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Tio Dengo

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Crédito - Freepik
Sei que há vários tios Dengos....por aí

"Já faz tanto tempo que você não está aqui conosco, mas aquela ajuda foi primordial para o meu futuro. Primeiro, queria lhe agradecer sempre por tudo. Segundo você estará sempre no meu coração". Dizia uma grande amiga sobre seu tio. O Dengo.

Dizia ela:

"Aquele dia me marcou profundamente. Talvez ninguém mais tenha alguma lembrança, mas nunca vou esquecer. O senhor, tio Dengo, sempre com um sorriso e os braços abertos, mudou a minha vida. Nunca me esqueço da sua elegância: as roupas bem passadas e a camisa pra dentro da calça. Sapatos bem lustrados. Nunca o vi desalinhado na vida. Foi um excelente professor de História e um grande orador.

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Estava aflita com minha vida escolar. Nunca fui uma boa aluna de História. Aquele ano tinha sido muito triste e conturbado pra mim. Mamãe tinha recebido um diagnóstico de câncer. Naquela semana, iria apresentar o trabalho final e provas sobre um período macabro do Brasil. O trabalho era sobre a Ditadura Militar. Era a semana de provas. Eu estava muito mal de notas. E o vestibular estava muito perto. Eu precisava passar de ano. Era um presente pra mamãe. Ela que nunca deixou de incentivar meus estudos. Você já estava muito doente, falava bem baixinho e com muitas dores pelo corpo. Mesmo assim, não se furtou em me ajudar naquele momento muito difícil pelo qual passava. Tinha uma medicação e uma disciplina muito cuidadosa e rígida.

Todo mundo da família me crucificou, menos o senhor, tio Dengo. O senhor ficou indignado e deu o papo reto:

‘Como assim? Não posso socorrer minha sobrinha querida nesse momento crucial da sua vida? Em primeiro lugar, a felicidade dela.’

O senhor me ensinou com maestria sobre a ditadura militar que se implantou no Brasil com um golpe de Estado em 1964. Um período em que não se podia criticar as atrocidades do governo. A tortura era o caminho certo para que as fizesse. Um período de muitas mortes e sangue. Graças ao senhor, passei nas provas do colégio e no vestibular de História. Eu me apaixonei por História naquele ano. Contrariei meu pai, seu irmão, que queria odontologia e hoje sou uma historiadora com muito orgulho”. 

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Minha amiga chorava copiosamente sobre a lembrança do seu tio querido naquele dia em que virava a doutora em História mais famosa do Brasil dentro daquele auditório de uma universidade pública brasileira. Aliás, estava lotado de estudantes e gente muito importante para a educação brasileira.

Ela começou o discurso e as lágrimas vieram juntas também. Parecia uma sessão da tarde daqueles filmes que nos fazem chorar.

Sei que há vários tios Dengos....por aí.

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

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Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal

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Edição: Elis Almeida