Minas Gerais

Coluna

Precisamos falar mais sobre o dinheiro do SUS

Imagem de perfil do Colunistaesd
Crédito - Mídia Ninja
Precisamos, como Estado e sociedade, cuidar muito bem do SUS

O SUS é considerado o maior sistema de saúde universal do planeta, ou seja, um sistema de atendimento com acesso aberto a todos os cidadãos, sem distinção de posição econômica ou social.

Há países com mais de 200 milhões de habitantes que oferecem serviços públicos de saúde, mas só o SUS oferece integralmente tais serviços, incluindo ações que variam da visita do agente comunitário de saúde, passando por uma consulta médica até chegar a internações com exames especializados. Se isso não é pouca coisa, imagine que por trás de tudo isso, para fazer funcionar este sistema é necessário coordenar os esforços que envolvem do governo federal, passando por 26 estados e Distrito Federal até os 5.570 municípios brasileiros.

Um dos desafios mais complexos para manter este funcionamento é estabelecer uma forma para que os governos, principalmente os municipais, que são os principais gestores dos serviços de saúde, tenham recursos necessários para ofertar ações de prevenção, promoção e recuperação da saúde. E ao criar esta forma, o SUS foi inovador e se tornou referência para que outras políticas públicas também criassem seus esquemas de financiamento considerando a descentralização da gestão trazida pela Constituição Federal de 1988.

Fontes de financiamento

É verdade que nos últimos anos, principalmente desde o teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95/2016 não só o SUS, mas outras políticas sociais, tem vivido um processo de forte limitação financeira, mas hoje vamos tratar sobre duas coisas: como funciona o esquema de financiamento descentralizado dos serviços do SUS e, comparativamente, se o SUS gasta muito ou pouco, considerando os países próximos com dimensões populacionais comparáveis ao Brasil.

Só o SUS oferece integralmente os serviços de saúde 

Em primeiro lugar, para entender melhor a “engenharia” do seu financiamento descentralizado, podemos representar as receitas do SUS em uma cidade como formadas pela confluência de dois rios.

Em um deles vem as receitas próprias, formadas por, pelo menos, 15% daquilo que o município arrecadou com impostos mais o que ele recebeu de transferências obrigatórias da União (FPM) e dos estados (parte do IPVA e do ICMS). No outro rio vem as transferências recebidas da União e, em menor grau, dos estados, e que se destinam a finalidades específicas e estratégicas para o sistema de saúde: a atenção básica em saúde (onde está o Saúde da Família); os procedimentos especializados e internações; a vigilância sanitária e epidemiológica ou a assistência farmacêutica, por exemplo.

:: Leia mais notícias do Brasil de Fato MG. Clique aqui ::

Essas transferências são fundamentais para reforçar os serviços mais estruturantes para o SUS, principalmente no caso dos municípios que estão nas regiões mais pobres do país ou, mesmo, dos municípios que cumprem a função de referência para oferecer procedimentos especializados e internações hospitalares a outros municípios da sua região.

Pouco recurso ou gestão ineficiente?

Entendido como se formam as receitas, muito tem sido dito e repetido – sem apresentar evidências - que o Brasil não gasta pouco com saúde, mas gasta mal. Será realmente verdade que gastamos muito e que os problemas do SUS - que existem, é claro, e inclusive se agravaram nos últimos anos - sejam de falta de gestão ou ineficiência?

Se compararmos com os maiores países da América Latina, como Argentina, Chile, Colômbia ou México – que aliás não tem sistemas universais de saúde e estão desobrigados de oferecer todos os tipos de serviços, como o SUS – o Brasil gasta pouco. Dados da Organização Mundial da Saúde para 2016 (antes mesmo dos efeitos do Teto de Gastos), por exemplo, dão conta que perdemos para todos estes países se compararmos o percentual do orçamento governamental alocado em saúde.

Se compararmos o percentual do Produto Interno Bruno (PIB) alocado pelo governo em saúde ganhamos só do México. Se compararmos a despesa governamental com saúde em dólar per capita, conseguimos “ganhar” do México e da Colômbia, mas novamente perdemos para Argentina e Chile (no caso destes dois países em qualquer comparação).

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Mas será que, nossos resultados sanitários são tão piores que o destes países, sugerindo que nossa gestão do SUS seja pior? De acordo com dados da Organização Pan americana de Saúde (OPAS), nossa cobertura vacinal média era maior que a da Argentina e México e estava muito próxima do Chile e Colômbia.

Nossas gestantes com quatro ou mais consultas de pré-natal tinham a mesma proporção que Chile e Colômbia, superando a do México e perdendo apenas para a Argentina. Já no Índice de Cobertura Essencial, utilizado pela OMS para comparar países quanto a uma cesta de serviços essenciais ofertado pelos governos, e, portanto, mais abrangente que os demais indicadores, o Brasil ganhou de todos estes países.

Vizinhos gastam mais, e não oferecem serviços universais

A olhar para os dados de organismos internacionais em comparação, nossos problemas de gestão ou de eficiência não são maiores que os dos nossos vizinhos, que gastam mais que o SUS e não oferecem serviços universais.

Pelo contrário, para que possa cumprir sua missão de oferecer atenção à saúde de todos brasileiros e fazer isso de forma igualitária, superando suas limitações e problemas – como as filas por consultas e exames especializados, por exemplo – e incorporar tecnologias que tragam facilidades e confortos para todos os cidadãos, o SUS precisa, sim, elevar sua participação na despesa governamental.

O SUS cuidou de todos nós e salvou vidas na pandemia, mas precisamos, como Estado e sociedade, cuidar muito bem dele.

Fontes: https://data.worldbank.orghttps://www.who.int/en/ e https://www3.paho.org/data/index.php/es/?option=com_content&view=article&id=515:indicadoresviz&Itemid=348.

José Angelo Machado é professor associado do Departamento de Ciência Política da UFMG

---
Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

---

Leia outros artigos da coluna O SUS no seu cotidiano.

Edição: Elis Almeida