Minas Gerais

ELEIÇÕES 2022

Artigo | Zema se faz de Jeca Tatu como marketing para promover identificação

O eleitor compreende a estratégia do empresário milionário Romeu Zema?

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Crédito - Divulgação

Com discurso de renovação da política e marketing de governo eficiente, reproduzidos de instituições financiadas pela extrema direita mundial, os quatro anos do governo Zema foram marcados por práticas muito antigas da política, identificadas com o atraso e o retrocesso. Concentração de poder, recursos e privilégios nas mãos de poucos, clientelismo e personalismo constituem a marca deste governo que se apresenta como novo.

Em momentos cruciais governo Zema não dialogou com a população 

Como se não bastasse, em momentos cruciais, como na polêmica em torno da mineração da Serra do Curral, em Belo Horizonte, e na assinatura do acordo com a mineradora Vale, o governo Zema não dialogou com a população ou com os movimentos sociais. Além disso, nos últimos quatro anos assistimos em Minas ao desmonte de serviços públicos, à transferência de recursos para a iniciativa privada e à destruição ambiental. 

Educação

Na educação, ao mesmo tempo em que implementa o Projeto Somar, que institui a gestão compartilhada (pedagógica e administrativa) do ensino médio da rede estadual com organizações sociais privadas; lança o Mãos Dadas, que prevê a municipalização do ensino fundamental. Ou seja, o Estado de Minas em breve vai deixar de cumprir a missão constitucional de ofertar educação pública.

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Nesse caso, usando como argumentos a descentralização, a desregulamentação e a divisão de responsabilidades. Mas o que se observa é a abertura de espaço para o avanço do capital privado. Tais mudanças são praticamente desconhecidas da maioria da população e não foram discutidas nem mesmo com a comunidade escolar. Empresários do setor devem estar gratos. Prefeitos deveriam estar preocupados.   

Mineração e devastação

Ainda sobre transferência de recursos do Estado para a iniciativa privada, de acordo com dados do Plano de Governo do candidato à reeleição, entre os anos de 2019 e 2022 foram feitas concessões e parcerias público-privadas que representaram um total de R$18,2 bilhões.

O rompimento das barragens de mineração em Brumadinho (2019) e em Mariana (2015), evidenciou que o atual projeto de desenvolvimento é devastador. Hoje, o sofrimento, inclusive mental, de milhares de mineiros atingidos pela mineração mobiliza parte significativa da sociedade, que reivindica que se pense alternativas mais condizentes com a vida e a sustentabilidade.

Ainda não recuperada desses dois traumas, a possibilidade de mineração na Serra do Curral, em Belo Horizonte, deixou a população apavorada e em vigília. Mas não o governador, que seguiu dando entrevistas na mais completa platitude, assegurando a adoção de critérios técnicos e defendendo a autorização dada à Taquaril Mineradora S/A (Tamisa).

Em outro momento, governo de Minas e Vale assinaram um acordo a portas fechadas no Tribunal de Justiça, desconsiderando totalmente os atingidos de Brumadinho e outros municípios afetados pela lama. Movimentos como Eu Luto, Brumadinho Vive, denunciaram que foram deixadas de fora até mesmo representações eleitas pelo povo de Brumadinho - vereadores e prefeito, e organizadas pelas comunidades, como associações e movimentos, legítimos representantes do povo.  

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Mas o trágico desconhece limites. Ainda de acordo com movimentos sociais, a proposta de construção de um Rodoanel com recursos do acordo desvia o dinheiro de sua finalidade, que é a reparação para reconstrução dos territórios, para que possam melhorar a qualidade de vida dos que vivem nas cidades afetadas. Denunciaram também que um Rodoanel interessa mais à mineração, para escoar sua produção, do que aos municípios do entorno, que pouco ou nada ganharão e ainda vão enfrentar problemas sociais graves quando as comunidades se tornarem beira de rodovia.

A reivindicação de movimentos sociais por investimentos de reparação para municípios atingidos para o fortalecimento de políticas públicas locais e planejamento de alternativas à dependência da mineração, parece não ter sido ouvida. Os R$ 37,6 bilhões do acordo acabaram sendo destinados a obras diversas, muitas em locais não afetados, e distribuídos pelos municípios mineiros, grande parte deles sem qualquer relação com a devastação provocada pela lama.

O povo de Minas não ouviu falar dos critérios técnicos adotados para a escolha das obras a serem realizadas. Na ausência de critérios técnicos, pode-se falar em critérios políticos, ou seja, em puro e simples clientelismo, favorecimento a alguns. Cabe questionar se, nesse caso, existe algum interesse eleitoral do governador.

Tudo pode piorar

Mas tudo pode piorar. O Plano de Governo da campanha, registrado no TSE, aprofunda a destruição ambiental, com a proposta de licenciamento automático, e prevê a ampliação do Projeto Somar, mais privatizações, concessões de Unidades de Proteção e ampliação do programa de concessões de gestão de parques e unidades de preservação, entre outras ações que deveriam ser motivo de preocupação dos mineiros.

Como foi possível adotar práticas tão antigas e condenáveis, sem que parte significativa da população se desse conta do retrocesso que está sendo promovido? Uma resposta possível é a eficiente construção do personagem Zema, que usou novas tecnologias e imaginário social a seu favor.

Personalismo no mundo de Jeca Tatu

Jeca Tatu, personagem folclórico do cinema nacional por mais de duas décadas a partir de 1959, foi talvez o maior sucesso do grande ator Amácio Mazzaropi. Originário da literatura de Monteiro Lobato, Jeca Tatu é um matuto caipira de sotaque inconfundível, que nos parece simplório, algumas vezes ingênuo.

Mas, sabemos, Jeca Tatu é astuto a ponto de nos fazer acreditar que é tolo. O personagem é cômico e acompanhamos sua atuação às gargalhadas. Nós relevamos suas falhas, a preguiça, o desleixo. Afinal, ele é tão simples, tão humano, tão próximo de nós.

Jeca Tatu está introjetado no imaginário social brasileiro há décadas, antes mesmo do personagem ganhar as telas de cinema. Ele é um personagem folclórico conhecido até mesmo por quem nunca assistiu a um filme de Mazzaropi e nos vem à mente quando pensamos o Brasil e a cultura brasileira. Com ele lembramos, quase com melancolia, do passado, muitas vezes idealizado como melhor que o presente.   

Sabemos também que o marketing utiliza, entre outras estratégias, elementos e personagens folclóricos da cultura nacional para promover uma identificação imediata, consciente ou não, com a pessoa – ora transformada em produto -, que deseja promover ou, no caso da política, eleger. E, nesse sentido, seria válido indagar se o atual governador e candidato à reeleição Romeu Zema se assemelha naturalmente ao Jeca Tatu ou se os traços que identificamos com o personagem são propositalmente realçados pelo marketing político dele.

Nas redes sociais, vídeos que circulam pelo whatsapp e em entrevistas, vemos que Romeu Zema possui sotaque carregado e uma fala arrastada, tem dificuldades para dominar o português formal. Nem sempre acerta a conjugação de um verbo irregular, nunca foi visto elaborando raciocínios complexos.

Também se mostrou hospitaleiro. Durante quatro anos nos levou pra dentro de sua rotina doméstica, fez ginástica, muitos “cafezim”, assou fornadas de pães de queijo e até lavou louça. Sobre esses temas banais, Zema postou vídeos no Tik Tok e foi personagem de centenas de memes. Viralizou. Sem ser ator, muito menos comediante, exerceu o papel de matuto simpático a distrair os mineiros enquanto promovia destruição.

Ao aproximarmos da eleição, vale perguntar ao eleitor se ele compreende a estratégia do empresário milionário Romeu Zema. Identificado subliminarmente com o personagem Jeca Tatu, ganhou projeção e, sem dúvida, conseguiu convencer parte significativa dos mineiros de que inexiste contradição no fato da pessoa, que afirma não acreditar na capacidade do Estado para resolver os problemas da população, querer governar.

Jaqueline Morelo é Cientista Social, jornalista, mestre em Ciência Política e diretora da Associação Internet Sem Fronteiras. 

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Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

 

Edição: Larissa Costa