido legitimado por uma mínima transparência dada às empresas concorrentes e às propostas. Mas isso não ocorreu.

Medidas urgentes precisam ser tomadas

Passados trinta dias da realização do leilão, não foi tornada pública nenhuma informação da empresa vencedora que permita aferir sua capacidade técnica em executar o projeto, e financeira em suportar os investimentos que estão por ser contratados. Portanto, é inaceitável que os órgãos de controle e às instituições de Justiça não tenham nada a dizer sobre esse conjunto de denúncias e fatos, que juntos desenham um cenário bastante evidente de que o projeto do Rodoanel tem tudo pra resultar em prejuízo do interesse público.

Medidas urgentes precisam ser tomadas junto aos órgãos e instituições competentes, afinal de contas quais motivos justificam tanto sigilo? Seria uma mera coincidência a proximidade da empresa vencedora da licitação e a extrema-direita, considerando o caráter abertamente eleitoreiro que o Governo Zema imprimiu ao projeto do Rodoanel?

Quais foram os critérios utilizados para que ao final do processo licitatório uma empresa com credenciais técnico-financeiras tão ruins chegasse à vitória? São perguntas que precisam ser imediatamente respondidas.

Henrique Lazarotti participa do Movimento Serra Sempre Viva e do Movimento “Somos Todos Contra o Rodoanel”

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

Edição: Larissa Costa